Para onde vão nossas lembranças?

 


O ex-Twitter morreu. Ao menos no Brasil, onde a rede social do bilionário Elon Musk foi bloqueada por descumprir a legislação que prevê ao menos um representante legal no país. Este ano, a rede demitiu 40 funcionários e fechou seu escritório regional por essas terras. 

outras razões para a suspensão dessa rede social que há muito foi tomada pela extrema-direita e pelo esgoto da humanidade sob o pretexto de “liberdade de expressão”, mas deixemos isso de lado. O fato é que milhares de brasileiros não acessam mais o Twitter, deixando para trás inúmeros micros textos, fotos, vídeos e ideias.

O que acontecerá com todos esses dados?

Ignoro o destino do X, antigo Twitter. Mas este episódio trouxe a recordação de outras redes que chegaram ao fim, como o Orkut com suas comunidades e o “pai do Instagram”, o Fotolog. Muita gente fez destes espaços uma espécie de “álbum fotográfico”, publicando registros com familiares, amigos, viagens e outros eventos. Nem todos conseguiram recuperar suas fotos quando essas redes desapareceram. A sensação de perda também foi grande entre os usuários do MySpace: em 2019 a rede anunciou que mais de 50 milhões de arquivos de música postados até 2016 foram perdidos.

Em tempos nos quais toneladas de informações nos cercam por todos os lados, a memória digital como extensão de nossas lembranças parece ser uma boa ideia. Mas este breve histórico nos mostra que utilizar essas redes como guardador de memórias não é confiável. E essa atribuição à tecnologia digital e dependência destes repositórios vem causando problemas como o declínio cognitivo da memorização e da atenção. Estudiosos chamam isso de amnésia digital.

Em algum momento no futuro redes como Facebook e Instagram chegarão ao fim com milhares de fotos e vídeos. Há alguns projetos que visam preservar a memória digital de imagens, livros, áudios e demais mídias, como o Internet Archive e a Rede da Memória Virtual Brasileira, mas estes não abarcam as nossas 500 fotos de um fim de semana na praia que enchem nossos dispositivos, nuvens e redes. O que fazer com todos esses registros?

Talvez essa pergunta seja respondida a partir de outro questionamento: precisamos mesmo registrar on-line absolutamente tudo o que acontece em nosso dia a dia? É curioso observar como as pessoas em eventos ou em viagens de férias interrompem seus momentos apenas para postarem (inúmeras) fotos ou vídeos em redes sociais. Não contamos mais histórias: postamos stories, digitalizamos a vida. Com isso, nossas lembranças se tornam vagas, superficiais. Muitas pessoas, ao menos da minha geração, conseguem lembrar claramente de viagens, shows, leituras e momentos passados durante a infância e adolescência. Não se trata aqui de nostalgia ou algo do tipo: estou falando de vivência, de plenitude da experiência.

Fotografias fazem parte de nossas histórias. No entanto, acredito que a pressão em postar e compartilhar nossas atividades como validação social tem prejudicado a formação de memórias pessoais, afinal a memória é formada a partir de experiências sensoriais e emotivas, o que deveríamos retomar.

O nosso cotidiano hoje é regido pelo consumo rápido e pelo descarte imediato. É a lógica das redes e estamos sucumbindo a este modelo — na fotografia, na leitura, na música, na arte, nas relações. Para Santo Agostinho de Hipona, a memória é uma busca interior de quem somos e de nossa relação com o tempo. Não deixemos esta preciosidade à mercê dos negócios e algoritmos das Big Techs.

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