Cadê o "clima de Copa do Mundo"?



Escrevo estas mal digitadas no dia 07 de Junho de 2018. Daqui a exatamente 10 dias a seleção brasileira fará a sua estreia na Copa do Mundo da Rússia diante da Suíça, às 15 horas. Eu tive que pesquisar no Google para saber disso, pois o “clima de Copa” não me afetou, ao menos por enquanto.

O que é bem estranho, pois em Copas anteriores eu sabia com bastante antecedência os jogos e horários da seleção brasileira, consultava tabela, fazia projeções, buscava informações sobre outras seleções - uma ótima oportunidade para relembrar das aulas de Geografia, aliás. Em outros tempos e outra cidade eu entrava com tudo no clima de Copa: desenhava e pintava nas ruas, muros, onde houvesse espaço. As ruas eram enfeitadas com bandeirolas e bandeiras do Brasil, conversávamos e especulávamos sobre os 22 convocados, as ausências notáveis, os candidatos a craques, nos divertíamos com a pronúncia de nomes estranhos de jogadores da seleção da Croácia ou da Bulgária.

Hoje o meu sentimento pela Copa do Mundo e Seleção Brasileira é da mais completa indiferença. Serei apenas eu? Apenas ontem eu vi um muro pintadinho com bandeiras do Brasil e uma tentativa de caricatura do Neymar. No fim de semana vi outro muro sendo pintado com o que parecia ser a tabela da primeira fase dos jogos da seleção brasileira. E só. Ao menos pelos locais por onde costumo passar, não vi mais nada – estavam montando algumas bandeirinhas em uma escola, mas para as festas juninas. Aparentemente o “clima de Copa” não afetou a muita gente também.

Desânimo com o futebol

Talvez seja a crise econômica e o altíssimo índice de desempregados, alguns comentam; outros relacionam a camisa da CBF (Confederação Brasileira de Futebol, envolvida em escândalos de corrupção) a um símbolo controverso e contraditório envolvendo manifestantes “anticorrupção” (assim diziam) em mais um capítulo de nossa polarização político-partidária; a humilhação diante da seleção alemã ( 7 x 1) na Copa realizada em nosso território também é citado; e há quem diga que a seleção brasileira há muito tempo perdeu a identidade com o povo brasileiro. Pode até ser: dei uma olhada na lista de convocados e há jogadores que são conhecidos só mesmo por quem acompanha fielmente o futebol, seus campeonatos diversos e suas transferências: Ederson, Fagner, Filipe Luís, Marquinhos, Fernandinho, Fred (não é aquele atacante?), William, Douglas Costa, Taison... praticamente um time de desconhecidos que jogam no exterior.

Os demais jogadores parecem ser intocáveis, estrelas hollywoodianas cercados por seguranças e milionários – e não há problema nenhum com a fama e com o dinheiro que ganham com suas habilidades, mas sim a falta de espontaneidade, de autenticidade: todos os seus gestos, passos e falas são rigorosamente controlados por assessores de imprensa e marketing. “Nós, jogadores, somos frangos de granja: movimentos controlados, regras rígidas, comportamentos fixos que devem sempre ser repetidos”, afirmou o ex-jogador inglês Paul Gascoigne, citado pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano no ótimo “Futebol ao sol e à sombra”. É de Galeano e está no mesmo livro uma frase que soa até como ofensa diante de um esporte cada vez mais burocrata e mecanizado: "o futebol continua querendo ser a arte do imprevisto". 

