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Memórias das Copas
Meninos e meninas, eu vi mais uma Copa do Mundo. Desde 1986 acompanho o principal torneio de futebol do planeta e sempre carrego na
memória alguma lembrança afetiva das edições do mundial. E quando termina mais
uma edição da Copa embarco em uma espécie de túnel do tempo onde algumas lembranças ainda estão conservadas.
A história é contada pelos vencedores e os valoriza. Os
times campeões e os melhores jogadores são louvados e lembrados merecidamente, porém gosto
de lembrar alguns detalhes e fatos do contexto social e histórico do ano em que uma copa foi disputada - e sem deixar de lado o futebol, é claro.
1986 foi um ano e tanto: passagem do cometa Halley, a tragédia de
Chernobyl, a morte do presidente Tancredo Neves e a Copa no México com o país
ainda abalado por um devastador terremoto no ano anterior. Em campo lembro de
Maradona dando o seu show e marcando um gol com a “mãozinha divina” contra a Inglaterra e a eliminação
do Brasil na cobrança de pênaltis contra a França – estes franceses adoram nos
causar problemas nas edições do mundial. Jurei nunca mais desenhar e pintar um muro para Copa do
Mundo.
Chegou 1990 e lá estava eu quebrando a promessa ao pintar e
desenhar o Zé Carioca nos muros e na rua.
Foi o ano em que Fernando Collor de Melo assumiu a presidência do Brasil e logo
lançou um plano econômico que incluía o confisco das cadernetas de poupança.
Como desgraça pouca era bobagem, uma seleção brasileira que não convencia
ninguém foi eliminada pela Argentina. A melhor lembrança só podia vir da
incrível seleção de Camarões e do atacante Roger Milla, então com 38 anos,
praticamente aposentado e que foi só foi ao mundial graças ao amigo que também
era presidente do país. Viram como é bom ter amigos influentes? Não conheço os
feitos do presidente de Camarões à época, mas esta foi uma grande realização,
pois Milla jogou um futebol fino, de grande técnica e que encantou o mundo.
Pena que a bela trajetória de Camarões na Copa da Itália não passou pela Inglaterra, mas
tudo o que eu queria era ter Roger Milla e Makanaki no meu time, o Santos, que
passava por uma fase terrível.
Em 1994 morreu o piloto Ayrton Senna. Eu estava em Mogi das Cruzes (SP) quando recebi a notícia. Foi uma comoção como eu nunca vi. A decoração para a Copa nos
muros e ruas homenageava o piloto brasileiro de alguma forma. Kurt Cobain foi
encontrado morto nos Estados Unidos, país sede daquele ano onde a gente ouviu
(e como ouviu!) o narrador Galvão Bueno berrar “é tetra! É tetra!” ao lado do
Pelé em comemoração ao tetracampeonato mundial da seleção brasileira. Para mim,
no entanto, a seleção da Copa foi a Romênia que contava com um grande craque: George Hagi. Que jogador! Desfilou elegância e inteligência nos gramados daquele mundial. E o Roger Milla
estava lá, nos states, entrando para a história como o jogador mais velho (42
anos) a marcar um gol em Copas do Mundo. A Colômbia, que prometia uma linda
participação no mundial, guarda uma triste memória: o assassinato do zagueiro Escobar, que marcou um gol contra e (dizem) que foi morto após discutir com
torcedores em seu país. Que ano pesado.
A internet chegou e modificou minha memória
Entre muitos estudiosos da comunicação e novas tecnologias
há a discussão sobre o impacto da internet em relação à nossa memória. É mais
fácil lembrar de fatos quando outros elementos entram em campo, principalmente a
emoção e o envolvimento com o objeto ou tema abordado. Isso ajuda a explicar porque
tenho lembranças mais fortes da Copa de 1986 do que da Copa de 2006 e 2010, por
exemplo. A internet faz o papel de memorizar informações, no que muitos chamam
de “efeito Google”. A partir de 1998 comecei a usar timidamente a grande rede graças aos CDs de instalação para os discadores de acesso – era emocionante ouvir o barulhinho
da discagem, do modem e a conexão estabelecida após meia noite, claro, pois era "pulso único" e garantia que ninguém (ou quase ninguém) telefonaria para casa naquele horário para interromper a conexão. É até difícil para um jovem de 18 anos ( a chamada "geração Z") imaginar um mundo sem internet ou conexão tão precária que baixar uma simples música poderia levar horas.
Na Copa da França, no
mesmo ano de 1998, descobrimos que a sapatada de 3 x 0 que a seleção brasileira
tomou na final para os franceses (olha eles, de novo!) foi fruto de um
engenhoso esquema em que o Brasil VENDEU a Copa para a França. Como milhares de
pessoas, eu recebi e acreditei na primeira grande corrente compartilhada
através de e-mail: “se as pessoas soubessem o que aconteceu na Copa do Mundo,
ficariam enojadas”. A ausência inesperada e de história mal contada do atacante
Ronaldo na grande decisão ajudou a dar tintas de credibilidade para a famosa mensagem através de um meio que fascinava a todos nós. Hoje reler tal mensagem é até divertida, mas ai de quem experimentasse
dizer ao "primo tecnológico", cunhado mala ou vizinho chato que aquilo era
mentira.
