O fim da infância?

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Confesso que às vezes fico assustado comigo mesmo. Será que, parafraseando Elis Regina, eu continuo amando o passado e não vejo que o novo sempre vem? Sim, porque tenho algumas quedas saudosistas, típicas do “ah, no meu tempo que era bom”. O que é um erro, creio, pois cada época tem suas peculiaridades – boas e ruins.

Mas está lá, no site de notícias, na TV, no jornal: “Mãe injetava botox na filha de 8 anos”. O mais incrível é que a toxina botulínica A – esse é o nome da substância – foi injetada pela própria mãe na filha com a finalidade de transformar a criança em uma “estrela”, competindo inclusive em concursos de beleza.

Ao terminar de ler esta notícia, que não estava na seção dos casos bizarros do portal da internet, imediatamente lembrei dos estudos do historiador francês Phillipe Ariés, que trouxe em sua obra “História Social da Criança e da Família” contribuições interessantes para entendermos os conceitos da infância ao longo dos séculos. Lembrei-me dele porque as crianças, até a Idade Média, eram tratadas como adultos em miniatura e serviam como forma de entretenimento para os adultos, sobretudo aos nobres.

Não é difícil depararmos com crianças servindo como uma espécie de entretenimento nas emissoras de TV. E também não é difícil encontrar concursos de beleza infantis em que diversas crianças estão “batalhando” para seguirem os passos das modelos e atrizes famosas. No mundo do futebol isso é bastante comum e encontramos coisas inacreditáveis como um time da Holanda que acerta um contrato com bebê de 18 meses! As crianças, nestes casos, são tratadas como “pequenas adultas” e mantém agenda apertada entre compromissos chamados profissionais – assim encontramos pequenos de todas as idades com rotina de gente grande.

Tudo pela fama, viva o mundo do entretenimento! E já que as crianças são tratadas como pequenas adultas, estimula-se até mesmo uma sensualidade que elas ainda não têm noção do que seja. Não faz muito tempo vi uma notícia sobre uma loja que comercializava – ou ainda comercializa, não sei dizer – um sutiã com bojo (enchimento) para crianças entre 4 e 6 anos de idade. Não me senti revoltado com a loja ou com o fabricante da peça, mas sim com o fato de saber que existe um mercado consumidor, ou então não haveria comércio, obviamente. E esse tal mercado consumidor é bem representado por pais e mães que acham absolutamente normal as crianças usando tal peça.

O que acontece, muitas vezes, é que há mães transferindo para as filhas os sonhos e as expectativas alimentadas durante muitos anos em relação a elas mesmas enquanto jovens. Isso, claro, não é a regra. Mas a frustração existe e os filhos podem ser usados como compensação para algum sonho desfeito durante a juventude. Sem esquecer, é claro, do fato de vivermos em uma sociedade da qual o consumo desenfreado - e descartável - é estimulado e a criança é um alvo das indústrias e da propaganda. No final, tudo acaba fazendo sentido – dentro desta lógica, evidente.

Por isso citei a música de Elis Regina e expressei a minha preocupação: não sei se gosto deste “novo que sempre vem” – ou chegou. Aqui escorrego novamente no saudosismo, mas relembro do que eu fazia aos 08 anos de idade: jogava bola – num terreno baldio transformado em Maracanã - , ia para a escola, explorava casas abandonadas que o povo dizia serem mal assombradas, lia meus gibis do Tio Patinhas, do Pato Donald e da Turma da Mônica, fazia minhas traquinagens e assistia desenhos animados na TV. Em resumo, fui criança, tive uma infância boa e divertida. Como todas as crianças deveriam ter.

23 comentários:

  1. Olá!

    Era da informação. Tudo precisa ser muito rápido, para ontem... Será?

    Será que TUDO mesmo precisa caminhar a velocidade da luz, até a infância?
    Acho que não, mas parece que é isso que muitos pais e responsáveis estão fazendo.

    Os pequenos não têm muito que fazer, recebem as informações de quem deveria educar e acham que aquilo é o certo. Afinal, estão aprendendo, não é verdade?

