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Literatura de Cordel
Nordeste
Os caminhos da literatura entre cordéis e gibis
A Festa Literária Internacional do Pelourinho (FLIPELÔ), em Salvador, é um evento que tem tudo para emplacar no roteiro dos amantes da literatura e até para quem não é muito chegado ao universo dos livros, pois há atrações para todos os gostos – desde oficinas lúdicas envolvendo literatura, teatro e contação de histórias até shows musicais e exposições. E o melhor: as atrações são acessíveis e gratuitas ao público, em um espaço que respira cultura todos os dias – o centro histórico de Salvador.
Nesta segunda edição da Festa pude conferir apenas um dia,
no sábado (11 de Agosto), mas valeu a pena porque assisti a duas mesas ótimas
de debates com escritores baianos: a roda de conversa com Aleilton Fonseca e
Carlos Ribeiro e a mesa de debate entre os poetas Jotacê Freitas e Nildão – que
também é cartunista “dos bão”. Quero falar um pouco sobre o que refleti desta
última mesa.
Jotacê é cordelista, ou seja, um poeta da literatura de cordel. Este tipo de literatura é uma das mais ricas manifestações culturais
populares, sobretudo no Nordeste e principalmente no sertão. O poeta
nordestino, através de versos rimados, conta histórias sobre temas diversos -
principalmente sobre o cotidiano do sertanejo, mas há espaço para temas
envolvendo príncipes e princesas, dragões, religiosidade e políticos. Nildão,
além de cartunista, também faz versos que ele chama de “nanoversos”: versos
curtinhos que transmitem grandes mensagens – é como funcionam os poemas de
origem japonesa denominados haicai.
Durante a prosa entre os artistas eu anotei alguns insights
que surgiam. Lembrei do meu avô no sertão da Bahia: um homem que não teve
escolarização formal, mas era ávido leitor e isso deveu-se, em grande parte, à
literatura de cordel – ou “os ABC”, como ele chamava os folhetos. E, de fato, a
literatura de cordel funcionava também como um instrumento de informação, letramento e alfabetização
para o homem do sertão, pois é marcada por forte oralidade e sua linguagem era
facilmente assimilada pelo povo, tanto declamada pelos cordelistas quanto lidas
por quem estava dando os primeiros passos na leitura. Ousei comparar com a
minha formação como leitor: aparentemente não haveria relação, pois nasci e
cresci em ambiente urbano (São Paulo) e aprendi a ler antes mesmo de ir para a
escola graças às revistas de Histórias em Quadrinhos, também chamadas de gibis.
São universos bem diferentes.
Marginalizados
Marginalizados
No entanto a Literatura de Cordel e as Histórias em
Quadrinhos têm algo em comum: durante muitos anos foram discriminadas e
rejeitadas pela elite cultural, acadêmicos e escolas. Eu sou do tempo em que
levar um gibi para a escola era “infração disciplinar grave”, pois as HQs eram
vistas como instrumentos de distração e desestímulo para os estudos, além de
não colaborarem para o desenvolvimento moral e ético dos jovens – muito pelo
contrário: acreditava-se que as HQs estimulavam atitudes violentas e
indisciplina. Felizmente as HQs atualmente têm aceitação pedagógica e são
consideradas importantes recursos para a formação de leitores. O cordel também
sofreu o preconceito por ser um gênero literário próprio das camadas populares
e assim era visto com desprezo pela elite cultural, pois além de não ser
produzido por autores renomados e não apresentar a erudição acadêmica em seus
folhetos, a sua linguagem não seguia a norma culta da língua portuguesa, o que
gerava comentários carregados de preconceito linguístico e social em relação
aos seus poetas. De uns tempos pra cá vem ganhando espaço e apreciação nos
meios acadêmicos entre professores, pesquisadores, universitários e também
parte da classe média.
