Pessoas invasivas


“Entre as recordações de cada pessoa, há coisas que ela não conta para qualquer um, somente para os amigos.” Dostoiévski

Não é difícil reconhecer uma pessoa invasiva e é muito comum encontrar tipos assim no dia a dia. O escritor Charles Bukowski, em seu estilo direto e sem papas na língua, relatou que teve “algumas experiências terríveis abrindo aquela porta [de casa]” e passou a sua receita: “a gente tem que ser um pouco duro, senão eles ficam aporrinhando”.

Exageros do velho Buk à parte, o fato é que todos nós temos uma espécie de “zona de territorialidade”, ou seja, um espaço do qual é só nosso e não permitimos que outras pessoas entrem – ou somente damos a chave àqueles em que confiamos plenamente. Pessoas reservadas e discretas zelam muito pela manutenção da privacidade e quando tal comportamento é desrespeitado por pessoas efusivas e que forçam a barra para uma intimidade inexistente, isso é uma verdadeira violência para quem cuida de sua discrição. 

É bom não confundir este espaço reservado com a misantropia (aversão às pessoas) ou mesmo a solidão. Quando alguém se sente invadido em sua zona de territorialidade e reage de alguma forma (seja retraindo ou falando de maneira sincera que não gostou da atitude do “invasor”) é imediatamente rotulado como antissocial e considerado “pra baixo” - ou até mesmo “fechada”. O que ocorre é cada pessoa tem o seu ritmo e comportamento e tais características deveriam ser compreendidas e respeitadas.

Evidentemente que exageros são perigosos, conforme alerta o psicólogo Walter Riso: “uma territorialidade exagerada leva à paranoia e, se é minúscula, à falta de assertividade.” Como sempre, o equilíbrio é o melhor caminho para não deixar que ocupem os espaços que tanto cuidamos em preservar e nem fechar totalmente as portas com posturas mais rígidas. A partir de posturas mais inflexíveis podemos até perder boas oportunidades para se conhecer pessoas interessantes; no entanto, a falta de assertividade pode levar à perda do espaço e mesmo da intimidade – e pode se tornar um grande problema quando o “invasor” se instala de maneira inconveniente e oportunista.

Não se trata de egoísmo. Estamos falando também sobre estabelecer limites para certas posturas que nos são desconfortáveis – e isso pode vir tanto de colegas de trabalho, parceiras (os), vizinhos e até mesmo parentes próximos. E a intimidade, que está incluída neste espaço limitado, “é essencial para o equilíbrio psicológico de qualquer ser humano”, nas palavras do psicólogo e educador Yves de La Taille, que complementa: “ele precisa controlar o acesso que as pessoas têm à sua intimidade, ao seu corpo, às suas ideias, aos lugares onde vive e assim por diante”. 

É bem verdade que requerer o direito à intimidade e delimitar zona de territorialidade nestes tempos de redes sociais, smartphones, câmeras de vigilância por todos os lados (um pesadelo orwelliano) e posturas exibicionistas/ narcisistas pode soar como algo até um tanto ingênuo; no entanto é preciso manter a assertividade e resguardar o(s) espaço(s) em que é possível ficar “sozinho com o universo inteiro”, nas palavras de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).

27 comentários:

  1. Gostei de ler e essas invasões aconteciam muito quando um "desgraçado/a"ralava o ano inteiro e se ralava mais um pouco pra alugar uma casa na praia e de repente a via invadida... Outra invasão "maravilhosa" que presenciei, foram os "amigos" que chegavam para os banhos na piscina e ficavam, ficava, Para os donos da casa, cabia apenas limpar a colocar produtos na piscina. E era uma para crianças! Gostei de ler! abraços,chica

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    1. Chica, casa de praia e piscinas costumam atrair essas visitas...rs Obrigado, um abraço!

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  2. Olá ao ler seu texto, lembrei de uma das invasões na minha contação de história.

    Estava contando história para as crianças em uma ong, quando um rapaz fantasiado de palhaço surgiu entrando na história. Para não ficar feio e chato o introduzir na contação, rsrsrs....Que legal a sua pós de ludicidade.
    Amei seu blog, estou te seguindo, esteja a vontade para seguir ao meu.
    GrAnde AbRaço

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    1. Olá, Rute! Ao menos você conseguiu improvisar bem naquela situação, né? rs Muito obrigado, seu blog também é ótimo, admiro bastante o trabalho de contadores de histórias! Um abraço!

