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Biblioterapia: livros para a alma
Recentemente vi na imprensa algumas matérias informando a respeito de uma técnica chamada “biblioterapia”, que é uma espécie de terapia complementar baseada na leitura de livros indicados por especialistas para aliviar o estresse e a lidar com sentimentos relacionados à solidão, frustrações, etc.
Fui pesquisar um pouco mais sobre o termo até então
desconhecido para mim – e talvez o seja para muita gente. “Biblioterapia” é a
junção de duas palavras gregas: biblion
(livros ou suportes para leitura) e therapein
(alusivo à terapia). E não se trata propriamente de uma novidade, pois o
primeiro registro sobre o tema data de 1916, embora muito antes disso (estamos falando dos antigos gregos, romanos e egípcios) as qualidades terapêuticas que a leitura proporcionava eram reconhecidos. Além dos alívios para os
sentimentos já citados, a biblioterapia também promove efeitos benéficos para a
alma e consequentemente para o bem-estar.
Na verdade qualquer pessoa apaixonada pela leitura conhece
esses efeitos já comprovados pela ciência. Quando “entramos” no livro e nos
envolvemos com a história, os cenários e seus personagens obtemos sensações
prazerosas e lúdicas – sim, pois a ludicidade, de acordo com o professor
Cipriano Luckesi, é um estado de atenção plena ao que fazemos com prazer: “Enquanto
estamos participando verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar, na
nossa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria atividade. (...)
Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres, saudáveis”.
Tal estado de plenitude com a prática de biblioterapia apresenta
bons resultados. No estudo biblioterapêutico realizado com pacientes de
clínicas médicas, a bibliotecária Eva Seitz concluiu que tal prática foi muito
útil para, dentre outras coisas, tornar a hospitalização “menos agressiva e
dolorosa”, pois a leitura como lazer “proporciona tranquilidade, prazer,
reduzindo a ansiedade, o medo, a monotonia, a angústia inerente à
hospitalização e ao processo de doença”.
Livros que são
bálsamos para a alma
Durante um período conturbado de minha vida eu recorri
aos livros em busca de respostas para o que eu estava passando e até mesmo
algum alívio para as angústias. Para muitas pessoas isso é um caminho
fácil para a leitura dos chamados livros de autoajuda, porém não foi o meu
caso. Posso dizer que fiz uma biblioterapia por conta própria e deu certo sob
muitos aspectos. Claro que gostar de ler desde a infância ajudou bastante e algumas
obras, mesmo aquelas que passaram por releitura, serviram como bálsamo para alma.
A poesia de Alberto Caeiro, o meu predileto dentre tantos
heterônimos de Fernando Pessoa, evocando o que à primeira vista parece ser a
bucólica simplicidade de homem em comunhão com a natureza, apresenta verdadeiras
pérolas para repensarmos os olhares e dogmas que nos prendem a correntes das
quais tentamos arrastar durante a vida. Como escreve o poeta em seu “O
Guardador de Rebanhos” (XXIV), é preciso desnudar a alma e passar por um
processo de “aprender a desaprender”. Mais do que um simples exercício, um
desafio que vale a pena tentar.
A filosofia de Sêneca também serviu como terapia
complementar para muitas angústias. Na verdade buscava entender alguns reveses
da vida e o filósofo latino oferece em seus escritos boas reflexões sobre
frustrações, imprevistos e expectativas exageradas. O tratado “Da tranquilidade
da alma” é belíssimo.
Nem sempre a literatura oferece alívio à primeira vista – ou
melhor, à primeira leitura. De fato alguns livros não trazem nenhum tipo de alívio em suas páginas,
e sim incômodos, o que é muito bom para sair do lugar comum e considerar
outros pontos de vista. Um livro que fez a “ficha cair” definitivamente após
cuidadosa releitura foi “A morte de Ivan Ilitch”, do escritor russo Lev Tolstoi. Ao contrário de “Guerra e Paz” com suas mais de mil páginas, esta
novela é breve em número de páginas (não chega a cem) e densa em conteúdo. Os
questionamentos por parte de um burocrata (Ivan) no leito de morte repassando a
sua vida de aparências e busca por prestígio perante a sociedade geram
desconforto ao leitor, principalmente quando Ivan Ilitch, em suas observações,
se dá conta da fragilidade da vida e da insignificância de alguns atos. É um
livro que não deixa ninguém indiferente e nos convida ao mergulho interior: o
que estamos fazendo, afinal, de nossas vidas?
