Criança tem que brincar!


Com o seu peculiar bom humor, o escritor Luís Fernando Veríssimo é o autor do conto
“a bola”, que narra sobre um garoto que ganha uma bola de presente do pai e não sabe como  brincar com ela – o menino procura por botões, comandos e até por um manual de instruções para saber como utilizar o brinquedo. 

Este divertido conto (ou crônica) de Veríssimo é encontrado no volume “Comédias para se ler na escola”, de 2001. Apesar do garoto da história ainda brincar com um videogame, o fato é que as nossas crianças estão brincando cada vez menos. Em 2007 uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos revelou que parte considerável do tempo das crianças é ocupada por diversas atividades que merecem até agenda de horários – e os pais acham que quanto mais cedo as crianças estarem “preparadas para o futuro competitivo”, melhor. Não é à toa que algumas escolas acrescentam em suas grades curriculares disciplinas como empreendedorismo e educação financeira para crianças a partir dos três anos de idade

Evidente que os pais querem o melhor para os seus filhos e há a preocupação com o futuro em um mundo cada vez mais competitivo no mercado de trabalho. No entanto,
acelerar etapas do desenvolvimento infantil não é algo interessante para o futuro destas crianças.  Uma agenda lotada de atividades leva ao estresse e o excesso de expectativas dos pais pode gerar frustração e ansiedade nos pequenos. Infelizmente há pais que consideram o ato de brincar como “perda de tempo”, o que não é verdade: quando brinca, a criança desenvolve diversas habilidades - dentre elas, habilidades cognitivas, motoras, afetivas e sociais.  A imaginação e a criatividade entram em cena, contribuindo para o desenvolvimento em várias áreas – linguagem, interação, ética, etc. Notemos: o ato de brincar deve ser espontâneo, e não espremido em um espaço curto na agenda com data e horários determinados. 

É bem verdade que o crescimento desordenado nas grandes cidades – e com todos os problemas oriundos pela falta de planejamento urbano e de políticas públicas para lazer e esporte - tirou espaços que eram utilizados para as brincadeiras das crianças, como praças, campos e parques; a vida moderna na qual um dia de 24 horas parece ser insuficiente para o volume de atividades, também compromete o tempo que os pais deveriam passar com os filhos. No entanto, que tal organizar o tempo e rever algumas ações? Segundo pesquisa do Datafolha em 2012, as crianças ficam muito felizes quando estão com os pais e quando podem brincar. E não é preciso brinquedos avançados tecnologicamente – quem nunca soube de uma criança que preferiu brincar com a caixa do presente que ganhou? Brincadeiras simples e criativas fazem sucesso entre elas. 

Philippe Ariès, em seus estudos sobre a infância e família, nos diz que as crianças na Idade Média eram vistas como “adultos em miniatura” e não havia uma distinção clara entre o mundo infantil e o mundo adulto. Parece algo distante de nossa realidade, mas em pleno século XXI ainda há quem tente “acelerar a infância”: sutiãs com bojo (enchimento) para meninas a partir dos 6 anos e até mesmo crianças em propagandas de lingerie infantil posam como adultos. É preciso tomar muito cuidado com certas representações.  

Brincar é um direito das crianças e o universo infantil deve ser respeitado e valorizado em suas etapas quanto ao desenvolvimento. Lembremos das palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade: “brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo”.      

30 comentários:

  1. Que beleza de ilustração e texto.Realmente por vezes vemos coisas assim e temos que te PENA das crianças! abraços,chica

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    1. Obrigado, Chica! Nem digo "pena", mas sim revermos algumas práticas e deixá-las serem crianças. :) Um abraço!

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  2. Ei Jaime, brincar ajuda na saúde física e mental das crianças. Eu brinquei muito na minha infância, mas meu filho nem tanto. Realmente a nova geração prefere os eletrônicos e jogos solitários. E meu filho ainda é único... Fico com uma grande dor no meu coração, porque acho que ele cresceu antes da hora e brincou pouco. Belo texto. Parabéns!

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    1. Obrigado, Adriana! Os jogos eletrônicos são válidos e interessantes, mas as brincadeiras espontâneas e em grupo não deveriam ser deixadas de lado. :)

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  3. Mais um texto maravilhoso!!
    Com a educação dos filhos terceirizada, ainda fica mais difícil o tempo livre pra brincadeira.