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  3. Jaime, boa noite!

    Gostei muito do texto, dia desses quase que escrevi a respeito desse assunto no blog. Fato que acontece demasiadamente. Essas invasões já me tiraram do sério por várias vezes. Gosto de tudo no lugar certo é sou bem chata nessa parte, quando alguém chega aqui sem ao menos avisar, com mala e cuia na mão e se instala como se fosse dono do pedaço. Parece que minha vida vira de cabeça pra baixo.
    Às vezes costumo ser bem dura e sincera com alguns desses invasores. Gosto do meu sossego, da minha privacidade, eu gosto de ser assim... Cada pessoa tem que ser respeitada da forma que é. Aqui acontece sempre com parentes em época de final de ano, carnaval, casa de praia etc.
    Jaime feliz em te ver por lá... Andei bastante ausente esse ano dos blogs.
    Desejo um dezembro só de coisas boas. Eu Voltarei pra um Feliz Natal!
    Deixo um abraço e um punhado de sorrisos.
    Ótimos dias!

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    1. Olá, Smareis! Pois é, todo mundo possui sua territorialidade e isso precisa ser delimitado e respeitado - e às vezes precisamos ser "duros" para que entendam. Muito obrigado por sua visita e comentário com um punhado de sorrisos! :) Um abraço!

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  4. Olá, professor!

    Ah, os limites! Tenho cá a impressão de q a relação das pessoas com os limites da zoei... ops! digo, do bom senso sempre foi meio problemática. Quando se mistura com a "questão do outro" então... Aliás um conceito básico e ignorado por muita gente é a ideia de q os meus direitos terminam onde começam os direitos do outro e, nesse caso, podemos trocar perfeitamente a palavra direito por espaço.
    Mas o "outro" é solenemente ignorado, coitado! E isso vai desde coisas simples como um som mais alto do q deveria até exposições mais íntimas para o mundo inteiro ver.
    Talvez sejamos todos nós, em menor ou maior grau, colonizadores do território alheio...

    bjhonny!

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    1. Olá, moça cabofriense! Essa relação dos limites e da privacidade vem sendo modificada e talvez (talvez) sejamos de fato colonizadores do território alheio devido às facilidades e até abertura que muitos concedem. É boa reflexão. Bjks!

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  5. Olá Jaime, adorei o blog e o post.
    Buk já dizia que as relações humanas são estranhas, meu livro de cabeceira atual é Hollywood, acho que nesse livro ele sem entrega aos caprichos dos outros e acaba aceitando muita coisa, foge da personalidade do tal.
    Me vejo nas escritas do Buk é na maioria dos escritores que descrevem como os outros conseguem fazer essa total violação do "espaço vital", de quem só quer ficar na sua.
    Abraços.

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    1. Olá, S. Obrigado! "Hollywood" é ótimo - sou suspeito para dizer, pois adoro a obra do velho Buk. ( e, sim, ele cede, abre muitas concessões, mas no fim da vida ele estava, digamos, um pouco mais "sociável"... mas só um pouquinho. rs) É mesmo um Chinaski diferente do que vimos em "Factótum" e "Misto Quente", por exemplo. Um abraço!

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  6. Perfeito o texto,Jaime,perfeito!

    Há de se ter um limite,que é sadio,nessa questão da intimidade.
    Eu fico besta como hoje em dia se tem essa necessidade urgentíssima em 'sermos íntimos'.Não mesmo!Sou uma pessoa que sei separar bem isso.Até quando parece que estou me expondo,não estou.Me identifiquei muito com o seu texto.Uma colega minha da faculdade me disse um dia que ela quebraria a minha resistência,porque segundo ela,eu sou uma pessoa que não se 'abre' muito.Eu apenas ri e lhe disse que não era nada pessoal.
    Eu não tenho um instagram pessoal,o meu Facebook não tem nada íntimo( na verdade,ele não tem nada.rs),porque minha vida não precisa ser compartilhada na internet.Sei separar bem isso,e as pessoas te cobram como se você devesse alguma satisfação a elas.Minha vida só interessa a mim e a algumas(pouquíssimas) pessoas que fazem parte do meu círculo real de vida.Mesma coisa acontece nos relacionamentos amorosos,cada um tem que respeitar a intimidade do outro,porque senão,perde-se tudo,até a própria personalidade.
    Mas a pior coisa que existe é a pessoa que vê intimidade onde não existe.E isso é tão difícil(pelo menos pra mim) de manejar porque eu não gosto de ser 'grossa',mas também não posso ficar alimentando a utopia da pessoa 'mala'.
    Bem,eu já me estendi demais.Se deixar,eu faço uma dissertação de mestrado aqui.rssrs
    Como já dizia a autora portuguesa Agustina Bessa-Luís :''A intimidade excessiva desencadeia a hostilidade."