Posso citar alguns outros livros que me ajudaram bastante no
processo de autoconhecimento e aprendizados: o belíssimo ensaio “A vida humana”
e o delicioso “Pequeno tratado das grandes virtudes”, do filósofo André Comte-Sponville; a simplicidade nas páginas de “Walden”, de Henry David Thoreau
– que também é autor de “Desobediência civil”, obra fundamental para
posicionar-se contra leis injustas; a iluminação de um dos livros mais bonitos
que já li, “Sidarta”, de Herman Hesse; a leitura comovente e sensível de “A
trégua”, de Mario Benedetti; a tragédia shakespeariana de “Otelo” trazendo à
tona temas universais como ciúme, inveja, ambição, racismo; alguns contos do brilhante
Machado de Assis como “O Espelho” e “Um homem célebre” que tratam o eterno
dilema humano entre “ser e parecer”.
Sempre gosto de citar também obras como “A vida líquida” e “Amores líquidos”, de Bauman, “Ócio Criativo”, de Domenico De Masi e “Uma história íntima da humanidade”, de Theodore Zeldin, pois apresentam boas contribuições para tentarmos compreender o mundo e como chegamos até aqui. E embora o título soe como uma arrogante e pretensiosa autoajuda, o livro “Como mudar o mundo” de John-Paul Flintoff é um daqueles que eu classificaria como inspiradores para que possamos agir e efetuar pequenas porém significativas mudanças no dia a dia.
Sempre gosto de citar também obras como “A vida líquida” e “Amores líquidos”, de Bauman, “Ócio Criativo”, de Domenico De Masi e “Uma história íntima da humanidade”, de Theodore Zeldin, pois apresentam boas contribuições para tentarmos compreender o mundo e como chegamos até aqui. E embora o título soe como uma arrogante e pretensiosa autoajuda, o livro “Como mudar o mundo” de John-Paul Flintoff é um daqueles que eu classificaria como inspiradores para que possamos agir e efetuar pequenas porém significativas mudanças no dia a dia.
“A literatura faz
acontecer”
Claro que o gosto literário é estritamente particular. Estes
livros que citei podem não ser do agrado de muita gente ou pouco significativos
durante ou após a leitura. É natural. Há quem se identifique com obras de
não-ficção, com autoajuda, com clássicos, com biografias, fábulas, poesias, ficção científica, não
importa: aqui lembro da lista dos direitos do leitor, de Daniel Pennac (autor
de “Como um romance”, uma ode à literatura), e um desses direitos está o de ler
qualquer coisa – é uma boa sugestão para quem não tem o hábito de leitura:
comece por temas que despertem o seu interesse e não dê importância ao que dizem sobre o estilo literário que você gosta.
Hoje já existe a figura do biblioterapeuta como o
profissional mais indicado para recomendar os livros adequados para um
tratamento. Há quem possa torcer o nariz para este uso da literatura como uma
espécie de terapia complementar, mas lembrei do escritor, professor e poeta Affonso Romano de Sant´anna com sua crônica “Leitura faz acontecer”: com intensa atividade
literária publicada em jornais, revistas e livros, o autor relata as diversas ocasiões em que foi abordado por leitores que citam alguns
de seus textos como inspiradores para eventos importantes em suas vidas. “A literatura faz acontecer”, encerra assim a crônica.
Para a literatura acontecer (e uma biblioterapia ser eficaz) é preciso dar a ela uma chance. Abra o livro, mas também abra a mente para as ideias e histórias que os autores apresentam - concorde, discorde, reflita, releia. E tenha uma boa viagem pelo mundo das palavras e do autoconhecimento. Faz bem para a saúde, faz bem para a alma.
Para a literatura acontecer (e uma biblioterapia ser eficaz) é preciso dar a ela uma chance. Abra o livro, mas também abra a mente para as ideias e histórias que os autores apresentam - concorde, discorde, reflita, releia. E tenha uma boa viagem pelo mundo das palavras e do autoconhecimento. Faz bem para a saúde, faz bem para a alma.
Referências:
LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação, Ludicidade e Prevenção das Neuroses Futuras: uma proposta pedagógica a partir da Biossíntese. 2005. Disponível em http://www.luckesi.com.br/artigoseducacaoludicidade.htm
SEITZ, Eva Maria. Biblioterapia: uma experiência com pacientes internados em clínicas médicas
Bibliotherapy:
an experience with patients interned in medical clinica. p.155-170
Revista ACB, [S.l.], v. 11, n. 1, p.
155-170, nov. 2006. ISSN 1414-0594. Disponível em: https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/452/567
SANT´ANNA, Affonso Romano de. Ler o mundo. São Paulo, SP: Global, 2011.
SANT´ANNA, Affonso Romano de. Ler o mundo. São Paulo, SP: Global, 2011.
Ótimo texto, me identifiquei muito. Ler um livro é um modo de perdição em que a gente se acha. Ler é pra mim, mergulhar num mundo onde você é capaz de descobrir coisas a seu respeito que, de outra forma, seria impossível alcançar. Como diz Quintana "O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado."
ResponderExcluirSem dúvidas, é uma rica terapia para a alma.