    Penso que tendência desse comportamento ser repetido nas próximas gerações é enorme. Mais uma vez o ciclo vicioso se repete, com resultados cada vez piores.

    Enfim, nem sei mais o que dizer. Estou pasmada com tantas formas de abuso.

    Pasmada e farta!

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  2. Parece que, de repente, ser e agir como criança ficou feio, ridículo, para as próprias crianças...O legal é ser "adulto" aos 4 anos. Isso é muito louco e muito triste.

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  3. É, professor... talvez muitos pais é que sejam "adultos crianças", achando que seus filhos são brinquedos. Só que nessa brincadeira todos perdem, até os que pensam estar ganhando.

    bjohnny!

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  4. Oi, Jaime!

    Há um canal americano (se não me engano, LIV) onde tem programação só de desfiles de crianças candidatas a celebridades, com mães colocando-lhes roupas sensuais, muita maquiagem e chorando copiosamente quando suas filhinhas não conseguem sair classificadas ou vencedoras. Acho isso tão cruel como uma tortura psicológica. Desperta na criança uma sensação de frustração que ela só iria ter quando entrasse adulta no mundo da competição. Acho que essas crianças nem brincam, a fim de não estragar os cabelos ou a maquiagem. Uma perversidade o que vamos assistindo nessa modernidade que não me agrada nem um pouco. Eu continuo amando o passado por que o novo que sempre vem não renova. Apenas piora. Meu abraço. paz e bem.

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  5. Oi Jaime!

    Excelente texto!!! Uma reflexão séria que todos os pais deveriam fazer. Até quem não é pai deveria repensar "a forma como estamos tratando nossas crianças".

    Tem muito tempo que não escrevo aqui, mas, desta vez preciso desabafar, pois quando li a "tal reportagem" fiquei tão indignada, tão aborrecida e chocada pela atitude desta mãe. Sinceramente, fiquei passada e com raiva, deu vontade mesmo de bater nela. Sou mãe e acho "o cúmulo da falta de amor" olhar um filho e o ver como um objeto que pode ser usado e tratado de qualquer forma, sem "respeitar" seus sentimentos, sua individualidade e a fase em que ele esta que é a "infância". Pular etapas, compromete o desenvolvimento psicológico e pode causar sérios transtornos que somente a longo prazo serão percebidos e sentidos. A infância é uma das melhores fases de nossa vivência e hj, nós adultos estamos tirando "a oportunidade desta nova geração" de viver isso. Os sufocamos com "atividades, atitudes, pensamentos e ações" que não são compatíveis com a sua idade, transformando-os em "mini adultos", seja na forma de se vestir, comportar, andar, falar e pensar. UM CRIME!!!!!

    Infelizmente, esta mãe é um exemplo da "educação" que os pais estão dando aos filhos desta geração, pautada somente: na "aparência física" (a busca da perfeição, da beleza plena, coisa que não existe), "na competitividade" (são criados para vencer sempre, cada um deve ser melhor que o outro, um erro sem precedentes) e "individualistas" (eu sou melhor que você e eu somente eu tenho valor, o resto não me importa e não vale de nada, uma maldade). Uma "AGRESSÃO E VIOLÊNCIA" os valores que erronêamente os pais passam aos filhos, achando que estão fazendo o melhor por eles.

    E a consequência é isso ai: pais perdidos, com valores distorcidos e crianças cada vez mais carentes, violentas, sexualizadas, depressivas, sozinhas, vazias, doentes e tristes.

    Muito triste Jaime!!

    Muitas vezes, em casa choro ao perceber o quanto de "mal" estamos fazendo as nossas crianças sem nos darmos conta. E olha que hj temos acesso a tanta informação. Uma pena a maioria dos pais não utilizar destes meios para "educar", respeitar aos seus semelhantes e principalmente "ensinar os filhos a se amarem como realmente são, com suas pecualiaridades e sua forma de ser".

