atitude
mudança
Paulo Freire
pequenos gestos
síndrome de Hardy
Tolstói
valorização
Mudar é difícil, mas é possível.
O
escritor Liev Tolstói, autor de obras clássicas como “Guerra e Paz”, “Anna
Karenina” e vasta produção literária, relatou em um texto intitulado “Mas
precisa mesmo ser assim?” as condições precárias em que muitas pessoas viviam
na Rússia, descrevendo o cenário de desigualdade social no último quartel do
século XIX:
“Algumas
pessoas andam em cavalos robustos, bem alimentados, perambulando, passeando;
outras trabalham, torturadas, em cavalos
mal alimentados e vão trabalhar a pé. (...) Algumas [pessoas] leem em quatro
línguas, deleitando-se todos os dias com uma variedade de distrações; outras
não sabem o alfabeto e não conhecem outra alegria a não ser de se embriagar”.
No Brasil temos a figura de Paulo Freire, o patrono da Educação brasileira, que
também denunciava a desigualdade e opressão das quais as pessoas sofriam – e ainda
sofrem - em nosso país, como registrado em uma de suas cartas pedagógicas:
“Não
posso, por isso, cruzar os braços fatalistamente diante da miséria, esvaziando,
desta maneira, minha responsabilidade no discurso cínico e ‘morno’ que fala da
impossibilidade de mudar porque a realidade é mesmo assim.”
O que Tolstói e Freire têm em comum? Ambos não se conformavam com situações que
julgavam injustas e opressoras. E
passaram do discurso à ação: o russo utilizou seu talento literário para criar cartilhas com as primeiras letras e contos para crianças - e ainda fundou uma
escola para os filhos dos camponeses pobres na propriedade da família, em
Iasnaia Poliana; já o brasileiro, com base em sua extraordinária percepção da
realidade e considerando os alunos como sujeitos históricos e munidos de
saberes, criou um modelo de alfabetização simples e revolucionário para adultos, principalmente das camadas populares e comunidades rurais.
São figuras inspiradoras como estas que nos ajudam a superar algumas
frustrações no cotidiano. Repare quantas vezes reclamamos sobre situações
relacionadas à nossa vida pessoal ou profissional durante o dia. Reclamar é um
desabafo, isso todos nós fazemos quando não estamos satisfeitos com alguma
coisa; o problema é quando paralisamos a vida no eterno queixume e não fazemos
nada a respeito para mudar – e não são poucas as pessoas que só enxergam duas
opções: continuar a reclamação ou se acomodar porque “a coisa é assim mesmo”.
Novamente recorrendo a Tolstói, o escritor russo nos lembra que a História é feita de pequenas coisas que as
pessoas comuns fazem todos os dias. Nestes
tempos de culto ao desempenho, vivemos na expectativa de sucessos profissionais
e pessoais que serão alvos de holofotes e honrarias – assim é criada uma visão
padronizada do que é ser “bem sucedido” ou "vencedor", principalmente em relação ao status
social. No entanto, como não considerar bem sucedido o trabalho de uma
enfermeira que ajudou a salvar uma vida ou de uma professora que ensinou uma
criança a ler e escrever? Nem sempre estas e outras tantas ocupações (e seus
profissionais) são valorizadas como deveriam – e o verbo “valorizar” não se
resume apenas ao aspecto financeiro.
A melhor opção, ao invés de reclamar incessantemente, é agir. Todas as pessoas
são dotadas de alguma habilidade que pode ser bastante significativa na vida de
outra pessoa ou de uma comunidade inteira. Não precisamos nos preocupar se
nossas ações serão merecedoras de grandes prêmios e honrarias – evidente que o reconhecimento faz bem para a
autoestima, mas o primeiro passo é valorizarmos o que fazemos e em seguida
deixar de lado a “Síndrome de Hardy”, tal como a hiena do desenho animado que
reclama de tudo e acha que nada dará certo. Sim, o sistema, o governo, a
burocracia... tudo isso e tantas outras situações são desanimadoras, sem
dúvida, mas pense se é melhor continuar como a hiena Hardy ou se é preferível
adotar uma outra atitude mesmo em um cenário aparentemente não muito favorável.
“Nós nascemos para agir”, escreveu o francês Montaigne em seus “Ensaios”. E não
importa se a ação parecer pequena ou insignificante: lembre-se de Rosa Parks, a
costureira negra norte-americana que não cedeu seu lugar no assento das
primeiras filas no ônibus a um homem branco, conforme determinava uma lei
absurda no estado de Alabama. O ato da costureira, que foi presa, inspirou não
apenas a luta antissegregacionista nos Estados Unidos no final da década de 50,
mas também a um jovem pastor chamado Martin Luther King.
Para Paulo Freire, “mudar é difícil, mas é possível”. Reconhecer as
dificuldades e não se conformar com uma realidade faz parte do processo de
mudança. Que sejam atitudes aparentemente pequenas, mas o que não precisamos é erguer mais muros, pois às vezes nos
preocupamos tanto se os tijolos estão firmes que esquecemos uma ação muito
simples: abrir a janela e enxergar novas paisagens e possibilidades.
REFERÊNCIAS:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
TOLSTÓI, Liev. Os últimos dias. São Paulo: Penguim Classics Companhia das Letras, 2011.
Fala meu chapa Jaime,
ResponderExcluirExcelente paralelo entre esses dois inconformados, cada um em seu momento e contexto históricos.
Pra mim, Paulo Freire é um exemplo mais próximo, uma pessoa que serve de referência todos os dias e uma figura que merece ser reverenciada tanto na pedagogia quanto na área política.
Grande abraço.
Valeu, Almir! Paulo Freire é de fato uma figura admirável! Obrigado, um abraço!