Muito grato, Tamires, e ótimoa lembrança de Mário Quintana! :)
ExcluirComemorar o Dia Mundial do Livro com seu inteligente texto é perfeito. Se todos lessem mais viveríamos em um Brasil sem tantas injustiças. :)
ResponderExcluirBjs
Muito grato, Bia, por suas palavras inspiradoras. :)
ExcluirTexto excelente e amei a tirinha.
ResponderExcluirUso e abuso da Biblioterapia!
Anotei algumas dicas para incluir na minha lista.
bjão
www.jeniffergeraldine.com
Que bom ter apreciado, Jeniffer! Muito grato pela visita e palavras! Bjks!
ExcluirGrandes leituras, poeta Satoru. E "O grande mentecapto" é um dos livros mais bem humorados da literatura brasileira, ótima escolha! Abraço!
ResponderExcluirBom tarde Jaime!
ResponderExcluirUm precioso presente, essa tua postagem. Destes que tu, sempre vens nos ofertando. Se houver pegadas para iluminar uma crônica, essa tua, tem passos de luz. É serio, há muitos ensinamentos no seu texto, tem luz no fim do túnel. Existem tantas pessoas, incluindo jovens e crianças que se empregassem mais seu tempo precioso em uma boa leitura, com certeza ficaria passos e passos a frente de tantas coisas ruins. Os números indicam que há uma grande parte dos adolescentes de hoje são depressivos, frustrados, solitários... Penso que os livros são essa cura. Essa técnica chamada “biblioterapia”, talvez seria de grande ajuda a esses que tantos necessitam.
Essa semana eu lia sobre o tal "Desafio da Baleia Azul", ou "Blue Whale" um pacto de suicídio que a última tarefa é tirar a própria vida. Fiquei muito triste em perceber que essa geração anda tão doente. Autoridades alertam que tem aumentado o número de jovens interessados nesses desafios, e culpa os pais pela falta de responsabilidades ao permitirem que seus filhos naveguem sem controle na internet.
Penso que os livros estão ficando em segundo plano. As bibliotecas estão ficando cada dia mais vazias. Na minha adolescência eu passava uma boa parte do tempo sentada numa biblioteca, hoje obter um livro é muito mais fácil e me parece que as pessoas perderam o interesse. Na internet se encontra a maioria dos livros em PDF. Não é como você poder manusear um livro, sentir o cheiro, mais já é de grande ajuda.
Alguns livros que você citou eu ainda não tive o prazer de ler, vou anotar pra uma próxima leitura. A obra de Tolstói eu li e indico sem sombra de dúvida que vale muito a pena ler. É uma novela inquietante e me fez refletir por bastante tempo mesmo depois de ter terminado a leitura. Esse livro caiu na minha mão no momento que eu mais carecia, foi uma injeção de ânimo. Creio que esta história seja essencial para o ser humano compreender um pouco do que está se passando ao seu redor e um pouco a respeito de si mesmo. A Morte de Ivan Ilitch traz um exemplo muito pertinente aos dias atuais. Aquela velho assunto de que não aproveitamos a vida, e vivemos sempre em função do emprego e das coisas materiais. Conheço uns tantos na minha família que necessitavam dessa leitura, mais dizem que não tem tempo pra leitura.
Obrigada pela leitura Jaime, parabéns pela beleza da postagem.
Uma ótima semana! Um ótimo mês!
Um abraço, e um sorriso!
Beijos!
Desculpa pelo jornal, acho que me empolguei te lendo. risos!
Olá, Smareis. Imagine, não precisa se desculpar por nada, eu que agradeço pelo seu comentário repleto de referências literárias e lembranças de leitora. :) Muito grato!
ExcluirA charge é muito boa Jaime. Ficou excelente! Já sei onde pedir a uma, quando precisar rsrsrs.
ExcluirQue seu domingo seja cheio de coisas boas.
Boa semana pra ti!
Um abraço e um sorriso!
Escrevinhados da Vida
Um dos melhores textos que já li sobre o assunto. Tudo muito bem ponderado. Parabéns, meu grande amigo! Ler é uma forma de deixar a vida um pouco mais leve. Ademais, cada leitura vivemos um novo aprendizado.
ResponderExcluirBeijinhos estalados...
Muito grato por suas palavras, Aline! Cada leitura é um novo aprendizado, uma nova forma de enxergar o mundo e ideias. :)
ExcluirOi Jaime, Boa noite! Parabéns pelo texto. Sou psicóloga e biblioterapeuta. Publiquei em 2014 um livro para partilhar os encantamentos e surpresas nessa área. Chama-se Vivências em biblioterapia: práticas do cuidado através da literatura. Está disponível no site www.cristianaseixas.com. Lá compartilho questões recorrentes e acervo utilizado. Dou cursos para compartilhar aprendizados e bases conceituais com interessados. Já ouviu falar no projeto Books oh prescription, do pesquisador Neil Frude? Jogue na Internet e veja que espetáculo!
ResponderExcluirJaime, que texto maravilhoso! Amei! Parabéns!
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