O ajudante da professora Clarice



A professora entrou na sala, deu bons-dias, ajeitou seu material sobre a mesa e, após alguns minutos até a turma finalmente fazer silêncio, começa a aula de História. 

- Hoje nós vamos estudar sobre um povo muito antigo, conhecido como Incas. Alguém já ouviu falar nos Incas?


No meio da sala um menino tímido, de óculos de grau, levanta a mão, empolgado – o que surpreendeu a professora, pois aquele aluno é tão calado – e diz: 

- Eu conheço, professora! Os Incas viviam na Montanha dos Andes (sic), no Peru. Eles eram muito avançados para a época! 

Os colegas olharam para o menino e a professora, orgulhosa, diz:


- Muito bem, Jaime! Já tenho um ajudante para as minhas aulas! 

A memória é uma coisa engraçada. Existem fatos dos quais fazemos um grande esforço para a lembrança, enquanto outros simplesmente desaparecem ou retornam de maneira tímida, apagada. Algumas coisas, porém, se mantém vivas na memória e sempre temos lembranças dos tempos de escola e de professores que passaram por nossas vidas.


Tenho boas lembranças de meus professores. A professora Clarice, de História, que me fez gostar mais ainda de História na 5ª série promovendo viagens através do Egito Antigo, Mesopotâmia, pela América pré-colombiana; a professora Dalva, de Português, que pouco sorria e nas aulas ninguém “dava um pio”, mas me apresentou gente muito simpática como Orígenes Lessa, Marcos Rey, Ganymédes José e Carlos Drummond de Andrade, apenas para começar; como esquecer de toda a calma e paciência do mundo do professor Sérgio, de Geografia, com aqueles mapas-múndi dos quais eu me debruçava procurando nomes exóticos de cidades no Oriente, na África, no interior do Brasil?

Tenho más lembranças de alguns poucos professores também, mas não quero recordá-las hoje; sei das dificuldades do magistério – por experiência própria, inclusive - e da falta de valorização e respeito ao docente pelos governantes e até mesmo por uma parte da sociedade – afinal, temos atualmente o fenômeno da “escola transbordante”, nas palavras do professor António Nóvoa: “hoje há um excesso de missões dos professores, pede-se demais às escolas, pede-se demais aos professores (...) e [isso] tem criado para os professores uma situação insustentável do ponto de vista profissional”. Hoje eu quero cantar “She loves you”, dos Beatles, e lembrar do professor David dando aulas de inglês com esta música; quero reler uma poesia de Florbela Espanca e assim lembrar do sotaque português da professora Celeste ao declamá-la; quero lembrar da dedicada professora Maria Helena, da 1ª série, que incentivava a leitura de Histórias em Quadrinhos – e sabemos que as HQ´s, até pouco tempo atrás, não gozavam de “bom prestígio” entre vários educadores.

O dia 15 de outubro é um dia para reflexão sobre a atividade docente, mas também para relembrarmos professores inesquecíveis. Vi uma frase na internet, de fonte anônima*, que é bastante interessante: “Se não morre aquele que escreve um livro ou planta uma árvore, com mais razão, não morre o educador, que semeia vida e escreve na alma”. Depois de tanto tempo, a professora Clarice tinha razão: eu me tornei um ajudante – não especificamente para as aulas de História, mas para juntar-me aos colegas educadores que semeiam vida e escrevem na alma dos educandos. E quando uma senhora de 58 anos de idade, após tantos anos sem estudar, me agradece e diz que está realizando um sonho em aprender, lembro de Paulo Freire falando do “sonho da reinvenção constante”, do “sonho da libertação”, “sonho de uma sociedade menos feia, menos malvada” e penso que minha querida professora de História ficaria orgulhosa de mim, por ser um bom ajudante.   

* Busquei referências da autoria desta frase na internet e encontrei autorias diversas: de Jean Piaget a Bertold Bretch – não, Clarice Lispector não é a autora.  

14 comentários:

  1. Sublime, Jaime! Motivou outros cronistas a escrever sobre o tema.

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  2. Ser professor é um dom?É,talvez seja.
    O cenário educacional hoje está tão crítico que,para se estar em uma sala de aula lecionando tem que ter algo motivacional muito proeminente,algo além do que nossa vã consciência pode indagar.
    Paixão!
    Lógico que há aqueles que empurram com a barriga(talvez,a maioria),pobres enganados,dispersos no nada,passarão em vão.Prejudicam a eles mesmos.
    O professor de verdade é um apaixonado pelo que faz.Há dores?Sim!mas não há vitórias sem sofrimentos.Não há pedras lapidadas,sem se retirar o bruto,e esse,esfola nossas mãos.
    É,o que importa é a certeza de que se faz o melhor.Que você doa o melhor de si.

    Parabéns a todos os mestres!
    Vocês são a base do nosso País,e essa não é uma frase de efeito,é uma frase sangue,suor e luta diária em meio a desvalorização que machuca,e nem sei expressar o quanto..

    Beijão,Jaime!Dani

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  3. Meu querido Jaime, confesso que fiquei sem palavra diante de sua postagem. Seu texto ficou breve, porém, completo. Vc abordou tudo o que precisávamos ler neste dia 15 de outubro.

