Reabertura das escolas: que tal ouvir os professores?


O grande debate formado nos últimos dias tem sido sobre a reabertura das escolas no Brasil. Fechadas desde março, quando a pandemia chegou ao país, o ano letivo de 2020 foi totalmente comprometido e evidenciou os sérios problemas de desigualdade que dificultam, por exemplo, a adoção de programas de EAD (Educação a Distância) que sejam acessíveis a todos os estudantes.

Muitas cidades brasileiras têm flexibilizado as medidas de isolamento e liberado a abertura gradual dos comércios e serviços. Mesmo em um cenário em que a pandemia prossegue descontrolada com números elevadíssimos e já matou mais de 80 mil pessoas, gestores públicos são pressionados para que a reabertura aconteça seguindo “protocolos de segurança e prevenção” ao coronavírus. É, na verdade, uma tentativa desesperada sobretudo por parte dos pequenos e micro empresários que se veem diante das dívidas, prejuízos e desamparo total do governo federal, principalmente do ministério da economia.

Com a abertura do comércio e demais serviços, os pais vão precisar voltar ao trabalho e a abertura das escolas, para muitos que não têm uma rede de apoio, é uma necessidade. As empresas sabem disso e também almejam por este retorno. O que impera, aqui, é a lógica produtivista do mercado, com uma mera adequação a alguns hábitos que vem sendo chamado de “novo normal”. Aspectos pedagógicos ligados à aprendizagem são colocados em plano secundário, bem como a segurança aos profissionais da educação e alunos. 

Para debater a reabertura das escolas são chamados os infectologistas e demais especialistas em saúde, o que é algo sensato e fundamental a ser feito em uma pandemia; mas também são chamados os economistas, administradores, empresários e políticos. E os professores?

Professores invisíveis

Nada contra os profissionais de áreas diversas tenham suas vozes e opiniões colhidas, mas incrivelmente os professores praticamente são ignorados no debate. Como desconsiderar o que os professores têm a dizer sobre o seu ofício? São estes profissionais que estão em contato com crianças e adolescentes a maior parte do tempo e com o retorno presencial às aulas eles terão novas atribuições em sala. Sem perspectiva de vacina a curto e médio prazo e com a possibilidade real de serem infectados pelo vírus e desenvolver a doença que já ceifou mais de 600 mil vidas (Julho/2020), os docentes obviamente estão com medo – por eles e por seus familiares. 

Vários países mais disciplinados e sérios em lidar com a pandemia reabriram as escolas quando os casos de transmissão do vírus passaram a apresentar estabilização e curva descendente, mas tiveram que fechar várias unidades de ensino devido a novos focos de transmissão, como aconteceu na Coreia do Sul, Hong Kong, China, Israel e França. Quando falamos em escola é preciso lembrar que falamos em comunidade escolar, ou seja: além de alunos e professores, há funcionários, gestores e demais pessoas relacionadas com essa comunidade – desde o dono da papelaria nas redondezas e, claro, as famílias. É um potencial enorme de transmissão, pois se considerarmos um único aluno, ele estará exposto a dezenas de pessoas com quem irá interagir de alguma forma.

Secretários de Educação e demais gestores organizam os chamados “protocolos de segurança” que incluem todas as medidas que já conhecemos: uso de máscaras, distanciamento físico, lavagem das mãos, aferição da temperatura corporal, uso do álcool em gel, etc; anunciar tais medidas é uma coisa, porém colocá-las em prática de forma permanente é um grande desafio. 

Quem é professor sabe o quão difícil é o gerenciamento de turmas e as dificuldades da prática docente no cotidiano – professores brasileiros têm uma das cargas horárias mais elevadas dentre os países membros e parceiros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Além disso, as escolas precisarão de investimentos desde as condições estruturais (há unidades onde a falta de água é constante e não há banheiros adequados, por exemplo) até a contratação de mais funcionários de apoio. Escolas particulares em Manaus, no Amazonas, retornaram às aulas presenciais e algumas unidades contrataram monitores e até técnicos de saúde.

Um novo e abrangente estudo realizado na Coreia do Sul afirma que as chances de crianças com menos de 10 anos de idade transmitirem o coronavírus para outras pessoas é bem menor, o que não acontece com crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos, em que o risco de transmissão é o mesmo de adultos. O estudo ainda sugere que com a abertura de escolas observaremos grupos de infecções sendo formados e estes atingirão crianças de todas as idades. No Brasil, a Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) alerta que a prematura volta às aulas representa risco para mais de 9 milhões de brasileiros idosos ou adultos com problemas de saúde. No Rio de Janeiro a fundação estima que a reabertura das escolas colocaria quase 1 milhão a mais de pessoas circulando nas ruas.

