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A memória é uma estranha*: a internet está substituindo nossa memória?
A Copa do Mundo chegou ao fim há uma semana e quase ninguém
mais lembra do evento – com exceção, claro, dos franceses campeões, dos croatas com sua grande campanha e dos
russos anfitriões da Copa. O Brasil não chegou sequer às semifinais do torneio, então o assunto
foi esfriando nas rodas e redes sociais até praticamente ser esquecido. Daqui a
um mês será pálida lembrança.
Tempos de hiperconectividade. Nossa memória é afetada pelo grande volume de
notícias e informações transmitidas todos os dias ao alcance de nossas mãos,
literalmente. Novos assuntos aparecem nas telonas e telinhas tão rapidamente que ao fim do dia aquela notícia veiculada pela manhã já é "coisa velha" e isso não desperta interesse. Não há tempo a perder tentando lembrar aquela informação: basta acessar
São Google como acessório complementar para a nossa memória que não consegue dar
conta de todas as demandas que surgem (e são criadas) a cada minuto. Uma rádio de notícias possui até um bordão
emblemático sobre isso: “em 20 minutos, tudo pode mudar”.
O que aconteceu ontem ainda é possível ser lembrado, mas o
que aconteceu há uma semana não vale mais a pena ser lembrado ou comentado; fatos
ocorridos há um mês, seis meses, isso deixaremos para os programas de
retrospectiva ao final do ano. Nossa atenção é sistematicamente desviada para o
que está acontecendo de novidade. A excitação com
o “novo” dura apenas o tempo que o assunto ou fato está em evidência – para o
bem ou para o mal. Rapidamente somos compelidos a consumir o que há de novidade, seja com o que se passa nas redes sociais e assuntos do momento, seja comprar ou trocar aparelhos tecnológicos considerados "ultrapassados" com poucos meses de uso por novíssimos aparelhinhos que prometem nos deixar conectados o tempo todo e com maior rapidez e eficiência. Aparentemente não há espaço para consolidarmos uma lembrança, a não ser que aconteça um
forte envolvimento emocional e mesmo intelectual com o(s) fato(s).
Isso afeta a todos nós em diversos campos. Ao analisar a
relação entre Educação e uma sociedade hiperconectada, o sociólogo Zygmunt
Bauman busca entender o problema: “Elas [aprendizagem e educação] foram criadas
na medida de um mundo durável, que esperava permanecer assim e pretendia ser
ainda mais durável do que havia sido até então. Num mundo desses, a memória era
uma riqueza.” E ele prossegue, demonstrando que a situação é bem mais crítica, afinal “em nosso mundo volátil, de mudanças instantâneas e erráticas, os
hábitos consolidados, os esquemas cognitivos sólidos e as preferências por
valores estáveis transformam-se em desvantagens”. De fato existe o correto entendimento e até o apelo
para que a escola e os professores adaptem-se aos novos tempos, porém como
fazê-lo neste mundo e sociedade em constantes e velozes mudanças? É por isso que Bauman
afirma que os educadores, em nenhum outro momento histórico, se depararam com
um desafio tão grande.
Novos tempos, novas gerações
O exemplo anterior foi citando diretamente a escola e os
professores, porém é válido para todos. Adaptar-se a estes tempos em que precisamos nos manter atualizados o tempo todo pode
acarretar cansaço mental que leva a crises de ansiedade. Ônibus de viagens mais
modernos receberam conexão wi-fi e carregadores de bateria embaixo dos bancos –
tudo para não passarmos desconectados durante algumas horas na estrada. Passar todo este
tempo sem internet ou até mais é algo impensável, além do “tédio” da viagem em
que não olhamos mais para janelas e suas paisagens exteriores e assim “viajar
dentro da viagem”.
Estamos desaprendendo a esperar, estamos desaprendendo a
refletir, estamos desaprendendo até mesmo a lembrar. E em relação às nossas lembranças, confiamos nos suportes e dispositivos de armazenamento digitais - aplicativos, redes sociais, nuvens, etc. Isso, porém pode ser um problema, segundo o escritor Nicholas Carr: “Quando começamos a usar a
net como um substituto para a memória pessoal, desviando dos processos
interiores de consolidação, arriscamo-nos a esvaziar as nossas mentes de suas
riquezas”. É o “efeito Google”, assim chamado por alguns pesquisadores. Há quem diga que trata-se de uma espécie de "terceirização da memória". Dentre estes processos interiores sabemos que as emoções são fundamentais para consolidar a memória.
