Mário, o vereador!

Diosmário Pereira da Silva, ou simplesmente Mário, desde a mais tenra idade já demonstrava o talento (!) para não fazer nada de útil. Não gostava de estudar e não gostava de ajudar o pai na roça. Largou a escola sabe-se lá quantas vezes apenas para vagabundear pela cidadezinha onde tudo se via e tudo se fofocava. A mãe e o pai, desgostosos, suplicavam:

- Faz alguma coisa, fio! Num seja um inútil!

Mário apanhou de cinta, de chinelo, ficou de castigo, ajoelhou no milho, o pai chegou a ressuscitar a palmatória e nada dava jeito no garoto, que logo se tornou um adolescente que só queria mesmo comer, namorar e dormir. Foi levando os estudos aos trancos e barrancos e não podia nem ouvir falar em trabalho. Na cidade todos comentavam o comportamento de Mário, para vergonha do pai:

- Ô, cumpadi, esse teu fio num quer nada com nada, hein?

E nessa toada o adolescente tornou-se um adulto e continuou na mesma situação. Ao menos conseguiu terminar o Ensino Fundamental, concluindo a 8ª série mais por "insistência" dos professores que não aguentavam mais o rapagão na escola do que por mérito. O pai, já idoso e pleiteando a aposentadoria, tinha algumas terras, umas duas ou três vaquinhas e um pequeno rebanho de burricos. Decidiu passar tudo para Mário administrar:

- Fio, eu acho que você só precisa memo de tê responsabilidade na vida. Vai fazer uma coisa útil que é cuidar das terra e dos burrico!

Quem disse que Mário acordou? Nunca pegou na enxada e nem ligava para os burricos e para as vacas. Quando aparecia no curral apenas armava uma rede junto aos pés de manga e ali passava a tarde inteirinha. Jamais percorreu a extensão da propriedade e por isso não sabia que havia uma parte de cerca danificada na divisa com as terras de Dr. Fenebúrcio, o mais rico fazendeiro da região. O pequeno rebanho de burricos atravessou a cerca e foi comer o capim nos pastos do doutor. Os peões e o próprio Dr. Fenebúrcio procuraram pelo rapaz e o encontraram dormindo na rede – e foi acordado aos berros:

- Cidadão, tome rumo e conserte aquela cerca, que seus irmãos estão lá comendo o capim no meu pasto! Faça algo útil na vida!

Não se sabe como aconteceu, mas depois deste episódio Mário ficou mais esperto e começou a negociar com os burricos e com o gado. As pessoas admiraram porque o rapaz se revelou um hábil negociante e caiu nas graças de Dr. Fenebúrcio, que além de fazendeiro também era político, tendo sido eleito por duas vezes prefeito da cidade. E nas constantes conversas com o “Dotô Fenê” ( era assim que Mário o chamava, vejam a que ponto chegou a intimidade!) surgiu a ideia que mudaria sua vida: Mário, candidato a vereador!

A notícia agitou as conversas nos botecos, na farmácia e na igreja da pequena cidade. Mas como, aquele Mário vagabundo? Não, agora o que se via era um novo homem: Mário Burrico, bom de papo, o hábil negociante de burricos, cheio de planos para a cidade e até falando difícil, para espanto dos moradores.

- Estimados cidadães, gente do meu povo, do meu povo que sofre e que laputa neste cenário de probreza, fome e miséra! Chega de velhas ideia, vivemo tudo numa debocracia, vote no inedetismo de uma cantitatura utilitarista, inteligente, vote em mim e faça do seu voto uma arma útil e que corresponda aos seios da população!

Com discursos inflamados e a ajuda - ok, a orientação - do Dr. Fenebúrcio, a campanha de Mário Burrico foi um sucesso e assim conquistou uma cadeira na Câmara Municipal com votação expressiva. Mas nem tudo era alegria: apesar de finalmente ter conseguido a aposentadoria, o pai de Mário andava acabrunhado, triste. O compadre quis saber o que acontecia.

- Cumpádi, tu divia di tá feliz. Lembra quando a gente falava do teu filho num fazê nada, a gente pensano que ele ia sê um inútil na vida? Olha ele aí, cumpádi, é verador da cidade, um político!

- E eu num sei, cumpádi? É por isso que tô avexado: agora é que ele virô um inútil de verdade!

Atenção: esta é uma obra de ficção, apesar das semelhanças que ocorrem em muitos municípios de certo país de língua portuguesa da América do Sul. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos e cargos terá sido mera coincidência. Em outras palavras: não me processe, porque não conheço nenhum dotô Fenebúrcio!

14 comentários:

  1. Há um tempo atrás, li uma entrevista feita com um estelionatário que tinha aplicado infinitos golpes por aí. Depois de alguns elogios sobre o poder de persuasão do danado, o jornalista pergunta se ele não pensa em se candidatar a algum cargo político, ele por sua vez responde: 'Não. Nunca vou fazer isso. Eu tenho limites.'...

    É né?!

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  2. Laiane , até (alguns) criminosos tem lá sua "honra", podemos dizer assim...rs Se bem que, provavelmente, este sujeito ainda não conhecia as benesses do cargo. Né?

    :)

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  3. Seu personagem é um aprendiz de Odorico Paraguaçu, Jaime, que falava um monte de bobagens com a nítida intenção de tentar se colocar em um pedestal acima do povo...
    Mas é assim mesmo que a coisa segue no Brasil, o Zé Mané inútil amigo do político abonado assume um cargo de responsabilidade e dá continuidade ao ciclo de descaso e pouca vergonha que é a política nesse país.
    Enquanto as pessoas não aprenderem o valor do voto, isso vai continuar.
    Abraço.