Mesmo com todos os cuidados de prevenção, os infectologistas e pesquisadores estão sempre descobrindo algo novo sobre o coronavírus e a covid-19. Cogitar ou mesmo reabrir as escolas e retomar as aulas presencialmente sem testagem em massa e com a pandemia fora de controle é mais uma amostra da insensatez que o país demonstra ao lidar com o coronavírus.

Saúde emocional  

Diante do cenário de incertezas, arriscar a vida de inúmeras pessoas em uma tentativa desesperada de retornar à “normalidade” não faz o menor sentido e é impraticável. Secretários de educação falam em recuperar o "tempo perdido" com aulas aos sábados, sem férias e sem feriados. 

Como é possível recuperar um tempo que parou? Professores e alunos não estão em férias, pelo contrário: há docentes tentando cumprir rotina sobrecarregada com um simulacro de EAD improvisada, sobretudo na rede particular; escolas da rede pública criaram grupos de WhatsApp para orientações aos alunos e há professores que se mobilizam para entregar atividades pedagógicas nas casas dos estudantes. São várias tentativas no sentido de minimizar a falta de aulas e mesmo os professores que não têm cumprido tais atividades buscam de alguma forma manter o equilíbrio emocional. 

Psicólogos têm chamado a atenção para os efeitos emocionais do isolamento e confinamento neste longo período em que todos são submetidos em maior ou menor grau. A armadilha da produtividade em utilizar o tempo como tempo de trabalho e "reposição" acarretará novos problemas de ordem emocional em alunos e sobretudo professores, que já são afetados pela síndrome de burnout, cuja maior característica é a exaustão emocional - e com isso, as pessoas podem desenvolver quadros de depressão, ansiedade e dores musculares. 

Dentre as novas atribuições dos professores em sala de aula estarão a fiscalização do uso correto das máscaras, a manutenção dos distanciamentos físicos determinados e principalmente o acolhimento às demandas emocionais dos alunos. Os professores estão preparados para isso? Quem acolherá emocionalmente os docentes? Os conflitos serão inevitáveis e é por isso que o movimento gradual de reintegração escolar e social deveria merecer maiores cuidados, o que é desprezado em tais “protocolos de segurança”.

A pandemia não escancarou os problemas e desigualdades na educação: os professores sempre chamaram a atenção e reivindicaram melhorias nas condições de trabalho, infraestrutura das escolas, salários defasados, alta carga horária e demais aspectos ligados à educação escolar. No entanto, ninguém ou quase ninguém deu ouvidos aos professores. Tal como agora, estes profissionais continuam invisíveis no debate sobre o retorno às escolas e não é justo que eles e nem os alunos paguem o preço que a pandemia está cobrando de um país que historicamente trata a Educação com descaso. 

6 comentários:

  1. Que belo artigo esse! Realmente os professores devem estar com medo de voltar e os alunos e seus pais e avós, preocupados igualmente. Pego o exemplo daqui. Somos de grupo de risco e conosco em confinamento, há 4 meses, o neto que mora conosco. Apesar dele ser grande já, adolescente, todos nós temos medo do que ele poderá encontrar lká na sala de aula e o que nos trará de presente...

    Torço pra que demore o máximo, mesmo num ano tão importante que ele se encontra. mas a vida não tem preço... Abraços, chica e que haja a consciência!

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    1. É verdade, Chica: como alguém pode render no trabalho pedagógico se há medo ? É basicamente uma "roleta russa". Muito grato pela visita e comentário. Abraços e que nos cuidemos.

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  2. Estranho seria se nos ouvissem. Já viu alguma escola ou universidade *realmente* preocupada com nossa saúde mental e física? A preocupação é com problemas que podemos causar caso fiquemos doentes. Na verdade, doentes já estamos, mas...

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    1. Pois é. Não à toa estamos sob constante esgotamento físico e mental. É o burnout. E se pedimos licença ou vamos ao médico... Bem, você já sabe.

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  3. Infelizmente nós somos vistos como parte do equipamento na educação. Professores são, via de regra, pessoas mais esclarecidas, que, se fossem ouvidas tomariam posição contrária ao sistema em muitos aspectos. Assim como para a elaboração da BNCC houve reuniões e nossas sugestões foram devidamente desprezadas, esse retorno às presenciais só interessa ao capitalismo, para que a massa volte ao trabalho. As escolas publicas, novamente, serão depósito de crianças e adolescentes, a aprovação será automática e o aprendizado ficará restrito aos alunos de grandes escolas particulares. Essas escolas podem colocar apenas um terço dos alunos em sala e transmitir aulas ao vivo. Semanalmente troca-se a turma e tudo segue normal. A escola pública não tem como competir e leva a culpa pelo atraso.

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    1. Exato. As escolas particulares terão condições de implantar os tais "protocolos" repassando os custos para mensalidades que os pais, temerosos pela segurança dos filhos, pagarão.

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