    Fico triste quando vejo o quão desvalorizados ainda somos e o quão desmotivados muitos de nós têm se sentido. Mas, ao mesmo tempo fico feliz por vc fazer parte de mesmo grupo que eu, de ajudantes/professores.

    bjks JoicySorciere => CLIQUE => Blog Umas e outras...

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  4. Olá, Jaime.
    Com toda a certeza, ser professor neste país não é nada fácil, e acredito que uma das maiores recompensas destes bravos guerreiros do cotidiano é saberem que conseguiram influenciar (ou até mudar) a vida de seus alunos de forma definitiva.
    Esta é uma das profissões mais nobres que existem e deveria ser vista de outra forma pelo governo.
    Creio que cada um de nós guarda boas lembranças de seus professores preferidos, o que é algo que não tem preço.
    Abraço, Jaime.

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  5. O professor precisa ser mais valorizado, afinal, é a profissão que ensina as outras profissões.

    Ótimo texto!

    Abçs,
    Danilo Moreira

    http://blogpontotres.blogspot.com.br/
    Novo post: Sobre novelas e umbigos

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  6. Jaiminho,

    Tudo bem?

    Em primeiro lugar, parabéns pelo dia. Sei que é clichê, pois, hoje o dia foi dedicado para essas felicitações. Mas, esquecer também não resolve o problema, pois não há atenção e volorização, além dos enfeites rosas e imagens no facebook.

    Em segundo lugar, fiquei pensando na questão da palavra ajudante, usada pela mestra que já retratava em outra época a ideia do ensino colaborativo, complementos entre sujeitos.

    Essa semana li na Veja uma reportagem que falava que ensino integral era tolice e que ampliar horário para atividades extras não levava a nenhum avanço, pois o que valia era aumentar a carga de português e matemática. Achei uma baboseira, pois não havia alí o sentimento de pertencimento ou de cidadania, mas apenas uma guerra por resultados. Claro que o Brasil precisa de mais engenheiros, mas só quando uma criança resgatar o sonho de seus antepassados frente a aportunidades na educação, a equação será exata, pois haverá conexão, interdisicplinariedade e não conhecimento dividido. E aí a comparação que temos a mesma carga horária da China, Japão e Europa, mas com foco em tranversalidades, como a questão indigena, será real, pois haverá avanço e a alternativa do aluno em focar na área que mais represente o seu talento.

    Enfim, que outros se juntem aos bons ajudantes.

    Beijos.

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  7. Ah nossa!
    Como o professor é culpado de algumas de nossas paixões!

    Tenho varias por isso. O meu professor de portugues me fez amar livros. O de historia me fez querer viajar o mundo, amo historia e a de biologia me fez bióloga! Me formei porque queria ser ela quando crescesse! Kkkk
    Bacana isso! Adorei teu post! Bjs

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  8. Oi, meu colega de profissão. Eu, professora "tipo primária, sou mais que uma alfabetizadora... Trabalho em CIEP , aqui num local "de risco... É muito difícil a vida d um professor(a) eu agradeço a Deus por descobrir que segui minha vocação* senão não estaria em sala de aula "lugar onde adoro estar; é meio confuso essa coisa de entender as crianças "cada um c seu problema e eu vou além da sala de aula ...É preciso! Aqui é preciso pois acabo me envolvendo.
    Adorei o que li e gosto demais de alunos que falam, que nos ajudam; é isso()! aquele aluno que "participa '"ele está "enriquecendo a aula* ...
    Tenho ótimas lembranças dos meus professores com raras exceções.
    Eu sigo você mas faz tempo que não vinha aqui, fui eu que perdi, podes crer.
    Esse tipo de leitura só acrescente "me faz bem ...
    A gente anda pela blogosfera e lê "coisas... "muita poesia e tal e às vezes fico até sem motivação, eu mesma ando escrevendo muita bobagem ...(?
    beijinho

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  9. Tem brincadeira lá no blog. Vem participar!

    criancasaprendemingles.blogspot.com

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  10. Olá, Querido Jaime! Dia dos professores, essas criaturas tão divinas e iluminadas [os verdadeiros professores]. Tive ótimos professores nos ótimos anos de escola. Tive alguns bons professores na universidade. Não quero lembrar dos ruins, pois assolam, até hoje, minha vida.

    T.S. Frank
    www.cafequenteesherlock.blogspot.com

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  11. Olá, Querido Jaime! Dia dos professores, essas criaturas tão divinas e iluminadas [os verdadeiros professores]. Tive ótimos professores nos ótimos anos de escola. Tive alguns bons professores na universidade. Não quero lembrar dos ruins, pois assolam, até hoje, minha vida.

    T.S. Frank
    www.cafequenteesherlock.blogspot.com

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  12. Jaiminho,
    passando para te ler, mas sem necessariamente comentar :)
    Beijos muitos!

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  13. Mas, bah, tchê!
    O comentário foi publicado???!!!
    Beijos!

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  14. Ahhh! Tem moderação!
    Beijinhos,Jaime.
    Sempre te lendo, tá bom?

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