    Beijão,'Menino Sorriso'!
    Dani

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    1. Muito obrigado, Dani! Seu comentário enriqueceu e muito o meu texto - e ótima citação de Agustina Bessa-Luís. Beijo! :-)

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  7. Sou uma admiradora do bom e velho Dostoiévski. Acho necessário impor certos limites nas relações de todos os níveis. Porque há pessoas que faltam um certo discernimento para compreender os limites entre o seu espaço e o espaço do outro. Há de se ter respeito. Achei a tirinha fantástica para o tema. Custava o moço avisar a tal visita para o casal? Pois é. Adorei o texto! Adorei a sua forma de escrever. Adorei o blog. Voltarei mais vezes. Até mais.

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    1. Olá, Aline! Pois é, o respeito para se compreender os limites anda em falta. Muito obrigado pela visita e gentil comentário! Volte sempre! :-) Até!

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    2. Passando para agradecer a sua doce presença. Um ótimo fim de semana. Beijinhos...

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  8. O velho safado é, talvez o escritor que mais conta minha vida por aí. E sobre tudo que você falou, eu entendo bem. O povo, sempre tão acostumado a ter a vida escancarada, me considera de outro mundo. Meu apelido no Colegio e na Faculdade é 'estranha'. Acredito que o limite quem estipula somos nós, o quanto queremos mostrar e a quem. Pessoas que forçam a intimidade, invadem espaços meus, burlam minha 'liberdade', não gosto e não sei lidar!

    Adorei teu post!!
    Bjoo'o
    flores-na-cabeca.blogspot.com

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    1. Obrigado, Simone! Ah, o velho safado é mesmo genial, sou fã! rs E essa galera que invade espaços é preciso manter a firmeza para não "acomodarem". Beijo e muito grato!

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  9. Oi Jaime,

    Passei pra deixar um abraço e desejar um Feliz Natal antecipado!
    Vou fazer uma pausa no meu blog por alguns dias... Só voltando em Janeiro...
    Que nesta noite especial de Natal todos os seus sonhos se realizem, que Deus continue abençoando você e toda a sua família nos anos seguintes… Feliz Natal, Feliz Ano Novo!
    Mais um punhado de sorrisos!
    Ótimo domingo!
    Bjs!

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    1. Muito obrigado, Smareis! Desejo a você também um ótimo natal junto aos seus mais queridos e um ano novo repleto de coisas boas! :)

      Beijos!

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  10. Olá Jaime.

    Excelente abordagem. Devemos respeitar os limites dos outros como exigir que nos respeitem. Pois ha muitos que confundem intimidade com liberdade não é mesmo?

    Amigo, aproveito a oportunidade e deixo os meus votos de um natal alegre e iluminado com muita paz e amor no coração e um lindo e feliz 2015 pra você e todos os seus.

    Abraços.

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    1. É verdade, Lu. Os limites devem ser respeitados, sempre. Muito obrigado, uma feliz natal e excelente 2015 para você também! Um abraço!

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  11. Desejo que o seu Natal seja brilhante de alegria, iluminado de amor, cheio de harmonia e completo de paz! Feliz Natal!

    Beijos

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    1. Obrigado, Rute! Para você também, tudo de bom neste natal! Beijos!

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  12. Gostei mt do texto e me identifiquei. Amo minha privacidade e o respeito à minha vida e escolhas. A última vez que me estresse foi com pessoas querendo literalmente carregar meu filho de 1 mês pra uma viajem sem mim... e quando disse um não vem grande fui chamada d egoísta. Passarei agora a ser egoísta e mau educada com seres invasivos.

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  13. Adorei o blog e o texto. Me livrei de umas pessoas oportunista,invasiva e mau caráter.

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  14. Preciso ter um verdadeiro SCRIPT para pessoas invasivas....Quero virar amiga de infancia de todo mundo e isso eh tenso....

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  15. Como existem invasivos! Eu aqui procurando algo pra deixar claro o quanto isto é chato e desconfortante. Ótima matéria.

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