Eleições e o voto "consciente".

(Charge de 2010, ainda bastante atual)


Reproduzo aqui um breve diálogo sobre as eleições municipais com alunos na sala de aula - os nomes de candidatos serão omitidos, naturalmente. 

- E aí, professor? Vai votar para FULANO prefeito, né?
- Não, este não é o meu candidato.
- Ah, devia ser, professor. Se FULANO não ganhar, vão tirar os computadores da escola.
- Como assim “vão tirar computadores da escola”, rapaz? Onde você ouviu isso?
- Ah, o pessoal falou.
- Mas que “pessoal” foi esse? Foi “pessoal do candidato”?
- Acho que foi, eu ouvi aí na rua, foi um pessoal dizendo.

Nisso, uma aluna intervém:


- Eu já escolhi o meu candidato, professor: vai ser SICRANO.
- Espero que sua escolha não tenha como base o “ouvir falar por aí”...
- Não, o pastor lá da igreja falou pra gente votar nele, então é melhor votar em quem a gente confia, né?

Estes dois exemplos, a partir de diálogos com alunos adultos da Educação de Jovens e Adultos (EJA),  são interessantes para tentarmos entender mais ou menos como funciona a dinâmica do voto na chamada “festa da democracia” - uma democracia na qual algumas responsabilidades eleitorais como voto e presença para ser mesário (caso o cidadão seja convocado) são obrigatórias.

No primeiro exemplo temos a boataria e a chantagem como “estratégia eleitoral” por parte de alguns simpatizantes do partido X ou do candidato Y: se o candidato FULANO perder, o bairro e os moradores ficarão abandonados e tão cedo não haverá melhora nos limitados serviços públicos para a comunidade. E há a tentativa de “demonizar” o candidato adversário atribuindo a ele ações que não podem ser feitas - como tirar computadores das escolas ou suspender o pagamento do programa Bolsa-Família.

Por que as pessoas acreditam nestes boatos e tentativas grosseiras de manipulação eleitoreira? Na verdade o que existe é mais falta de orientação do que informação, mas há um aspecto interessante que vale a pena prestar atenção: é a “emotivização da política”, para usar um termo de Giovanni Sartori, que fala especificamente da chamada “videopolítica”, uma política reduzida às emoções, “decapitando ou marginalizando cada vez mais as cabeças que falam, as talking heads, que investigam e discutem problemas”. Reparem a propaganda política na TV: por um lado mostra candidatos simpáticos, o perfil trabalhador, a origem humilde e destacando que sempre estiveram ao lado do povo; do outro lado as tentativas em desqualificar os adversários em campanhas de ataques em quadros que pintam “o pior” dos mundos caso sejam eleitos. “Faz parte do jogo político”, alguém pode dizer, mas neste caso vira um “Fla x Flu” onde as chamadas “propostas de governo” são colocadas em segundo plano e o “debate de ideias”, empobrecido. 




No segundo exemplo temos o que pode ser chamado de “voto evangélico”, mas não é possível reduzir tal voto ao pedido ou recomendação de um líder religioso - desta forma estaríamos superestimando pastores, padres, bispos e desprezando a autonomia e liberdade de pensamento dos fiéis de várias denominações. Ao reler o livro “Política para não ser idiota”, bastante oportuno neste período, reencontrei um trecho bastante interessante: (..)”em que medida o cidadão se reconhece num Estado que é construção dele! Queiramos ou não, este Estado é obra nossa. É obra de nossa incúria, da nossa ausência (...)  é obra também da nossa atuação, da nossa má escolha.”

E é desta forma que muitas vezes as pessoas permitem que “outros escolham” seus candidatos, e aí independe da denominação religiosa ou da condição social: seja por comodismo, desorientação ou “noção limitada de responsabilidade”, como diz Renato Janine Ribeiro, temos um quadro onde estas pessoas não estão conscientes do seu papel na construção do Estado e do que seja cidadania.

Tomando esses dois diálogos como exemplo, expliquei aos alunos o que é política - praticamos política quando fazemos um trabalho em grupo ou participamos de uma reunião no condomínio, por exemplo -, de como o voto é uma decisão pessoal e não deve ser “vendido” e nem submetido a benesses individuais ou ameaças, etc. Então o aluno do exemplo dos boatos tomou a palavra:

- Então indica um candidato que seja bom, professor, para a gente “não perder o voto”.

