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A fome é uma obscenidade
Parar em um semáforo e distrair-se com alguma coisa não é recomendável em tempos de assaltos e violências desmedidas nas grandes cidades, mas a cena realmente chamava a atenção: três mulheres revirando a carroceria de um caminhão de lixo que estava parado próximo a um pequeno supermercado.
As mulheres pegavam os restos de frutas, verduras e legumes descartados pelo estabelecimento e colocavam tudo dentro de um grande saco; no minuto em que vi esta cena, um dos coletores de lixo apareceu e fez gestos que demonstravam impaciência ou talvez a disposição em expulsá-las dali – não pude ver mais porque os carros atrás de mim começaram a buzinar alertando para o sinal verde.
Também não é nada recomendável dirigir distraído, mas ao observar aquela cena imediatamente lembrei-me do poema de Manuel Bandeira, chamado “O bicho”:
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Coincidentemente isso aconteceu na semana em que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) divulgou um relatório que traz um fato estarrecedor: aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente em todo o mundo. Com tantos alimentos e com tecnologias que facilitam a produção, o transporte e a distribuição, é inadmissível que no século XXI ainda tenhamos 1 bilhão de pessoas passando fome no mundo. Josué de Castro, intelectual brasileiro que estudou a fundo tal problema, dizia que a fome (ao lado da guerra) é " uma criação humana" - ou seja, definitivamente não se trata de falta de alimentos.
Coincidentemente isso aconteceu na semana em que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) divulgou um relatório que traz um fato estarrecedor: aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente em todo o mundo. Com tantos alimentos e com tecnologias que facilitam a produção, o transporte e a distribuição, é inadmissível que no século XXI ainda tenhamos 1 bilhão de pessoas passando fome no mundo. Josué de Castro, intelectual brasileiro que estudou a fundo tal problema, dizia que a fome (ao lado da guerra) é " uma criação humana" - ou seja, definitivamente não se trata de falta de alimentos.
Além da questão política, desde os tempos de escola que eu ouço sobre o Brasil ser “o
celeiro do mundo” por conta de seu imenso potencial para a produção
agropecuária - e pelo visto um grande potencial também para o desperdício, pois nada menos do que 26 milhões de toneladas de alimentos vão parar no lixo. Nas feiras livres, nos supermercados ou mesmo em casa são
diversos os motivos que levam ao desperdício e é angustiante saber que a
quantidade de comida jogada no lixo poderia alimentar milhares de pessoas.
Iniciativas como os Bancos de Alimentos são excelentes, mas também podemos ajudar
com pequenas atitudes de consumo consciente.
A escritora Hilda Hilst afirmou que a fome (e a miséria) é uma obscenidade. É realmente obsceno ver pessoas fuçando a carroceria de um caminhão de lixo ou mesmo lixeiras e depósitos em busca do alimento para elas e até para os filhos. E ao relembrar as tantas vezes em que já desperdicei alimentos ao longo dos anos, fiquei envergonhado com minha própria indecência.
A escritora Hilda Hilst afirmou que a fome (e a miséria) é uma obscenidade. É realmente obsceno ver pessoas fuçando a carroceria de um caminhão de lixo ou mesmo lixeiras e depósitos em busca do alimento para elas e até para os filhos. E ao relembrar as tantas vezes em que já desperdicei alimentos ao longo dos anos, fiquei envergonhado com minha própria indecência.
Fala meu nobre Jaime,
ResponderExcluirVocê focou num problema que eu acho bem mais certeiro com relação à fome no planeta: o grande desperdício de comida.
Não sei qual é a sua visão sobre o assunto, mas eu não concordo com quem prefere centralizar toda a sua crítica na questão da superpopulação mundial em vez do desperdíco, porque aí descamba fácil para propostas superficiais e demagógicas como controle de natalidade (de pobres, lógico, como se a pobreza em si fosse o problema, e não o sistema que a causa) entre outras.
Nosso sistema é injusto e cruel, e não cabem mais remendos. É preciso mudar o sistema.
Um grande abraço!
Grande Almir, muito obrigado pelo seu comentário. E eu sigo a mesma linha de pensamento do professor Josué Castro, que foi um ferrenho opositor da relação entre superpopulação = fome. A política, a má distribuição e o desperdício contribuem significativamente para este triste quadro que ainda temos. Concordo plenamente: é preciso mudar o sistema.
ExcluirUm grande abraço!
Bem isso, Almir!
ExcluirTriste realidade, conheço o trabalho de Josué de Castro, graças a um professor meu que o estuda, e realmente é triste o mundo que vivemos. Cada vez mais temos a sociedade segmentada, uns na extrema pobreza enquanto outros na extrema riqueza, se é que riqueza pode ter um extremo. Gostei bastante do texto em si, parabéns!
ResponderExcluirRodolfo Soares
Um guarda-livros
Obrigado, Rodolfo, por sua visita e comentário. Infelizmente ainda encontramos essa desigualdade muito grande quando já poderíamos ter avançado. Um abraço!
ExcluirJaiminho, meu amigo!
ResponderExcluirRetorno para uma leitura com calma como merecem teus textos, mesmo que não comente, retorno.