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    1. Obrigado, Emanuelle! Verdade, infelizmente há quem pense que brincar é perda de tempo. :(

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  4. Por isso que eu brinco com eles.. rsss

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  5. Jaime,

    O conceito de infância vem passando mesmo por significativas modificações ao longo do tempo. Antes, aqueles que eram vistos pela sociedade como adultos em miniatura, foram promovidos a sujeitos históricos e de direitos. Sabemos que a criança não é um ser estático, que nasce pronto e acabado, mas repleto de possibilidades e potencialidades a serem exploradas. Sim, mas tudo a seu tempo. E o tempo da infância é especialmente significativo para as crianças, que precisam brincar muito para se desenvolver adequadamente. Não sou a favor das agendas lotadas... temos sim que cuidar de nossos filhos e prepará-los para a vida, para o futuro. Mas aos pais é necessário moderação e bom senso ao pensar nessas questões e no tempo ideal para tantas mudanças na rotina de uma criança, de forma a não sobrecarregá-la. Infelizmente, essa "adultização" precoce está virando moda hoje em dia. Isso não é bom.

    Mais uma vez, você traz para nós uma importante reflexão.
    Obrigada!

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    1. Vivi, muito obrigado pelo seu comentário sempre enriquecedor. Dois termos que você utilizou e que é preciso observar com mais cuidado: moderação e bom senso. É exatamente isso. Um abraço e grato!

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  6. Jaiminho, querido amigo!
    ADOREI teu comentariãoooo... e nem sabe você, como fico feliz com tua presença por lá... já posso postar novamente hehe
    O que farei semana que vem, ao atualizar o blog, retorno aqui para uma leitura atenta, tá bom?

    Grande beijo!

    PS.: Não tenho tido tempo, e muito menos calma para conversar contigo. Não tenho conseguido concatenar mihas ideias por esses dias... (coisas da idade :), e muito trabalho.

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    1. Eu que agradeço a sua visita, Ana! Muito obrigado pela atenção! Grande beijo! :)

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  7. Preparar a criança para sobreviver é uma preocupação constante dos pais.Concordo com você Jaime,criança precisa brincar,estarmos atentos em defender e promover o que é essêncial para nossas crianças ,afastando-as do consumo prejudicial do qual hoje a sociedade é vítima.Crianças de 06 anos com celular de última geração,bolsa da última coleção em Paris e jóias...para que isso?Dar à elas o privilégio do qual muitos adultos estão afastados,viver o seu tempo e não ser vivido por seu tempo.

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    1. De fato, Deide, ainda há o consumismo exagerado e muitas vezes estimulado pelos próprios pais - e a propaganda voltada para as crianças muitas vezes é abusiva.

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  8. Acho que são os pais frustrados que estão depositando esperança demais nos filhos.
    Gostei do texto. Beijos

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    1. A educação deveria ser voltada para a autonomia, Camila. Beijos e obrigado!

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  9. Olá, professor!

    Já há algum tempo bato nessa tecla: criança de hoje em dia não brinca. Todos os filhos de amigos meus, sem exceção, estão inscritos numa escolinha de futebol. Entre as meninas, a maioria está em escolas de vôlei e/ou handebol. Quando eu era criança se jogava bola na rua, na praça... Mas (agora) não condeno/reprovo (mais) o tratamento q as crianças de hoje tem recebido, acho q isso faz parte de uma estrutura maior q gera superprotegidos mimados e individualistas.

    Bjohnny

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    1. Moça cabofriense, é curioso o fenômeno das "escolinhas de futebol": não são poucos os pais que matriculam os filhos nessas escolinhas esperando que o garoto se torne um Messi ou Neymar em pouquíssimo tempo. Basta pesquisar no Google o nome de Jean Carlo Chera para verificar o que o excesso de expectativas de pai e mídia transformaram o então promissor garoto... Bjks!

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  10. Boa reflexão o seu texto!

    Eu mesma fui uma criança que cresci em apartamento,esse ambiente cercado,podado.Amava quando ia para Chácara da família no interior aqui do Rio,a sensação de liberdade era indescritível.Era uma felicidade absoluta.Chorava muito quando tinha que voltar.
    Minha mãe também colocou eu e meu irmão em várias atividades,até porque não tínhamos como passar o tempo todo trancados dentro de um apartamento.Eu lembro que saía da escola,almoçava rápido e ia para o Inglês,e depois,emendava no balé.No outro dia era informática e piano.Eu odiava tudo isso!
    Lembro-me que chegava cansada e ainda tinha que fazer dever de casa.Um horror!kkkkk
    Os pais,apesar de querer o melhor para os filhos,não possuem noção que tudo tem sua fase.E a fase 'do brincar' é imprescindível para criança!Não adianta querer pular etapas.Sinto que os pais de hoje são muitíssimo ansiosos em relação ao futuro dos filhos.Querem tudo para agora.E não pode ser assim.O que vemos hoje?Um número significativo de crianças também ansiosas,depressivas que vivem em função do querer de seus pais.Um desastre!
    Já disse Winnicott “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu."
    E é tão simples,pra quê complicar?

