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O vazio do consumismo
Algum tipo de
sofrimento é um efeito colateral da vida humana numa sociedade de consumo. Numa
sociedade assim, os caminhos são muitos e dispersos, mas todos eles levam às
lojas. Qualquer busca existencial, e principalmente a busca da dignidade, da
autoestima e da felicidade, exige a mediação do mercado. Zygmunt Bauman
As cenas eram impressionantes: pessoas formando longas filas
e parecendo não se importarem com a baixa temperatura na cidade enquanto
aguardavam as portas da loja abrirem; em outra imagem, pessoas se acotovelam e
carregam como se fosse um tesouro as caixas de produtos em meio a um mar de
gente ávida por descontos e promoções estampadas nos cartazes da loja e
incentivadas pelo serviço de som; e, por fim, a cena mais incrível: pessoas
brigando por um moderno aparelho de televisão que supostamente estaria com um
preço bem mais baixo do que o normal.
Estas imagens, dos Estados Unidos e do Brasil, foram
exibidas em vários telejornais em suas matérias sobre a tal “Black Friday”, um evento que teve origem na terra do Tio Sam para incentivar ainda mais o
consumismo com descontos nos preços de vários itens, inclusive
eletroeletrônicos – e que dá início às chamadas “compras de natal”.
Parece inacreditável, mas durante essa celebração do
consumismo e do mercado acontecem até mortes e acidentes envolvendo
consumidores: o site blackfridaydeathcount.com registra desde 2006 diversos incidentes
ocorridos durante a Black Friday – de pessoas pisoteadas enquanto tentavam
chegar às prateleiras com “ofertas tentadoras” e até mesmo mortes, como um
motorista que dormiu ao volante ao voltar para casa após passar horas na fila
para fazer compras.
Evidente que todos somos consumidores, em maior ou menor
escala. Precisamos de alimentos, roupas, transporte, abrigo, energia e alguns
outros bens essenciais e fundamentais (dinheiro, por exemplo) para sobrevivermos. No entanto, o
insaciável “deus mercado” eleva à categoria “essencial” diversos produtos
atribuindo a eles sentimentos abstratos como felicidade, paixão e até amor. Há pessoas que viajam durante 30 horas para outro país apenas para comprarem um novo
smartphone cuja diferença do aparelho anterior é mínima e, provavelmente,
possui as mesmas funcionalidades. Quão essencial para a vida daquelas pessoas
é este aparelho? A euforia, a satisfação e até a “felicidade” da posse do novo produto dura pouquíssimo tempo – até o lançamento do próximo modelo
“revolucionário”.
Em todas essas manifestações consumistas existe na verdade o desejo de status. Ter o carro mais possante pode não adiantar muita coisa em
uma cidade cheia de buracos nas ruas e com péssima mobilidade urbana em vias
congestionadas, mas isso não importa muito; o smartphone mais moderno, as
roupas de grife mais caras, sapatos, relógios, a TV gigantesca no centro da
sala... tudo isso “agrega valor” (como
dizem alguns descolados) e são símbolos de distinção. É certo que as pessoas utilizam o seu dinheiro da
maneira como acharem melhor e há alguns recursos mais modernos que são realmente úteis, como um GPS
no automóvel ou no celular; a história fica complicada quando se acredita que
conceitos como sucesso e fracasso, autoestima e até felicidade estejam ligados
exclusivamente ao consumismo de produtos muitas vezes (e até mesmo na maioria
dos casos) supérfluos. E o que é feito com o supérfluo algum tempo depois? É
descartado, pois logo torna-se "velho e ultrapassado". Este modelo de “descarte” também vem sendo estendido para as relações
afetivas e até mesmo familiares. Não é um modelo nada interessante a ser seguido e nem
estimulado, principalmente quando se chega ao estágio de "coisificar" pessoas e "humanizar" as coisas.
E assim retornamos ao século XVII, mais precisamente na
França, onde encontramos uma máxima do Duque de La Rochefoucauld que é bastante representativa para nossos tempos de consumismo onde pessoas até morrem em busca de produtos
que conferirão algum status e distinção: “O mundo recompensa com mais
frequência os sinais de mérito do que o próprio mérito.”. Na sociedade de
consumo e construção de personalidades, faz muito sentido.