É curioso notar como certas expressões artísticas e
culturais que são populares sofreram discriminação e com o tempo foram reabilitadas
e os seus valores reconhecidos. Os cordéis e as HQs ajudaram na formação de
leitura de muitas pessoas ao longo dos anos graças à sua popularização e
linguagem acessível. O distanciamento acadêmico destas realidades levou a
conclusões apressadas e ajudou a consolidar estereótipos que não contribuíram na formação de
leitores – lembro de uma consagrada autora de literatura infantil afirmar que“Harry Potter não é literatura”. Eu sempre bato na tecla que é preciso dessacralizar a literatura, assunto que já tratei em outro momento.
Voltemos ao rumo da prosa: ao ampliar um pouco mais o leque de reflexões eu lembro imediatamente da street art (arte de rua) através do graffiti/grafite: muitas vezes confundido com a simples pichação, o grafiteiro era (ou ainda é) considerado uma figura marginal, um vândalo a “pichar os muros da cidade”; a cultura Hip Hop e o RAP também são alvos de preconceitos e tomados como manifestações de baixo nível cultural. O que temos, na verdade, é a arte que emerge das camadas populares através das letras, das ilustrações, da dança, da poesia e isso é bastante significativo, pois trata-se da quebra de padrões – e tudo aquilo que destoa dos modelos padronizados e elitizados culturalmente causa desconforto e rejeição.
Voltemos ao rumo da prosa: ao ampliar um pouco mais o leque de reflexões eu lembro imediatamente da street art (arte de rua) através do graffiti/grafite: muitas vezes confundido com a simples pichação, o grafiteiro era (ou ainda é) considerado uma figura marginal, um vândalo a “pichar os muros da cidade”; a cultura Hip Hop e o RAP também são alvos de preconceitos e tomados como manifestações de baixo nível cultural. O que temos, na verdade, é a arte que emerge das camadas populares através das letras, das ilustrações, da dança, da poesia e isso é bastante significativo, pois trata-se da quebra de padrões – e tudo aquilo que destoa dos modelos padronizados e elitizados culturalmente causa desconforto e rejeição.
Evidente que precisamos ter os nossos filtros e critérios,
porém essa é outra discussão. Apenas escrevi em mal digitadas linhas algumas breves
reflexões surgidas durante encontros e debates sobre literaturas. Eu sou entusiasta
da ideia de que mais cidades deveriam abrir espaços e vozes para eventos como a
Flipelô ou ideias parecidas. Afinal, é conversando que a gente entende – e com humor,
como demonstraram Jotacê e Nildão, tudo fica mais leve e divertido. E até arrisca uns versinhos de cordel:
O cordel tem grande valor
Para a cultura do sertão:
Registro histórico popular
É fonte de leitura e diversão.
Gibis também vou valorizar
Pois ajudam na alfabetização!
Discriminados muito tempo,
Cordel e gibi hoje são aceitos
Em todas as rodas sociais.
De crianças a adultos feitos,
Palavras e artes visuais
Se unem sem preconceitos!
Para a cultura do sertão:
Registro histórico popular
É fonte de leitura e diversão.
Gibis também vou valorizar
Pois ajudam na alfabetização!
Discriminados muito tempo,
Cordel e gibi hoje são aceitos
Em todas as rodas sociais.
De crianças a adultos feitos,
Palavras e artes visuais
Se unem sem preconceitos!
Porque leitura se faz assim,
O povo gosta de boas histórias.
E tem gente muito habilidosa
Mesmo sem famas ou glórias,
Fazendo arte bem caprichosa
Em traços e palavras meritórias!
Deixemos nos levar
Pelos caminhos da literatura!
Sem rótulos, sem julgamentos
Leitura não é nenhuma tortura
Então leia sem constrangimentos:
É romance, magia, aventura!
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O povo gosta de boas histórias.
E tem gente muito habilidosa
Mesmo sem famas ou glórias,
Fazendo arte bem caprichosa
Em traços e palavras meritórias!
Deixemos nos levar
Pelos caminhos da literatura!
Sem rótulos, sem julgamentos
Leitura não é nenhuma tortura
Então leia sem constrangimentos:
É romance, magia, aventura!
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Confira o trabalho dos autores citados no texto:
Aleílton Fonseca: Blog com informações, currículo, produções literárias.
Carlos Ribeiro: Site contendo biografia, produção e fotografias.
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