    Beijão,Jaime!Dani.

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    1. Que ótima lembrança a de Winnicot em seu comentário, Dani! O brincar auxilia na construção da identidade pessoal - ou do self, como é referenciado. Excelente contribuição, como sempre, Dani. E essa ansiedade dos pais é realmente prejudicial para as crianças. Simplicidade, eis do que precisamos. Bjs!

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  11. Jaime,

    Eu nunca lotei a agenda de minha filha, acho isso terrivel. Talvez por isso mesmo ela seja tão criativa.

    Bjs

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    1. Quem bom, Sissym. Isso certamente ajudou para o desenvolvimento da criatividade. :) bjs

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  12. Tem toda razão, Jaime!! Hoje vemos tantos adultos problemáticos e insensíveis aos outros...frutos deste tipo de coisa....criança tem que brincar e muito....eu aproveito e brinco junto..rs

    Abraço

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    1. Participar da brincadeira com a criançada sempre é muito bom, Rafael! :D Um abraço e obrigado!

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  13. Oi Jaime!
    Muito bom o texto e a ilustração também. Lembrei de uma amiga que desde cedo colocou o filho em aulas de tudo quanto é coisa porque queria que ele aprendesse de tudo para ser depois um bom profissional. Eu já sempre achei que hoje em dia as creches mesmo tem tantas atividades que mal dá tempo da criança ter um tempo para si, para brincar livremente, sabe... no fim é tudo desde cedo dividido em horários, tempo contabilizado que o que deveria ser diversão vira uma espécie de compromisso. Chega a dar dó das crianças de hoje que tem que organizar suas vidas em cima das expectativas e horários de seus pais.

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  14. Oi Jaime!
    Muito bom o texto e a ilustração também. Lembrei de uma amiga que desde cedo colocou o filho em aulas de tudo quanto é coisa porque queria que ele aprendesse de tudo desde cedo. Eu já sempre achei que hoje em dia as creches mesmo tem tantas atividades que mal dá tempo da criança ter um tempo para si, para brincar livremente, sabe... no fim é tudo desde cedo dividido em horários, tempo contabilizado que o que deveria ser diversão vira uma espécie de compromisso. Chega a dar dó das crianças de hoje que tem que organizar suas vidas em cima das expectativas e horários de seus pais.

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    1. Obrigado, Fernanda! Pois é, crianças com agendas e rotinas de adultos, repletas de atividades e a espontaneidade é deixada de lado. Uma pena mesmo. :(

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  15. Bah! Maravilhoso texto, Jaime! E muito pertinente!
    Eu já havia feito uma primeira leitura, mas agora fiz outra com mais atenção.
    Pois é... essa questão parece uma constante na nossa sociedade, de cunho capitalista e que se espelha tanto nos moldes dos norte-americanos... Esse deixar a agenda da criança lotada, é um problemão.. De repente a criança tem que falar mais de um idioma, ser uma expert no ballet, no judô ou sei lá...
    De minha parte, aqui em casa, quero mesmo é que minha filha consiga completar sua alfabetização, e suas aulas de equitação, uma paixão dela que não larga, serão semanais e nos fins de semana, mais como descontração mesmo.

    Mas contando um pequeno caso real e que tem a ver com a primeira parte do teu texto, o que você cita o Veríssimo. Sempre que minha filha, que agora tem 7 anos, se encontra com seus dois primos, um tem 10 anos e o outro 8, - leva o patinete, a bola para brincarem juntos. Mas... eles ficam com seus tablets... joguinhos no celular, (o maior já tem celular... e os dois estão no faacebook... - sem comentários...). Minha filha chora, e os dois ficam ali que nem zumbis. Até que um adulto promove alguma brincadeira-desafio com a bola ou algo assim, e eles soltam e se integram, mas é difícil...

    Beijos e obrigada pela partilha de um texto tão útil, Jaime!

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    1. Eu que agradeço a sua visita e comentário sempre enriquecedor, Ana Cecília! Neste caso que você relatou houve a mediação de um adulto - e muitas vezes é o que falta. É difícil, mas é algo que deve ser sempre estimulado. Vale a pena. :) Beijos!

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  16. Jaime,m vim avisar que acabou de entrar no meu blog infantil, no mesmo post que acarinho meu neto pelos seus 12 anos, uma inspiração que tive e usei tua ilustração que tanto fala! Obrigadão! Podes ver aqui:

    http://sementinhasparacriancas.blogspot.com.br/2014/10/criancas-que-brilham-no-sementinhas_11.html

    chica

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