Beijos e ótima semana!
Cissinha, minha querida amiga, eu fico muito grato! Sempre uma honra! Bjs e obrigado!
ExcluirÉ realmente uma obscenidade essa situação que, com os avanços tecnológicos e biológicos já deveria fazer parte do passado, ainda aconteça. Nosso mundo parece estar cada vez mais parecendo uma pirâmide, com a parte de cima cada vez mais fina. Poucos em cima esmagando a base, em prol de um estilo de vida cada vez mais insustentável, esquecendo-se que todos viemos ao mundo da mesma forma.
ResponderExcluirPostei link para teu texto no Face, há pessoas que precisam se lembrar que essa situação existe.
É verdade, já deveríamos ter avançado em relação a tamanha desigualdade. Obrigado por compartilhar o link, Mari. :)
ExcluirA fome da ibope.Esse é o grande problema.
ResponderExcluirQuem lucra com a fome?Quem lucra com o caos na Educação?Quem lucra com o caos na Saúde?Quem lucra com a violência?Alguém está lucrando com essas barbáries..Não há vontade política para isso.E a obscenidade se torna maior,uma vez que o Brasil é um monstro da agricultura e mesmo assim o sendo,deixa uma boa parcela de seu povo passando fome..A África é aqui mesmo!É algo criminoso,imoral,abominável,assim como toda política nacional,mundial e quiçá extraterrestre.
Excelente e consciente texto,como sempre!
Beijão,Jaime!Dani.
Perguntas que mereceriam boas respostas, Dani. Muito obrigado! Grande Beijo!
ExcluirOlá, professor!
ResponderExcluirImpossível não lembrar do Betinho ao ler isso... Estamos carentes de empatia. O preocupante é q não bastasse não sermos capazes de nos identificar com a parcela mais miserável da população, fomos além do absurdo e criamos um mecanismo mental coletivo q os torna invisíveis. Obsceno talvez seja o bicho q nos tornamos.
Que tenhamos mais atitudes como os bem-aventurados que, como vc ressaltou no post anterior, buscam soluções práticas. Claro q não podemos mudar o mundo, mas (e com todos os clichês q essa frase possui) podemos sim mudar o mundo de alguém com nossos gestos. Estamos sempre esperando q a solução venha e às vezes esquecemos q somos parte dela, somos corresponsáveis.
bjohnny!
Moça cabofriense, muito boa a lembrança do Betinho e também sobre a empatia que nos falta em diversas ocasiões. Bjks!
ExcluirObrigado, grande poeta Satoru! Grande abraço!
ResponderExcluirVoltei, Jaiminho!
ResponderExcluirComeço pelo "O bicho", penso que poema algum reflete tão bem esse estado de miséria e 'obscenidade'.
Além do desperdício, há a má distribuição. Uma alface que é paga ao produtor em torno de 14 centavos o molho (segundo um pequeno produtor de alface aqui do RS com quem conversei), chega no supermercado a quase 2 reais. As pessoas não tem dinheiro para comprar. E quem está na linha da miséria, sequer tem condições de deslocamento.
Aqui na Ilha das Flores, uma ilha do Rio Guaíba (que banha Porto Alegre), existe o caos e o paraíso. Mansões, mansões mesmo, numa parte da ilha; na outra, os papeleiros..., muitas vezes fazem sopa de papel, sim, isso que escrevi: pegam papel e cozinham com sal e dão aos filhos, Jaime... para 'enganar' a fome...
Lembrei também da música do Ultraje a Rigor, deixo aqui o vídeo para ti:
http://www.youtube.com/watch?v=aW7je-qdt4o
Excelente publicação!
Beijos!
Cissinha, o que acontece na Ilha das Flores é quase uma síntese do que temos de modo geral, não é mesmo? Que horror. Obrigado pelo vídeo, gosto do Ultraje a Rigor. :)
ExcluirBjs e obrigado!
Nossa esse poema que vc colocou aqui é mesmo forte... Principalmente se transportado para os nossos dias, o corre corre que vivemos.
ResponderExcluirMeu Deus quantas pessoas passam despercebidas pela rua por nós, com fome, frio e nós nem os enxergamos mais!
Teu post me acendeu uma lâmpada aqui! Preciso mudar algumas coisas na minha visão de vida.
Bjs
Obrigado, Camila. E nem precisamos fazer grandes coisas - apenas pequenos gestos diários já seriam de grande mudança.
ExcluirBjs!
Olá, Jaime.
ResponderExcluirA fome, nos dias de hoje, é realmente uma obscenidade e uma forma triste e irrevogável de vermos que o sistema não funciona, já que, se só funciona para determinada parcela da população, então não funciona como deveria.
E o mais triste sobre esta mazela é que não há forma visíveis de ela terminar ou, pelo menos, ser minimizada, já que as nações (e as pessoas) ricas parecem pouco se importar com os mais necessitados.
Creio que o que podemos fazer é consumirmos racionalmente e em hipótese alguma jogar comida fora.
Abraço, Jaime.
Fantástico post!
ResponderExcluirEstou meio sumida, mas sempre te acompanho! Beijocas
Zaz