Há algumas semanas assistimos na escola um vídeo que relata a influência da propaganda na vida de crianças, e como esse consumismo exacerbado e seus significados simbólicos que conferem status já começam a afetar o ser humano desde seus primeiros anos de vida, inclusive no que diz respeito à saúde, já que até um salgadinho e uma bolacha recheada 'de marca' já conferem status entre os coleguinhas da escola (até em excursões é possível observar isso), e como a criançada ingere açúcar e gorduras em excesso; sem falar na quantidade de dinheiro que se gasta numa mochila, num caderno, porque tem um personagem de desenho conhecido, por exemplo.Infelizmente é como diz aquele meu ídolo que você já conhece bem (rsrs): Propaganda é a arma do negócio/ No nosso peito peito bate um alvo muito fácil/ Mira a laiser, miragem de consumo/ Latas e litros de paz teleguiada.
ResponderExcluirO resultado a longo prazo é esse mesmo: agrega-se valor somente materialmente falando, porque o que deveria ter valor de fato, a essência, os sentimentos, o convívio, as necessidades emocionais de cada um, tudo fica à margem, sendo suprido por bens materiais. Quem é mesmo o dono de quem?
Mari, muitíssimo obrigado pelo seu rico comentário. Este vídeo que você faz referência é o documentário "Muito além do peso"? É excelente, levanta uma série de questões relevantes para pais, professores e sociedade em geral. :)
ExcluirJaime,
Excluiracredito que o vídeo ao qual a Mari se refere é o Criança, A Alma do Negócio
abraços
Essa é a vitória do capitalismo voraz e impiedoso.
ResponderExcluirEle é injetado em nossas veias como se fosse algo benéfico.Essa falsa sensação de poder.Essa facilidade ao nosso alcance."Pague em um trilhão de parcelas".E essa cegueira que por muitas vezes nos pega de jeito.
Eu já tive esses momentos de insanidade de comprar além do que realmente é preciso.Eu já estava beirando a loucura.Fazia mil contas e depois passava aperto pra pagar(eu não,meu pai.rs)
O auge da minha doença foi um dia ter saído de casa em direção ao Shopping e comprar 12 frascos de perfumes importados...nem vou falar quando deu a conta.Foi algo do qual me envergonho até hoje.Muita falta do que fazer,né?rsrs...Mas melhorei sensivelmente com a ajuda de terapia e,principalmente,vergonha na cara,conscientização.Chega uma hora que temos que dizer"CHEGA!"
É algo muito difícil você não deixar se seduzir pelas compras 'fáceis',que te oferecem mil formas de pagamento.Agora é tempo,com o Natal batendo na porta,o povo fica transtornado.Fazem conta pra pagar até a milésima geração.E realmente,é um consumismo vazio.Isso é apenas o reflexo de uma sociedade vazia,estúpida,refém dessa política econômica sórdida,que quer imbuir em nós falsos valores.Somos apenas uma sequência de números do cartão de crédito.Nada além disso.
Excelente texto!Ótima reflexão!
Beijão,Jaime!Dani.
Não sei dizer até que ponto estamos progredindo e retrocedendo. Acho um progresso que a sociedade tenha se tornado mais "sensível", isto é, se tornando mais tolerante, mais receptiva ao diferente e não aceite como natural coisas como a escravidão, exploração infantil, exploração sexual, violência, maus tratos aos animais, etc... Coisas que há poucas décadas muita gente concebia como natural ou "correto". Nesse ponto, acho que a sociedade está se tornando mais "humana".
ResponderExcluirAgora acho que o retrocesso está no consumismo, que não acredito que seja uma coisa tão recente, mas a diferença é que hoje em dia existe uma "melhor distribuição do materialismo", quero dizer, até pessoas de baixa renda não encontram tantas dificuldades para comprar, inclusive, um iPhone já que podem parcelar em várias vezes... Sinceramente acho muito difícil que esse quadro de consumismo excessivo possa ser revertido, uma vez que a publicidade em revistas e principalmente na televisão, além da venda do fútil através de artistas e jogadores de futebol (só pra ilustrar) têm o poder de exercer uma coerção psicológica tão poderosa que quem não tem o "essencial" começa a se sentir inferior. Pra dificultar as coisas, o consumismo a este nível é o que gera empregos, embora destrua tanto a natureza quanto o psicológico das pessoas.
