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Livros censurados, tempos difíceis
Corria o ano de 1991 e eu estava no antigo 1.º ano Colegial, atualmente Ensino Médio. Aos 15 anos de idade, o meu foco de aprendizagem não estava nas matrizes e determinantes ou tampouco nas orações subordinadas, e sim nos acordes de "smells like teen spirit".
Eu gostava das aulas de Inglês, História, Geografia e Literatura. Desta forma, não foi dificuldade para mim a leitura obrigatória de livros como “O cortiço”, de Aluísio de Azevedo e “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. Difícil mesmo foi apresentar os seminários sobre tais obras solicitadas pela professora, afinal nenhum aluno gosta deste tipo de atividade, mas se a professora falou, tá falado e valia nota.
Bem, quem já leu os dois livros citados sabe que essas obras trazem temas sociais diversos, que abrangem desigualdade social, exploração infantil, racismo e preconceitos. Os autores adotam a linguagem em tons coloquiais e o vocabulário típico das classes populares nos períodos em que foram escritas, incluindo alguns palavrões e descrevendo cenas sexuais.
Estou puxando essas lembranças devido a mais um caso de censura e perseguição de livro no Brasil em pleno ano da graça de 2024: “O avesso da pele”, do gaúcho Jeferson Tenório, foi censurado em escolas de três estados (Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná) por “conter expressões impróprias para menores de 18 anos”, segundo as secretarias de educação e governos. A obra, que apresenta questões ligadas ao racismo e à violência policial contra pessoas negras, foi vencedora do Prêmio Jabuti de 2021 e faz parte do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) desde 2022.
Exercitando um pouco mais a memória, lembro o caso de uma professora demitida em Salvador em 2021 por trabalhar com o livro de contos “Olhos d´Água”, da mineira Conceição Evaristo. Além da recusa dos alunos do Ensino Médio em ler e fazer a atividade proposta pela professora, os pais pressionaram a gestão escolar alegando que a linguagem adotada na obra era inadequada aos filhos adolescentes na casa dos 15 anos de idade. “Olhos d´Água”, livro premiado e que consta em listas de vestibulares pelo Brasil, apresenta contos com temas relacionados ao racismo, pobreza e preconceito contra religiões de matriz africana, trazendo principalmente mulheres negras como protagonistas.
As justificativas em torno da "linguagem" nessas obras procuram disfarçar o racismo presente nas censuras e perseguições tanto aos autores como aos professores que procuram levar temáticas sociais para a sala de aula. A escola, ao contrário do que muitos pensam, não é uma bolha apartada da sociedade e a instituição deve abrir espaços para pesquisar, entender e debater temas que estão entranhados em nosso cotidiano, como o preconceito racial. E a literatura pode reproduzir o contexto histórico, social e cultural de uma época, afinal o escritor ou escritora vive o seu tempo.
O que acontece é mais um movimento de grupos reacionários ligados à extrema-direita que acusam escolas e professores de “doutrinação comunista e esquerdista” quando estes assuntos são levantados em sala de aula. Algo semelhante já aconteceu nos Estados Unidos durante a década de... 1950! Era o Macartismo, um movimento paranoico que perseguiu docentes, jornalistas, artistas e até mesmo super-heróis como Batman e a Mulher-Maravilha.
Ainda sobre literatura, de acordo com Antônio Cândido, a mesma “é uma forma de expressão (...), manifesta emoções e a visão do mundo de indivíduos e dos grupos”. Esta definição do mestre encontra correspondência ao que Conceição Evaristo chama de “escrevivência” para relatar suas experiências e sentimentos como mulher negra que nasceu em uma favela em Belo Horizonte. Ela encontrou na literatura uma forma de expressar todas as vivências não apenas dela, mas das mulheres negras silenciadas em seu dia a dia.
E é este silêncio que os censores querem impor aos escritores e professores. A autonomia da minha professora de literatura em relação ao planejamento e atividade em sala de aula foi respeitada, sem sofrer nenhuma sanção ou denúncia. Nestes tempos difíceis de 2024, tenho dúvidas se isso se repetiria. No ano seguinte (1992) fizemos a leitura de “Macunaíma”, de Mário de Andrade, um livro que em 2020 entrou na lista de obras a serem recolhidas das escolas de Rondônia — e em companhia de publicações de Franz Kafka, Euclides da Cunha e até Machado de Assis sob a acusação de serem “inadequados para crianças e adolescentes”.
Em 1991 nós imaginávamos o futuro com carros voadores, robozinhos simpáticos à la "Os Jetsons" e tecnologia que livraria a humanidade de várias doenças, da fome e principalmente da ignorância. E trinta e três anos depois, estamos lidando com censura de livros.
Onde falhamos?
Por falar em livros, confira as minhas obras publicadas e disponíveis AQUI.
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