O desonesto debate sobre a reabertura das escolas no Brasil

O desonesto debate sobre a reabertura das escolas no Brasil

É simplesmente TENEBROSO o “debate” sobre a reabertura das escolas que vem sendo pautado na grande imprensa brasileira. Basicamente o que temos é um grande lobby de empresários da Educação e ONGs alinhadas ao pensamento empresarial.

A imprensa tem publicado com todo o alarde característico que a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que governos deem prioridade à reabertura das escolas (e não bares e eventos de massa) sugerindo que o retorno nos países em que isso aconteceu “não agravou a pandemia”. Para muitos, essa é a “senha” para que as unidades sejam reabertas seguindo os tais “protocolos de prevenção”.

No entanto basta fazer uma leitura mais atenta ao que a OMS pronunciou para se deparar com este trecho na notícia veiculada por órgãos de imprensa:

“A OMS reconhece que a transmissão documentada entre crianças e funcionários dentro de ambientes educacionais é limitada porque muitos países fecharam escolas e crianças permaneceram em casa durante períodos intensos de transmissão comunitária.”


Óbvio, não? Deixem-me recordar uns números: o brasil, de acordo com o censo escolar, tem quase 48 milhões de alunos SOMENTE na rede básica de ensino (a maioria absoluta na rede pública) e aproximadamente 2,5 milhões de professores. Quando falamos em “comunidade escolar” estamos falando de toda essa massa e mais os funcionários e setores envolvidos com a educação. A curva de transmissão do coronavírus no país aparentemente está caindo mesmo aos trancos e barrancos, sem testagem em larga escala e ainda com número inaceitável de mortes (mais de 130 mil óbitos), mas lembrem-se: as escolas continuam fechadas. Manaus demonstrou que a reabertura das escolas no contexto em que a pandemia ainda não está controlada é temerário e inseguro.

Ainda que o papel das crianças para a transmissão do SARS-CoV-2 ainda permaneça incerto, segundo a própria OMS, os adultos precisam se deslocar. Os professores brasileiros geralmente trabalham em duas ou até em mais escolas para reforçarem os salários. É enorme potencial de transmissão do vírus com toda essa massa circulando pelas ruas e em prédios sem infraestrutura adequada e necessária para atender os protocolos. A FIOCRUZ lançou um documento elencando 11 condições para nortear o planejamento visando a reabertura das escolas - e são ações articuladas entre vários setores, que vão muito além do "álcool em gel e aferição de temperatura" nas portas das instituições.

Fazer comparações com a Europa e outros países sem levar em conta as fases em que a pandemia ocorreu naquelas localidades e condições das escolas é desonestidade. Apenas para citar um exemplo: na Austrália as escolas estão abertas, porém o país controlou o nível de infecção, rastreou todos os casos, reduziu a quantidade de estudantes nas salas e, quando um caso era identificado, a escola entrava em quarentena e ainda podemos citar um fator fundamental: a COORDENAÇÃO DE AÇÕES entre os governos estaduais e federal no trato com a pandemia. Ou seja, tudo o que não temos aqui.

Professores invisíveis



Há DÉCADAS os professores e professoras brasileiros denunciam questões ligadas aos aspectos estruturais das escolas e reivindicam melhores condições de trabalho, mas aí entramos no “grande X” de toda essa história: quem ouve os professores?
E é justamente o que está acontecendo neste “debate” sobre reabertura das escolas: a invisibilidade docente. Professores e professoras só têm espaço na grande imprensa quando surgem notícias ligadas à “superação” e “amor”, como uma professora que estava usando os azulejos da sua cozinha como lousa para gravar as vídeo aulas ou de um professor pedalando quilômetros e quilômetros de bicicleta para levar atividades impressas a seus alunos.

Embora tais histórias possam parecer “bonitas e inspiradoras” para o senso comum, elas reforçam o mito do sacerdócio docente, da profissão por vocação e amor, porém evidenciam os sérios problemas que temos na área educacional até mesmo para cumprir um planejamento com aulas remotas. A pandemia não escancarou nada: a sociedade, como sempre, permanece surda e cega ao que professores dizem e mostram sobre o chão da escolas. Todos perdem com isso, principalmente os alunos, que são os mais afetados com a ausência do papel social que a escola desempenha no dia a dia.

Qualquer debate sobre reabertura das escolas que não inclua as palavras de professores e professoras sobretudo da rede pública de ensino é inócuo e desonesto. O resto é só lobby empresarial. Professores, alunos e funcionários não podem ser responsabilizados e nem expostos a riscos devido ao histórico descaso para com a Educação e muito menos pela falta de ações coordenadas e mais enérgicas no combate à pandemia.

2 comentários:

  1. Perfeito, Jaime! Compartilhando nas redes sociais.

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  2. Perfeito! Compartilhei lá na conhecida ORS quando publicaste lá. Simplesmente não há o que acrescentar, você foi certeiro!

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