Ao longo de sua trajetória, a humanidade tem buscado registrar suas memórias através de diversos suportes, principalmente através das artes. Pintura e literatura são alguns meios utilizados para o registro dos fatos de uma época. O surgimento da fotografia no século XIX e sua popularização no século XX transformou radicalmente o modo como registramos a memória - tanto coletiva quanto individual. Fotografar o "retrato de família", revelar o filme com as fotos da viagem, dos parentes e amigos, mostrar o álbum para as visitas era um evento muito aguardado. E por trás daquelas imagens sempre havia alguma história a ser contada. A memória era preservada não apenas na mente das pessoas, mas também de modo físico através do papel fotográfico e do próprio álbum.
Com a massificação das câmeras digitais e smartphones no século XXI, a relação com as fotografias atingiu um patamar impressionante: apenas no aplicativo Instagram são publicadas 80 milhões de fotos por dia. A fotografia digital tornou-se acessível a todos, além de ser facilmente manipulável através de softwares de edição de fotos. Neste caso a função da fotografia mudou: o que antes era usado exclusivamente para registro de memórias e havia algum componente afetivo ou histórico relacionado à imagem, hoje pode ser utilizado apenas como entretenimento, onde o objetivo é a busca por "likes" e aprovação social - em muitos casos, com traços de grande narcisismo, o que pode causar alguns problemas de subjetividade e identidade com o corpo.
Ao longo de sua trajetória, a humanidade tem buscado registrar suas memórias através de diversos suportes, principalmente através das artes. Pintura e literatura são alguns meios utilizados para o registro dos fatos de uma época. O surgimento da fotografia no século XIX e sua popularização no século XX transformou radicalmente o modo como registramos a memória - tanto coletiva quanto individual. Fotografar o "retrato de família", revelar o filme com as fotos da viagem, dos parentes e amigos, mostrar o álbum para as visitas era um evento muito aguardado. E por trás daquelas imagens sempre havia alguma história a ser contada. A memória era preservada não apenas na mente das pessoas, mas também de modo físico através do papel fotográfico e do próprio álbum.
Com a massificação das câmeras digitais e smartphones no século XXI, a relação com as fotografias atingiu um patamar impressionante: apenas no aplicativo Instagram são publicadas 80 milhões de fotos por dia. A fotografia digital tornou-se acessível a todos, além de ser facilmente manipulável através de softwares de edição de fotos. Neste caso a função da fotografia mudou: o que antes era usado exclusivamente para registro de memórias e havia algum componente afetivo ou histórico relacionado à imagem, hoje pode ser utilizado apenas como entretenimento, onde o objetivo é a busca por "likes" e aprovação social - em muitos casos, com traços de grande narcisismo, o que pode causar alguns problemas de subjetividade e identidade com o corpo.
São os novos tempos e novas gerações. Quem não se adaptar aos atuais paradigmas tecnológicos e de comunicação ficará isolado. Até mesmo
os nossos pais e avós entenderam o recado e estão buscando tal adaptação com as
novas tecnologias – para 95% das pessoas acima de 50 anos, o uso de redes
sociais e aplicativos de comunicação aproxima-os de amigos e familiares e fazer
uso da tecnologia eleva a autoestima para tarefas cotidianas como utilizar um
caixa eletrônico. Estas pessoas, no entanto, tentam se equilibrar entre o
tradicional e o moderno: mandam mensagens com fotos digitais para os filhos e
parentes, mas não abrem mão do velho álbum de fotografias e apreciam contar
histórias “de cabeça” em reuniões com familiares e amigos. Suas memórias são
preciosos registros de tempo e espaço e gostam de compartilhá-las à moda
antiga, tomando um cafezinho e se deliciando com um bolo no meio da tarde.
Tradição/modernidade: é possível conciliar?
Tradição/modernidade: é possível conciliar?