    Um beijo meu amigo!!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Eu também não gosto muito de algumas novidades que tem aparecido por aí, especialmente quando se trata de crianças. Tenho uma sobrinha de 9 anos e fico encantada porque ela brinca de boneca e ainda acredita em Papai Noel (se bem que nesse caso, eu tb acredite...). Minha sobrinha ainda não sabe, mas ela é uma rara exceção, as colegas de escolas andam todas maquiadas e agem como se fossem adultas e é preciso ter certa habilidade para não deixá-la imitar as amiguinhas...
    Bom, quanto as citações, especialmente as de Clarice, fico impressionada de ver tanta coisa que se remete a ela, mas que de fato não é dela... Sou grande admiradora da obra e me espanta algumas frases que dizem ser de sua autoria, mas o que mais me espanta não é isso, é que Clarice virou meio símbolo cult nos últimos tempos e muita gente diz que gosta sem nunca ter lido nada, a maiora das pessoas não teria paciência para ler o relato de GH no quarto da empregada, decidindo o que fazer com a barata velha e gorda... Eu mesma tenho uma amiga que se diz admiradora de Clarice, coleciona suas frases, mas quando ganhou a paixão segundo GH me emprestou o livro, antes de ler, e nunca mais pegou de volta.
    Cada um faz a vida como quer, mas seria bacana se tantas citações significassem que as pessoas estão lendo mais os livros de Clarice, Veríssimo ou Jabor, mas infelizmente não é assim que acontece e com a internet tudo se complica porque a informação fica fácil e as pessoas quase nunca vão até a fonte...
    Brigada pela visita, pelas sugestões, vou pensar nessa ideia das crônicas...
    Abraço
    Letícia

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  8. Como educar nossas crianças para um futuro mais humano, se as estimulamos com as futilidades de nossa sociedade??

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  9. Realmente é muito triste ver a transformação que estamos passando na sociedade neste momento. O que vale é o "ter"; o "ser" deixou de ter importância há muito tempo. Já vi um canal que tem um programa chamado Pequenas Misses, ou coisa do gênero, e só a propaganda já foi suficiente para causar náuseas.

    As meninas, especialmente, deixaram as bonecas de lado e, aos 7 ou 8 anos, já querem namorar, falam e agem como adultas. Onde foram parar os meus bons tempos de Balão Mágico, Caverna do Dragão, a Barbie, o tênis colorido, os gibis, amarelinha e tantas outras recordações que me deixam com tanta saudade da infância? Porque eu sim tive infância, e não sei sinceramente do que posso chamar o que vem ocorrendo atualmente.
    Só para citar um caso que comprova tudo o que foi dito em seu texto: na escola em que trabalho, a orientadora fez uma atividade com a turma do 2o ano sobre seus desejos e objetivos. Quando chegou ao tão famoso "o que você vai ser quando crescer", a primeira pérola que tive de ouvir foi "Quero ser dançarina do créu".

    Obrigada pelos comentários em meus blogs. Comecei como um passatempo, mas fico feliz em saber que tenho visitas inteligentes como a sua por lá.

    Bom final de semana!

    Abs

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  10. Jaime, eu acompanho a geração de 2000 já dizendo que tiveram uma infância, diferene da "molecada" de hoje (os de 11, 12 anos. Eu me amarro neste fenômeno. Chegará parte de uma geração que falará: Pô, cara, lembra de nossa época? A gente via até o sol, respirava o ar mesmo... lembra do céu?"
    Mas quanto ao tema, mais uma vez espalhado por diversas vertentes de nosso comportamento, ser criança não é fácil quando se tem adultos pensando como elas.

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  11. Nat, as tentativas de "aceleração" dos ciclos naturais realmente são assustadoras. Lembra da Sandy? Repórteres que perguntavam insistentemente se ela, aos 10 anos, já namorava e outros que especulavam "como ela seria" aos 16, 18 anos.

    Quantas crianças por aí carecem orientação? Muitas.

    Kisoj

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  12. Marla, o negócio é ser "jovem pra sempre" - ou seja, a juventude eterna de 18 ou 20 anos de idade.

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  13. Olá, moça de Cabo Frio! E neste caso as perdas são bem maiores... Bjks!

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  14. Cacá, eu cheguei a ver um trecho deste programa. E a competitividade que se instala nos pequenos em mais tenra idade? Parece que é tudo programado, não é? Se há espaço para brincadeiras infantis, esse fica espremido na agenda...