Também não sei se há como abrir os olhos das pessoas, pelo menos por enquanto. É tremendamente difícil subverter esta cultura de consumo por si própria, assim como qualquer tipo de cultura. Leva tempo e é comum que as pessoas só abram os olhos depois que sintam na pele as consequências de qualquer coisa. Ainda mais em uma sociedade que já nasceu exposta à tecnologia e ela vem se tornando um item de sobrevivência. Até algum tempo, era possível viver sem energia elétrica, hoje é praticamente impossível (se bem que a eletricidade não está diretamente ligada ao consumismo).
Enfim, também penso que a degradação de valores familiares e sociais constribui para a coisificação das pessoas. Uma pena! O repúdio às religiões se tornou tão forte devido ao crescimento da corrupção religiosa e do ceticismo que valores ensinados pela religião, infelizmente, estão sendo deixados de lado.
Nossa, não sabia que pessoas chegaram a morrer por causa de eventos como a Black Friday... que coisa mais insana.
ResponderExcluirHoje as coisas evoluem tão depressa que tu mal termina de pagar um celular e já aparece outro "melhor", com novos recursos e tudo mais. As pessoas parecem nunca estarem devidamente satisfeitas com o que tem e acabam sempre adquirindo mais e mais futilidades e torrando seu tempo e dinheiro com aparelhos e outras coisas desnecessárias.
Incrível como vivemos em uma sociedade que consegue nos convencer de que determinados bens materiais são realmente itens indispensáveis para a vida... ainda mais em uma sociedade repleta de exemplos de desigualdade econômica, onde um tem muito e outro quase nada.
Jaiminho,
ResponderExcluirretorno com calma, tá bom?
Já fiz uma primeira leitura, mas teus textos exigem mais leituras, não apenas a do consumo imediato hehe
Beijos e volto até o fim de semana!
Ótimos dias, amigo :)
Olá, professor!
ResponderExcluirÉ a tal sociedade do espetáculo. O q não sabemos é quanto (e se) vale o "show". A síntese é q estamos na m... mas acompanhamos isso num telão em HD e reclamamos usando numa conexão de 10Mb+. São estranhos esses dias.
bjohnny!
Jaiminho, meu amigo,
ResponderExcluirretornei.
Tanto a dizer, então resumo ao máximo.
Sou formada em Publicidade e Propaganda, e te sendo extremamente sincera, não posso te dizer que sou totalmente contrária ao consumismo e que certas frivolidades podem nos trazer a sensação de bem-estar e 'despistar' o nosso inimigo interior (lê-se: depressão, obsessões, fobias..., enfim). Uma sensação agradável, contanto que seja controlável e consciente, não sou contra não. Assumo que gosto de fazer pesquisas de produtos, compras, e que já viajei também para adquirir produtos que conseguiria melhores e com melhor preço, mesmo tendo o gasto da viagem incluso, mas que poderia ser apenas uma viagem para algum lugar onde eu não teria oportunidade de fazer essas compras, ou seja, consegui aliar uma coisa com a outra, e foi para Buenos Aires, uns 1200 km daqui, onde fiz o enxoval da filhota e ainda fiz todos os passeios, cidade encantadora pela qual sou apaixonada.
Fora isso, conveniências de preço e qualidade; pequenas sensações a alegria, (como se fosse doses de glicose de ânimo:) as quais estou de acordo, contando que, repetindo, a pessoa esteja controlada e 'consciente', no demais, concordo totalmente com tua tese em que colocaste de forma objetiva e inteligente como sempre.
Recordei-me de um filme do Jerry Lewys, mas não do título aqui no Brasil... onde ele trabalhava numa loja de departamentos que estava com uma super liquidação, sabe que filme me refiro? Tem uma cena magistral onde os clientes invadem a loja e praticamente a saqueiam. Bem isso mesmo.
Beijos grandes!
Olá, Jaime.
ResponderExcluirRealmente, muita gente acaba esquecendo que o ser é mais importante do que o ter e leva a vida (ou melhor, existência) comprando a quinquilharia modernosa da semana (como se ela fosse fazer alguma diferença).
Triste que estas pessoas não consigam ver que os maiores bens que podemos ter nessa vida são imateriais e não podem ser comprados, apenas aprendidos e adquiridos.
O filme que a Ana citou é o Errado pra Cachorro, onde Lewis trabalha em uma loja de departamentos e o dono do lugar faz de tudo para tentar despedi-lo (filme dos bons tempos em que a tv aberta passava filmes inteligentes em qualquer horário).
Abraço, Jaime.