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  4. Olá, professor!

    Vamos com calma pq sou capaz de apostar que, assim como a maioria dos vereadores desse país, o nobre Mário Burrico foi capaz de grandes atos que beneficiaram a população. Por exemplo, garanto que ele "batizou" algumas ruas, renomeou outras, conseguiu contrato temporário na prefeitura pros filhos daquele sujeito a quem devia uns favores, solicitou algumas monções de aplausos a cidadãos muy valorosos, solicitou um minuto de silêncio pela morte de algum amigo, o asfalto nas ruas próximas às propriedades do Dr. Fenebúrcio, sugeriu a criação do Dia Municipal do Orgulho das Maiorias, etc. Acha pouco? Eu não acho! É um trabalho muito digno, onde coincidentemente se consegue aumentar o patrimônio em tempo recorde, e se vc considerar que ele só trabalha dois dias por semana, verá que o Mário Burrico fez muito pela população.
    Poxa, a gente tem que reconhecer a importância, a utilidade, dos vereadores, cara...

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  5. Qualquer semelhança com nomes , fatos e pessoas, a gente aceita como verídicos e estamos conversados. hahahaha! Esse cara me fez lembrar aquele "estrogonoficamente sinsilvel", lá do Quiseramobim. hahahaha!
    O outro era o Dario Burro, esse é o dono dos burros e assim , numa somatória de bucéfalos vamos construindo nossos parlamentos. Abração, Jaime.

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  6. Jaimão Jaimão.
    O que haveria mais Dr Fenês, Marios ou eleitores idiotas habitando, cronicas, parabolas, vida real........Jaimao tomara que teus alunos bem jovens leiam estas excelentes historietas tua.

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  7. "Mas é assim mesmo que a coisa segue no Brasil, o Zé Mané inútil amigo do político abonado assume um cargo de responsabilidade e dá continuidade ao ciclo de descaso e pouca vergonha que é a política nesse país.
    Enquanto as pessoas não aprenderem o valor do voto, isso vai continuar."

    Jacques,CONCORDO plenamente com você, mas será que esse dia em que as pessoas vão aprender a VOTAR chegará? Quem viver verá! Jaime, Parabéns pelo seu texto, *perfeito...

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  8. Jacques, a escola do inesquecível Odorico Paraguaçu realmente deixou muitos aprendizes por aí. E, sem dúvida, enquanto não houver consciência política, nada vai mudar. Abraço!


    Olá, moça Cabofriense! realmente, eu fui muito injusto com os nobres edis, tão devotados às causas populares! Certamente que o vereador Márcio Burrico, melhorando a cada dia seu discurso, consegue ampliar as bases na Câmara Municipal para implantar o seu grande projeto: Escola em Tempo Integral, porque ele mesmo tem três bacuris que não dão sossego em casa e ainda dão despesa na hora do almoço e merenda...que coisa!

    Bjks!


    Cacá, mas eu nem notei semelhança com o Dario Burro...Mário Burrico, bem, talvez tenha. Ou na verdade são todos iguais, né? rsrs Abraço!


    Nelsão eu até recomendo para alguns alunos, aqueles que eu sei que se interessam e apreciam a leitura. Sei de professores que já usaram alguns textos daqui do blog em escola e faculdade...eu já usei as charges. Mas aos poucos vamos "conscientizando o pessoal" rsrs Valeu! =D


    Sirlei, sem dúvida o comentário do Jacques foi muito bom! Concordo plenamente com ele também. E obrigado pela visita, leitura e comentário! :)

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  9. Obrigado, Sirlei e Jaime.
    Palavra sinceras de apoio são o melhor incentivo que um blogueiro pode ter.
    Até mais.

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  10. Adorei o texto, aqui na cidade conheço muitos políticos assim, que não sabem nada, não entendem nada, nunca estudaram e estão lá decidindo o que é melhor pra gente. Dá raiva!

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  11. Impressionante como o nível político de muitos de nossos "representantes" é horrível. E não nos enganemos. Nas capitais também. Reflexo de um momento em que prevalece o individual sobre o coletivo.

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  12. Que maravilha! Amei seu comentário, obrigada por compartilhar!

    Michelle Passos

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  13. Oi Jaime, tudo bem?
    Muuuuito bom, Jaime!
    Uma forma descontraída de crítica, perfeito!
    E quantos desses caras vemos por aí, heim?
    O inútil ser, útil só a si mesmo.
    E o voto é a nossa "arma", o problema é que as vezes não tem muita opção, apenas o:
    inútil 1
    ínútil 2
    inútil 3
    ... e por aí vai!
    Beijos!

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  14. Ilani, e bota raiva nisso. É preciso maior conscientização por parte dos eleitores. Tá complicado, a cada eleição temos exemplos assim. :(


    Aristóteles, um prazer tê-lo por aqui, rapaz! Pois é, nas capitais também ocorrem fenômenos iguais ou até "piores" ( aí lembrei do Tiririca, do "pior que tá, não fica"). A concepção do que seja política, atualmente, é diluída e banalizada e é preciso retomar o seu significado e relevância - aliás, não apenas a política, mas outras instituições também.


    Michelle, compartilhar é preciso :) Abraço


    Oi, Cissa! Tudo bem :) É, e quando chega na fase de não haver opção nenhuma? Ou um segundo turno com dois candidatos que não dizem nada a você, não representam suas ideias, enfim, são opacos em propostas relevantes, ideologia, trajetória política? Complica de vez, né? Aí tem aquelas opções "branco" e "nulo", fazer o que... isso de votar no "menos ruim" não me convence.

    Beijo!

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