Lembrei de uma pesquisa do instituto Datafolha realizada no início de 2018 e divulgada em Maio: o desinteresse do brasileiro pelo futebol aumentou nos últimos 08 anos: 41% dos entrevistados declararam não ter interesse pelo esporte mais popular do país. Eu não fui entrevistado pelo instituto, porém me encaixo neste percentual. Não sei se as pessoas sentem o mesmo que eu, pois acompanho futebol muito esporadicamente e ainda assim apenas jogos do meu time (Santos) quando é possível e tenho alguma disposição, mas está tudo muito chato: estádios agora se chamam “arenas” com nomes de cervejarias, seguradoras e sei lá mais o que; torcedores comemoram renda e público como se fossem títulos; a corrupção e política de clubes são temas recorrentes e ocupam o espaço dos “gols da rodada”; certas discussões sobre futebol parecem exigir conhecimentos sobre Direito, Contabilidade, Gestão de Recursos, etc.; programas futebolísticos na TV e internet (com honrosas exceções) se transformaram em “humorísticos” de gosto bastante duvidoso e investem na “zoeira” e “provocação”;  diversos comentaristas e jornalistas esportivos se tornaram celebridades tão afetadas quanto o astro de rock mais temperamental.

E o principal: os melhores jogadores mal ficam nos times brasileiros e se mandam para o exterior. Vejam o caso deste menino do Santos, o atacante Rodrygo, de apenas 17 anos e considerado uma grande promessa do futebol: Real Madrid e Barcelona já disputam o jogador e ambos possuem dinheiro de sobra para efetuarem o pagamento de 50 milhões de euros (algo em torno de R$ 230 milhões) pelo jovem talento da Vila Belmiro. Provavelmente iniciará o ano de 2019 jogando no exterior e nem vai dar tempo para o jogador conquistar algum título pelo seu clube de formação e consolidar a imagem de ídolo e referência para a torcida. Com jovens craques e promessas como Rodrygo e Vinicius Junior (Flamengo) indo embora, o nível técnico dos campeonatos regionais e sobretudo do campeonato nacional é sofrível. Difícil acompanhar os jogos. Não à toa a garotada prefere acompanhar, torcer e consumir produtos de um Real Madrid, por exemplo.

Pode ser mesmo a idade associada a um certo saudosismo do tempo em que o futebol era mais importante dentro das quatro linhas do gramado e nossas discussões eram sobre o frango do goleiro ou o golaço do craque do time. Gera até um conforto saber que não estou sozinho neste sentimento de indiferença pela Copa do Mundo. Quem sabe a estreia da seleção brasileira seja convincente e desperte o “clima de Copa” que por enquanto parece adormecido na maior parte da população deste que um dia foi chamado de "país do futebol". 

4 comentários:

  1. Verdade Jaime! Não há ânimo e entusiasmo para copa do mundo. A Seleção perdeu a credibilidade também diante de tanta corrupção. Em copas anteriores vimos tantos deslizes e envolvimentos em falcatruas dizendo que se venderam, perderam os jogos de propósito que acabou perdendo a graça, infelizmente. Para resgatar esta confiança novamente é preciso de uma mudança estrutural e política no nosso país! Só assim talvez as pessoas possam acreditar novamente e poder curtir o futebol com entusiasmo.
    Bjs

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  2. Jaime, acho que a questão do futebol é apenas uma entre várias razões possíveis. Vejo esta seleção como a mais bem preparada em 20 anos para uma Copa. Sobre a questão da corrupção, entendo que ela continua naturalizada, e o que mudou é o discurso "sou contra a corrupção" que virou quase um mantra, um discurso moralista na ponta da língua das pessoas mais corruptas possíveis, desde político corrupto notório ao jovem que defende a volta da ditadura.

    Pra mim, a sociedade mudou demais nos últimos anos graças a internet! Até bem pouco tempo, a vida das pessoas era trabalhar, voltar pra casa e assistir televisão. Isso explica porque as novelas da Globo e as transmissões de futebol mexiam muito mais com as pessoas do que hoje.

    Em 2018, estamos com um milhão de preocupações na cabeça: crise política, econômica, duplo tique azul no whatsapp, problemas do trabalho, trânsito, violência, likes do Instagram, Netflix, boletos, sensação de que o tempo passa muito rápido e por aí vai... Talvez essa seja a principal razão pela ausência do clima de Copa do Mundo: o Brasil e o mundo já não vivem mais uma vida tranquila para poder se preparar para o maior evento esportivo, social e político do planeta.

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    1. Grato, Peterson, por sua ótima contribuição. De fato: minha abordagem deteve-se apenas ao futebol em si.

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