Este equilíbrio seria o desejável. Como as mudanças são
inevitáveis e bradar contra elas poderiam irromper em longas sessões de nostalgia e saudosismo, é
preciso, nas palavras do escritor Tom Chatfield, “começar a pensar de outra
forma sobre os diferentes tipos de tempos em nossa vida”. E, de fato, existe
uma grande procura pela prática de Mindfulness (espécie de meditação que promete inúmeros benefícios inclusive para a memória) e até mesmo por hotéis e retiros “off-line”
onde os hóspedes passam períodos desconectadas da internet e longe de seus
celulares. É como diz o velho ditado popular “tudo o que é bom, é demais”: há a consciência por parte de muitas pessoas de que é preciso passar algum tempo desconectado para conectarem-se
a si mesmos, com seus pensamentos, sonhos, frustrações e memórias – e no caso
das memórias, não é possível terceirizá-las, pois “o que vivenciamos, fazemos e
aprendemos se torna uma parte de nós”, nas palavras de Chatfield.
Difícil imaginar o que teremos daqui a alguns anos. Os
chamados “saltos geracionais” nas últimas décadas ocorrem em espaço de tempo relativamente menores nesta sociedade que
passa por constantes e velozes mudanças. Os registros históricos de eras
estarão armazenados no Google e outros dispositivos virtuais. A relação das
futuras gerações com a memória, informação e conhecimento será totalmente
diferente do que conhecemos hoje – talvez até com implantes de chips de memórias no cérebro. Outras habilidades serão desenvolvidas. Diante de tantas incertezas e possibilidades, é interessante fazer
um exercício especulativo: como seremos lembrados no futuro?
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.
CARR, Nicholas. A geração superficial: o que a internet está fazendo com nossos cérebros. Rio de Janeiro: Agir, 2011.
CHATFIELD, Tom. Como viver na era digital. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
* Parte do título deste texto faz alusão a um verso da música "Perfect Sense I", de Roger Waters.
Olá querido Jaime, como vai?
ResponderExcluirVim parabenizá-lo pelo dia do escritor, o seu dia!!
Obrigada por sempre nos informar de forma clara e construtiva. Você sabe se expressar e passar o seu recado de forma belíssima!! Escreve divinamente bem, cuja coerência é o seu traço predominante! OBRIGADA SEMPRE!!
Ah amigo, neste último final de semana pude ficar dois dias sem absolutamente nada de internet na casa de minha querida vozinha e te digo que foram os dias mais límpidos e preciosos que passei!! Essa conectividade extrema ainda há de nos matar de ansiedade...Notícias chegando a todo o momento, a maioria com futilidades que nada constrói! E ainda assim, o mundo anda carente de humanidade, mas de informações tem mais do que suficiente...
Maravilhosa abordagem, como sempre amigo!! Parabéns!!
Pena que poucos vão ler, pois a excessiva conectividade tornou as pessoas com "preguiça"de leitura, sério mesmo...
Sinto um extremo esvaziamento das fontes de leitura como os blogs...E lamento muito por isso!! Mas são os novos tempos, não é mesmo?
Tenha uma feliz noite, fique bem, cuide-se bem!!
Abraços com carinho!! :)))
Oi, Adriana! Muito grato por sua visita e palavras. :)
ExcluirBem, os blogs ainda têm o seu espaço, embora outras plataformas tenham mais visitantes e visualizações; mas resistimos, pois há quem aprecie a leitura em blogs e a interação que eles podem propiciar. :)
Eu agradeço muito pelo título de escritor do qual não sou digno de receber... sou só um aprendiz e brinco com palavras e traços. rs
Grande abraço!
Obrigada Mestre!
ResponderExcluirEu que agradeço, Pat. :)
ExcluirMuito. :)
ResponderExcluirMuito bom! Excelentes reflexões e inferências.
ResponderExcluirEsse volume de informações sempre me causou um certo nível de angústia e ansiedade. Parece que nunca damos conra do tanto de informações que estão à nossa frente, com linkes que levam à linkes que levam à linkes.... um feed que não tem fim. Às vezes acho desesperador.
Errata: que nunca daremos CONTA*
ExcluirMuito grato, Cláudia, por sua leitura e contribuição. :)
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