Obviamente não indiquei candidato ou fiz alusão a algum partido e lá se foi outra explicação sobre “perder e ganhar voto”, mas como se vê ainda temos um longo caminho na construção da democracia ( tão recente em nosso país) até chegarmos ao chamado pleno voto consciente.

Referências:
SARTORI, Giovanni. Homo videns: televisão e pós-pensamento. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
CORTELLA, Mário Sérgio; RIBEIRO, Renato Janine. Política: Para não ser idiota. Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2010.

6 comentários:

  1. Olá,Jaime.
    É impressionante que, mesmo após tanto tempo depois da extinção da ditadura, as pessoas ainda não deem valor ao voto, e pior ainda, achem que ele é uma mercadoria para ser trocada por migalhas.
    O que se vê ainda hoje em dia é que, ao invés dos candidatos mostrarem suas propostas, o que temos é uma espécie de terrorismo social, já que muitos acreditam que, se determinado candidato vencer, algum benefício será retirado ou tornado inconstitucional.
    E os "candidatos de Deus" (Deus me livre deles) estão por aí, se elegendo graças a ideia errônea que muitas pessoas ainda tem de que "se é da igreja, é bom".
    Isso só me faz lembrar da clássica frase de Sartré que diz que cada povo tem o governante que merece.
    Abraço, Jaime.

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  2. Gerações de brasileiros se sacrificaram para conseguir o direito de votar, e hoje em dia o voto, conquistado a duras penas, adquiriu o status de mercadoria.
    E esses boatos, do tipo "tal candidato vai tirar isso, vai fazer aquilo", como se tivesse plenos poderes e o município fosse uma província autônoma, só fazem com que a descrença das pessoas na política aumente ainda mais.
    O povo precisa se informar melhor e não vender o voto por migalhas, e nem votar em um candidato porque alguém indicou. Afinal, todos nós sofremos as consequências quando a maioria não sabe votar. Sad but true

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  3. AHHHHHHH, Jaiminho, seu LINDO... esse tipo de mentalidade tão tacanha me preocupa muito. Estão tentando encontrar outras formas de "comprar" votos e a coisas têm surtido efeito...

    Envolver religião com política é no mínimo retroceder centenas de anos!!!!!

    Enfim... tá complicado demais!!!

    bjks http://umaseoutrasjoicy.blogspot.com.br/

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  4. Oi Jaiminho,

    Tudo bem? O seu texto me suscitou o verdadeiro encontro com a desesperança política, mesmo que eu venha tentando, até por questões pedagógicas não me redimir ao que vejo.

    De acordo com a revista The Economist, no índice de democracia, o Brasil possui desempenho elevado nos quesitos pluralismo no processo eleitoral com nota 9,5. Diria que temos a democracia que todo político sonhou na vida, pois é possível usar religião, compra, negociação, caixa 2, etc. Mas o desempenho do Brasil em participação política é comparável ao de países como Uganda.

    Qual a certeza? Que quanto menor o índice de educação, menor as possibilidades de mudança. Então, explicamos o total desinteresse pela luta em prol de uma melhor educação. É clichê, mas cultura não dá voto.

    Querido amigo, que o senhor do Bonfim proteja a Bahia e se lembrar de um santo de Alagoas, informa para que eu acenda uma vela.

    Beijossssss


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  5. É daí que a política, em sua sub-divisão Sufrágio/participação, tem mais destacado o "Emotion in Motion", o afeto, a emoção, o autoritarismo afetivo. Não entendem que ética e moral passam longe da briga pelo poder, do "necessário" poder que nos representa. Voc~e se saiu muito bem na "sabatina acidental".

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  6. Olá Jaime, acompanhei meio que de longe a corrida eleitoral na cidade onde moro. Tirando a publicação de algumas pesquisas manipuladas nos veículos de mídia da cidade (cada uma delas apontando um dos três candidatos como provável vencedor) e o emporcalhamento das ruas, o resto transcorreu de forma bem tranquila. Já na cidade onde trabalho, que tem cerca de trinta mil habitantes a situação ficou feia, houve depredação de bens abuso de todos os tipos na militância e nos discursos e isso de ambos os lados. No entanto o que mais me assustava é ver que pessoas que não têm uma mínima noção de política se engaja de uma forma tão passional em algo que elas sequer compreendem, um outro dado curioso é que por lá as pessoas não militam sob a bandeira de partidos ou de coligações, mas tão somente pelo nome de determinado candidato, num claro indício de retrocesso que remonta ao tempo do coronelismo...

    http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2012/10/a-troca.html

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