A Copa de 2002 aconteceu em duas sedes: Japão e Coréia do
Sul. Não guardo tantas lembranças também por causa do fuso horário – muitos jogos
durante a madrugada e bem cedo pela manhã. O mundo em alerta por causa do
atentado ao World Trade Center em 2001 e o receio de que algo parecido pudesse
acontecer na Copa asiática. Mas terror mesmo só com as péssimas arbitragens que
marcaram negativamente aquela Copa em que a seleção brasileira sagrou-se
pentacampeã. Foi o ano da redenção de Ronaldo: após uma grave contusão no
joelho e da crise nervosa em 1998, não foram poucos os que acusaram “o fim da
carreira" do craque – profetas do apocalipse não acertam uma.
Efeito Google
O efeito Google entra em ação quando tento relembrar algo
sobre a Copa de 2006, na Alemanha. Sem recorrer ao site de pesquisas tudo o que
eu lembro daquela Copa, além de uma seleção brasileira pesada e desanimada, é
do craque francês Zinedine Zidane dando uma cabeçada no zagueiro italiano
Materazzi em plena final – e eu tive que recorrer a São Google para relembrar
que a Itália foi a grande campeã. Da Copa de 2010 na África do Sul do ícone
Nelson Mandela eu lembro das caras e bocas do Maradona dublê de técnico da
Argentina, das irritantes vuvuzelas e do épico Uruguai x Gana, um jogo que entrou
para a história das Copas.
Realmente lembro muito pouco destas duas Copas e do contexto
à época. Alguém pode até dizer que isso é “coisa da idade” – e em parte tem
razão, pois surgem outras motivações e preocupações com a vida profissional,
pessoal, etc. No entanto é fato que eu não precisei e nem quis fazer esforço
para guardar estes eventos na memória pessoal porque sei que com uma busca
simples e rápida no Google encontrarei todas as informações necessárias. É mais
ou menos o que alguns chamam de “terceirização da memória” através da internet.
Tem suas vantagens, porém podemos correr o risco de desprezar processos
interiores para consolidar boas lembranças.
Memórias recentes e atuais
E um destes processos, como já citado, é a emoção. A Copa de
2014 foi aqui no quintal de casa, no Brasil e isso para quem gosta de futebol é
extraordinário – e até mesmo para quem não é muito fã do esporte, pois a
diversidade das torcidas visitantes com seus sotaques e culturas é muito interessante
de ser notado e mesmo servir de exemplo, como os torcedores japoneses recolhendo o lixo das arquibancadas. Claro que a lembrança desta Copa remete e
sempre remeterá ao humilhante 7 x 1 da seleção alemã sobre uma seleção
brasileira aos frangalhos emocionalmente.
Mas foi uma Copa divertida porque
além da festa promovida pelos brasileiros ainda tivemos jogos inesquecíveis
como Holanda 5 x 1 Espanha e Itália 0 x 1 Uruguai, o famoso “jogo da mordida”
em que atacante Suárez simplesmente mordeu um zagueiro italiano. E como a Copa
foi aqui em casa, claro que lembro da dinheirama que custou a construção de
novos estádios e que depois do mundial ficariam “às moscas”, como realmente
aconteceu com algumas arenas modernas em Manaus, Cuiabá e Natal - e sem falar do "legado da Copa" que deixou a desejar, além dos protestos e manifestações contra os enormes gastos públicos para custear o evento que ocorreram em todo o país.
E finalmente mais uma Copa, desta vez na Rússia, em 2018. A
Copa que teve uma Bélgica e sua geração de bons jogadores apresentando talvez o
melhor futebol do torneio, embora o título tenha ficado com a rápida e objetiva
França em uma final contra a surpreendente e raçuda seleção da Croácia – que
superou a ótima campanha na Copa de 1998. No mundial onde os torcedores esperavam grandes atuações das
estrelas Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar, todos viram um garoto francês de 19
anos roubar a cena: além de jogar muita bola, o Mbappé tem uma velocidade que
só o Usain Bolt conseguiria alcança-lo na corrida.
E grandes histórias pessoais: Lukas Modric, melhor jogador
da Copa e comandante do bom time croata, é um refugiado de guerra que teve o
avô assassinado, a casa destruída e jogava bola entre um bombardeio e outro na
guerra que acabou com a Iugoslávia e deu a independência à Croácia e outros
países na complicada região dos balcãs; e o que dizer do volante francês Kanté,
que quando criança catava lixo em Paris para ajudar o pai, foi dispensado
diversas vezes de clubes onde tentava seguir carreira na adolescência sob a
justificativa de “ser baixinho” e acabou se formando em contabilidade? Provavelmente
serão essas as melhores lembranças que terei do mundial da Rússia.
Em 2022 a Copa será no Catar. Sempre que uma Copa termina eu
me pergunto se conseguirei assistir a próxima – quatro anos
demoram a passar e muita coisa acontece neste período. Isso soa um tanto
dramático, mas a passagem do tempo faz isso com a gente. E é claro que espero assistir mais esta edição do mundial para escrever
mais algumas linhas em meu caderninho de memórias afetivas da Copa do Mundo,
que não é apenas sobre futebol, mas também sobre histórias e lembranças de vida.
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