Morre Ray Bradbury, mas Montag e Spender continuam vivos em nossa memória


Faleceu neste dia 06 de Junho de 2012 o escritor norte-americano Ray Bradbury, aos 91 anos de idade. É considerado um dos mais importantes escritores de ficção científica dos EUA – e de todos os tempos, eu acrescento, modestamente.

Seu livro mais famoso, sem dúvida, é o excelente “Fahrenheit 451 - editado em 1953 -, onde a figura do inesquecível bombeiro Guy Montag passa por uma crise de identidade: em um futuro onde a sociedade é mantida sob controle através dos meios de comunicação eletrônicos – neste caso, a TV – os livros são considerados “perigosos” e alvos de censura. O trabalho de bombeiros como Montag é localizar estes livros (através de investigações ou denúncias) e queimá-los. 


- Uma última coisa – disse Beatty. - Pelo menos uma vez na carreira, todo bombeiro sente uma coceira. O que será que os livros dizem, ele se pergunta. Aquela vontade de coçar aquele ponto, não é mesmo? Bem, Montag, pode acreditar, no meu tempo eu tive de ler alguns, para saber do que se tratava, e lhe digo: os livros não dizem nada! Nada que se possa ensinar ou em que se possa acreditar. (...)

- Bem, nesse caso... e se um bombeiro, acidentalmente, realmente sem nenhuma intenção, levar consigo um livro para casa?

Montag se contraiu. A porta aberta olhava para ele com seu grande olho vazio. 

- Um erro natural. Apenas curiosidade – disse Beatty. – Não ficamos superansiosos ou furiosos. Deixamos que o bombeiro fique com o livro por vinte e quatro horas. Se ele não o queimar até lá, simplesmente chegamos para queimá-lo para ele.


Quanto aos leitores, bem, alguns destes são encaminhados para hospícios ou “desaparecem”. As consequências? “A escolaridade é abreviada (...), gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas e, por fim, quase totalmente ignoradas. (...) Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?

No entanto o meu livro preferido de Bradbury continua sendo “As crônicas marcianas”, editado em 1950. Neste livro encontramos 26 contos articulados sobre a conquista do planeta Marte pelos seres humanos. Uma das personagens mais intrigantes da obra é Jeff Spender, arqueólogo e um dos tripulantes da 4ª expedição ao planeta Marte, em 2001 – sim, Bradbury não foi um bom profeta.

Spender “surta” ao desembarcar e passa a acreditar que os seres humanos, em Marte, não será um bom negócio para o planeta –  e muito menos para os marcianos. ( mas será que eles ainda existem?)

- Acredito nas coisas que foram feitas, e há evidências de muitas coisas feitas em Marte. Há ruas e casas, há livros, imagino, grandes canais, relógios e estábulos, se não forem para cavalos, bom, então são para algum outro tipo de animal, quem sabe com doze patas? Para qualquer lugar que eu olho, vejo que as coisas foram usadas, tocadas e manuseadas durante séculos. (...) Por mais que nos aproximemos de Marte, nunca o tocaremos. E ficaremos bravos por isso, e o senhor sabe o que vamos fazer? Vamos despedaçá-lo, arrancar sua pele e transformá-lo à nossa imagem e semelhança.
- Não vamos destruir Marte – disse o capitão. – É grande e bom demais.
- O senhor acha que não? Os homens da Terra têm talento para acabar com coisas grandes e belas. A única razão por que não montamos barraquinhas de cachorro-quente no meio do templo de Karnak, no Egito, é porque estava fora de mão e não era uma grande oportunidade comercial.  

A solução de Spender para o “problema humano” é acabar com seus companheiros de expedição e impedir que outros foguetes terrestres aterrissem em Marte. Não foi bem sucedido, claro, mas o arqueólogo estava certo: em pouco tempo os terrestres adotam as mesmas práticas de dominação e controle social na Terra no planeta colonizado. 

Se Bradbury foi ou não um bom profeta em seus livros clássicos sobre Marte e as tecnologias, não importa. Suas obras despertam inquietudes sobre os rumos das sociedades e a relação das pessoas com as tecnologias. A chegada a Marte parece ainda muito distante, mas ainda temos muitos “bombeiros” e “sabujos” promovendo a censura e a destruição – em nome do consumismo e da futilidade. E isso não é ficção.

BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451. Tradução Cid Knipel. São Paulo: Editora Globo, 2009.
BRADBURY, Ray. As Crônicas Marcianas. Tradução Ana Ban. São Paulo: Editora Globo, 2006. 

23 comentários:

  1. Boa tarde, Jaime.
    Fiquei sabendo agora há pouco do falecimento deste grande pensador e exímio escritor chamado Ray Bradbury.
    Estranhamente, eu só fui conhecer suas obras pouco tempo atrás, através dos meus amigos do FC, que leem de tudo.
    Li dele A Cidade Perdida de Marte e Uma Sombra Passou por Aqui (sobre um homem com o corpo todo tatuado, e cada tatuagem revela uma história diferente), e apenas estes dois livros são suficientes para colocá-lo entre meus escritores preferidos.
    É curioso como o estilo de escrita de Bradbury lembra muito o inglês doidão Alan Moore, já que ambos conseguem mesclar ficção científica, horror e crítica social de formas únicas.
    Vi o filme Fahrenheit 451 muitos anos atrás, no Corujão (na madrugada, único horário em passa algo assistível na Globo), e achei a história genial; pode-se tentar, mas nunca se conseguirá matar o espírito humano e a curiosidade, já que são eles que mantém acesa a chama do saber.
    Valeu pela sessão de terapia lá no site da Ana, só que biólogos não acreditam em psicologia alguma, muito menos a freudiana (cabeça-durismo, mesmo).
    Vi as notícias sobre a greve dos professores, espero que a coisa não se complique mais do que já está.
    Abraço e um bom feriado pra ti, meu caro Jaime.

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    1. Jacques, obrigado!

      O enredo de Fahrenheit 451 é fantástico, uma distopia muito bem bolada - bebe até na fonte da Idade Média, digamos assim, quando livros "proibidos" eram queimados em praça pública.

      Olha, sobre a greve, a coisa JÁ está complicada para todo mundo. O descaso do governo é impressionante.

      Um abraço e obrigado, Jacques! ( o Jacques legal, não o xará Jaques Wagner, o terrível)

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  2. Oi Jaiminho,

    Tudo bem? Triste porque voltei hoje de Salvador e não conseguir dois dedos de prosa com você. Estarei aí na primeira semana de agosto e se for possível, vamos agendar o bate-bapo.

    Quanto a morte do Ray, lamento porque a sua obra, conseguiu em um tempo em que se iniciava a guerra fria, bem como a ascensão de uma sociedade de consumo, discutir o significado o sistema e como éramos em verdade conduzidos. Li Fahrenheit 451 e depois assisti vários documentários do Michael Moore, entre eles Corporation, Sikco, entre outros, que foram inspirados pela temática ideológica de Ray. Não tive oportunidade de ter acesso a outras obras, mas sem dúvida ele é um clássico dos tempos modernos.

    Bom feriado e beijos queridão.

    Lu

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    1. Luluzinha,

      tudo bem. Olha, desde já vamos agendar o nosso bate-papo por aqui na São Salvador, tá bem? Fiquei sentido em não ter conseguido.

      Isso, é exatamente esse o espírito das obras de Bradbury - até mesmo em outros contos. ( ele escreveu mais de 400)

      São ótimos documentários, eu também tive a oportunidade em conferi-los.

      Beijos, querida!

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  3. Fahrenheit 451 é um dos meus livros preferidos. Pena muita gente ter preconceito com a ficção científica, achando que é um sub-gênero, ou apenas filmes e séries de TV.

    Abraço!

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  4. Jaime, pode me queimar na cadeira elétrica. ahahahah. Eu não conheço o trabalho de Radbury, pode isso? Ouvi falar do livro Farenheit 451 há um ano atrás, em uma blogagem coletiva, mas ainda não catei para poder ler. Enfim. Gostei do seu post e fiquei mais curiosa ainda por conhecer os livros de Radbury, embora ficção científica não seja o meu gênero preferido - mas sou uma leitora muito eclética.
    Abraços e bom feriado por aí. (espero que a greve dos professores desta vez surta algum efeito positivo).

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    1. Que absurdooooo!!!!

      (eu tb não conheço, queima eu, queima eu... ) kkkkkkkkk

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    2. Marina e Camila, estou certo de que vocês gostarão muito de Farenheit 451 e Crônicas Marcianas.