ExcluirJaiminho,
ResponderExcluirdei uma pré-lida :) Retorno com calma.
Grande beijo!
E "a ousadia move o mundo".
ResponderExcluirEu acredito.
.
Bom vê-lo acreditando também. :)
.
Hoje já é quinta! \o/
Beijo. :*
Antes tarde do muito tarde. :) Bjs!
ExcluirPaulo Freire é uma mente brilhante,desbravador!Imortal,através de sua obra,seus ensinamentos..A dignidade em suas palavras é algo emocionante,motivadora!A inquietude desse MESTRE é que está faltando hoje na prática educacional no Brasil.Sua pedagogia voltada para a conscientização tanto do aluno quanto do professor, lutando contra uma educação volátil,como ele mesmo diz “educação bancária”.Pessoas como ele, Darcy Ribeiro fizeram a diferença e continuam fazendo através de seus legados.
ResponderExcluirSeu empenho na alfabetização de adultos e na educação em toda a sua complexidade e dimensionalidade é algo que nem sei explicar em palavras,é um toque de Deus.
Tem um vídeo do Paulo denominado “Diálogo de Paulo Freire com crianças sobre sua atuação como Secretário de Educação” onde ele dá um show de sabedoria de uma forma tão simples,tão natural e tão respeitosa com as crianças..lindo!
Feliz o país que tem(no presente mesmo)Paulo Freire!Ele vive em cada educador que faz a mudança acontecer.
Que façamos a nossa parte,a nossa melhor parte,seja em que esfera for.Sim,é possível!Agindo do micro,mudamos o macro.E isso não é teoria barata,ela funciona,de verdade!
Parabéns pelo texto inspirador e provocador.Muito boa a ideia de colocar os links para que possamos nos integrar mais ao contexto das postagens,para uma melhor compreensão das mesmas.
Beijão,Jaime!Dani.
Eu que agradeço o seu comentário inspirado, Dani. É o que costumo dizer: o Brasil tem figuras do porte de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira na área educacional. Não precisamos "copiar" modelos externos - basta aplicar o que os nossos pensaram e praticaram. Bjs e obrigado! :)
ExcluirJaiminho querido amigo,
ResponderExcluirretornei.
Belíssimo texto, para mim diz muito e muito!
Recordei de algo que pode acrescentar de alguma forma: assino a página da Feria del Libro de Buenos Aires e eles estão escolhendo o homenageado (que deve ser um brasileiro), para a próxima feira de número 40 que será ano que vem em maio. A cidade homenageada é São Paulo e o homenageado, além de assim ser nomeado, tem e tarefa de responder a imprensa e dar a palestra-mor de toda a feira. E o escolhido em voto popular? (entre os argentinos) Paulo Freire! Acredita? Até que lá pelas tantas alguém levantou a questão de que ele não poderia estar presente... por motivos óbvios :)
Digo com isso que, além do prestigio aqui no Brasil, as ideias libertadoras de uma educação construtivista conquistaram o respeito da latino-américa.
Além disso, toda mudança vem do inconformismo.
Também admiro muito o celeste Eduardo Galeano, e com ele termino em pequeno poema elucidativo.
Grande beijo!
"De nuestros miedos
nacen nuestros corajes
y en nuestras dudas
viven nuestras certezas.
Los sueños anuncian
otra realidad posible
y los delirios otra razón.
En los extravios
nos esperan hallazgos,
porque es preciso perderse
para volver a encontrarse."
- Eduardo Galeano -
Por que acredito en Quijotes e em possibilidades, mesmo que matematicamente impossíveis!
ExcluirFiquei emocionada...
Mais beijos!
Querida amiga Cissinha, muito obrigado por trazer essa informação do Paulo Freire e esse poema do não menos admirável Eduardo Galeano - de que eu sou fã! :) Um beijo e grato mais uma vez!
ExcluirÓtimo paralelo! o didatismo do Liev pode ser muito bem inferido de Guerra e Paz. A contextualização histórica no inícios de capítulos faz nos enxergar a alma de uma época, com o brilhantismo de mostra a literatura!
ResponderExcluirBah, meu amigão Jaime!
ResponderExcluirComo sabe, estou dando uma pausa no blog, mas vim especialmente te agradecer pelo carinho das palavras na publicação que fizemos em parceria, eu e o Jorge Pimenta.
Estarei sempre por aqui, cê sabe!
Te passei uma mensagem...
Beijinhos!
li tolstói, estudei freire, e como a analogia que aqui fazes tem tanto sentido. grato por me ajudares a ligar linhas que tinha em mãos separadas.
ResponderExcluirum abraço, jaime, e um agradecimento pela visita e pelas palavras lá no orvalho!
Jaime é isso mesmo, todo mundo tem alguma forma de voz e não sabe usar.
ResponderExcluirEu mesma aprendi que posso mostrar o que penso e mobilizar pessoas a pensar em assuntos através do meu blog.
É pouco? Sim, é quase nada, mas é algo... Se cada um fizer um pouquinho a coisa anda mais!
Excelente texto o seu! Adorei!
Ps: Adorei teu comentário tb, muito sábio! Obrigada!
Texto digno de ser compartilhado.
ResponderExcluir"(...)a História é feita de pequenas coisas que as pessoas comuns fazem todos os dias..." Talvez justamente por hoje as pessoas buscarem objetivos que lhes traga reconhecimento, que caem nessa armadilha de que um pequeno ato não vale a pena, pois passando despercebido pela multidão não será de fato significativo. Mas são as pequenas atitudes que realmente fazem a diferença (e essa é uma frase tão clichê, mas muito utilizada justamente porque temos que ser constantemente lembrados disso).
Reclamar e nunca mover uma palha para tentar mudar o que não está bom é uma das piores facetas do comodismo.