    Abs!

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  15. Cíntia, perfeito! É a grande pergunta que deveríamos, todos, fazer: o que estamos fazendo com a infância? Parece-me uma reinvenção, e isso depois de décadas, séculos em que esse período da vida é reconhecidamente de formação e tão importante.

    Tão cedo e crianças com sintomas de desgaste emocional, depressão, e competitivas. Teremos umas nova infância pela frente? É o que pensar...

    Bj!

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  16. Letícia, que bom que sua sobrinha ainda é criança, não é? Parece que chegará o tempo - distante, espero - que isso se torne algo raríssimo de se ver.

    Quanto às citações, na verdade se esse povo todo que cita Clarice tivesse paciência para ler ao menos "A Hora da Estrela" tava bom...o que dirá a história de GH!

    Abraço!

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  17. Isabel, a sociedade está repleta de futilidades e parece que estas é que importam. Uma "educação para as futilidades", talvez?

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  18. Luciana, também já ouvi relatos semelhantes, mas não do "créu"...essa aí realmente foi chocante, mas não surpreende, sabe? Vivemos a ideologia do craque, modelo, ator, pagodeiro, dançarina: ascensão social, para muitos, é isso aí! :(

    Eu agradeço suas palavras e sua visita! E continue com os blogs, são ótimos, gostei deles!

    Abraço

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  19. Nobre Quintella, aos poucos vamos acompanhando isso, não é? Dos terrenos baldios que serviam como estádios, das praças que serviam para brincadeiras, da rua que já limita os movimentos e hoje temos o...playground do condomínio para aquelas crianças cujos pais moram em apartamentos e aquelas praças/quadras abandonadas e inseguras nas periferias das cidades. O cerco praticamente se fechando, não é?

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  20. Nobre Quintella, aos poucos vamos acompanhando isso, não é? Dos terrenos baldios que serviam como estádios, das praças que serviam para brincadeiras, da rua que já limita os movimentos e hoje temos o...playground do condomínio para aquelas crianças cujos pais moram em apartamentos e aquelas praças/quadras abandonadas e inseguras nas periferias das cidades. O cerco praticamente se fechando, não é?

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  21. Caro Jaime,
    É uma alegria mesmo que a Victória ainda seja criança no melhor sentido da palavra. Ela é uma menina doce e especial e fico feliz porque de alguma forma sei que contribuo para que ela seja o que é, uma criança...
    No tocante as citações realmente seria bom que as pessoas lessem, qualquer coisa, ainda que só os quadrinhos de Maurício de Souza.
    Numa viagem a Diamantina comprei um livro de Saramago chamado a Maior Flor do Mundo, é um livro infantil, a Victória adora, sempre lê de novo e fica toda animada quando leio para ela, porque faço caras e bocas, rs.
    Espero despertar nela o mesmo gosto que tenho pela literatura...

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  22. Penso que os maiores responsáveis sobre a extinção da infância das crianças ainda sejam os pais. Como essa mãe do botox... Posso também citar o cantor mirim francês Jordi Lemoine que foi tratado como macaco de circo pelos pais na época que Dur Dur D'Être Bébé fazia sucesso nas paradas de sucesso mundiais. A justiça francesa teve que intervir e banir.

    Não é dado a criança a opção. Ela já nasce tendo aquilo ali imposto para a vida dela e cresce sendo manipulada como pais e vendo isso como algo normal. Dependendo do caso, seu houver exploração infantil, a justiça deve intervir. Todo mundo sabe que uma infância bem ou mal vivida pode influir positiva ou negativamente na vida de um indivíduo durante o resto de sua vida.

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  23. Essa mãe maluca do Botox, apenas projeta na filha os desejos que ela teve e não conseguiu realizar.Ela precisa de tratamento psicologico, e a filha pode ter maiores problemas tanto fisicos como mentais no futuro.

    As pessoas tratam as crianças como um pote de ouro, por serem prodigios ou que eles se tornem progigios e famosos.

    Eu também tive uma infância divertida e animada.

    Bjs

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