      E se sentirem cheiro de queimado, chamem os bombeiros - mas não o Montag! hahahahaha

      Abraços para vocês!

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  5. Ola Jaime,
    As obras citadas são verdadeiros clássicos da ficção científica, e sua relação profética do homem com os meios de comunicação, em detrimento dos livros, ainda me faz ficar bastante pensativo.
    Falo isso por causa da temida transição entre os livros e os ebooks.... Será que os velhos livros serão de fato substituídos? Seriam fogueiras modernas (com o sumiço de várias obras) ou estou viajando?

    Abraços, Flávio.
    --> Blog Telinha Crítica <--

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    1. Oi, Flávio.

      Não, os velhos livros não serão substituídos...ao menos a médio ou a longo prazo. É uma discussão antiga, na verdade: com o advento do rádio e da TV falaram a mesma coisa dos livros. Sempre que surge uma nova tecnologia, outra é colocada em dúvida. "A TV vai matar o cinema", diziam na década de 50.

      Um abraço! :)

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  6. Vixiii, como nunca li nada dele ainda?
    Vou arrumar isso logo, os livros já estão na minha lista!
    É uma pena quando se vão esses gênios do nosso mundo né?!

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  7. Jaiminho, tudo bem?
    Vou te ser hiper sincera, não conheço esses livros, e já ouvi falar em algo parecido na faculdade, e penso que seja esse livro dele, mas no momento não estou lincando a ideia.
    Já assisti a um filme, há trocentos anos atrás que tinha o nome "Farhneite..." alguma coisa..., suponho que é baseado no livro, pois era uma ficção científica, no entanto assisti na minha infância, ohhh... lá vai tempo...
    Beijos, meu amigo, fica bem aí e te cuida, viu?
    Aproveita o feriado!

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    1. Cissinha, tudo bom!

      Os livros de ficção científica muitas vezes são adaptados para o cinema - e com resultados, não raramente, bem questionáveis rsrs. O filme de Fahrenheit 451 eu nunca assisti, prefiro mesmo ficar com o livro.

      Você também, nêga, te cuida, tá?

      Bjs!

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  8. Amigo Jaime,
    É bom que se registre essa perda, que é a morte do grande escritor americano Ray Bradbury, pela sua esplendorosa obra, que, com bem citou, continuará real e atual, enquanto a humanidade estiver por aqui.
    Também tomei conhecimento de sua obra há pouco por indicação de amigo.
    Acho que sua obra (ficção)lembra um pouco a de Julio Verni, só que a dele tem um realismo de cunho alegórico e irônico. A ficção é mais manifesta no ambiente do que na história de seus contos de crônicas.

    Abraços!

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    1. Salve, Bento.

      Creio que pelo fato de Bradury ter escrito suas obras em um período mais recente tenha refletido neste realismo - até porque nada do que está ali em seus livros é estranho para nós. Até uma viagem até o planeta Marte, pois qualquer pesquisada rápida no Google já temos imagens do planeta feitas por um módulo espacial e um robozinho em solo marciano.

      Um abraço!

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  9. Encontrei um link interessante falando sobre 10 inventos que Ray Bradbury acabou "prevendo" em suas obras.

    http://www.theclinic.cl/2012/06/07/los-diez-inventos-que-predijo-ray-bradbury/

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  10. Oi Jaime
    Ainda bem que não só eu que não tinha ouvido falar nesse grande autor (kkkkkk), mas isso é que é legal na blogosfera, eu sempre digo que minha vida não foi a mesma desde que virei blogueira, eu cresci muito, como pessoa, vcs me acrescentaram com suas bagagens intelectuais. Muito obrigada.
    Bjos. e um ótimo feriado.

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    1. Imagine, Luciana! É sempre um prazer ter a visita de pessoas especiais como você por aqui! Eu agradeço!

      bjs e ótima semana!

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  11. Bela homenagem. Nunca li nada no estilo. E confesso que não tenho a mínima vontade. Mas gosto de homenagens, nos faz conhecer algo novo.

    É isso aí!

    Abss!

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    Site Oficial: JimCarbonera.com
    Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com
    Rasuras visuais e sedentárias: The-Tramp-Mind.tumblr.com

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