Relações descartáveis no ambiente on-line


Alguém já disse que o twitter é uma excelente ferramenta para indexação de notícias e funciona bem como um “clipping jornalístico”, o que concordo. Mas além desta boa utilidade o site também revela um traço curioso e já característico desta época em que vivemos: o descarte.

Fazemos parte de uma sociedade voltada para o consumo e as pessoas são bombardeadas a todo instante por peças publicitárias induzindo à compra de objetos e aparelhos mais “modernos” mesmo que não se tenha necessidade em adquiri-los – e aí está o grande desafio da publicidade: convencê-lo de que aquele celular que você tem há um ano e serve perfeitamente às suas necessidades é ultrapassado e você precisa de um novo modelo. Isso foi apenas um exemplo para mostrar como funciona esta dinâmica consumista.

O descarte é, portanto, estimulado a todo o momento. O que não “serve” mais é jogado fora, substituído por um novinho, mais moderno, até surgir outro modelo que cumpre as mesmas funções, no entanto tem um design melhor, mais bonito, chamativo – e isso não demora muito, afinal o consumidor precisa de estímulos.

Não é sem espanto que leio certos tweets (mensagens postadas no twitter) expressando o desejo de usuários – e não são poucos – de transferir certas funcionalidades da vida on-line para a vida real. É muito comum encontrar frases do tipo “Seria ótimo se tivesse um botão de bloquear na vida real” ou “queria ter uma tecla delete para deletar certas pessoas”. Em outras redes sociais tal desejo também é expresso e muitas vezes a palavra “faxina” é utilizada: “vou fazer uma faxina no meu MSN”. Citei especificamente o twitter porque nesta rede as pessoas costumam “escancarar em público" certas ideias, - e até desabafar na timeline - respondendo à pergunta do próprio site: “what´s happening?” (o que está acontecendo?); mas isso pode ser verificado em qualquer rede social, do orkut ao facebook.

É verdade que a impessoalidade é forte característica da contemporaneidade ( ou pós-modernidade, fique à vontade com os rótulos) e também a ideia de “descarte humano” não está tão distante de alguns acontecimentos que acompanhamos indignados pela imprensa há anos: índio queimado enquanto dorme na praça, empregada doméstica espancada em ponto de ônibus, manifestações de ódio a nordestinos, homossexuais agredidos de forma tola e gratuita. Estas pessoas agredidas são consideradas por muitos como “descartáveis”, aquele tipo de gente em que a tecla “delete” ou o comando “block” seriam muito bem vindas.

Evidente que há uma grande distância do moleque mimado de classe média que ateia fogo em um índio dormindo na praça a um simples usuário de MSN que deleta ou bloqueia um ou vários contatos. Não quero dizer que o sujeito que dá um “unfollow” no twitter vai sair por aí reproduzindo o mesmo em suas relações ditas “off line”; apenas ressaltar que as pessoas são tratadas como simples objetos que podem ser descartados com um simples comando, praticamente com prazo de validade nas redes de contato de fulano ou sicrana.

Claro, no dia a dia “offline” nós conhecemos várias pessoas com as quais simpatizamos ou não. As afinidades são complementadas por gestos que indicam uma amizade talvez duradoura ou antipatia à primeira vista - e alguns destes gestos, além da esfera visual, requerem uma proximidade que uma webcam não é capaz de transmitir. No entanto, seguir a lógica consumista do descartável para com as pessoas acaba por reduzi-las a simples reprodutoras de um universo - no caso, o “on line” - onde tudo é perene e não há muito interesse – ou paciência – na manutenção: o “novo” é o desejável, pois ele traz a ilusão de que as expectativas, finalmente, sejam atendidas. Até novos contatos on-line e novas faxinas. Conquistar, dentro do que se aparenta como “novidade” na rede não é tão difícil quanto manter as relações.

Cito uma expressão do sociólogo polonês Zigmunt Bauman: “Em outras palavras: mantenham abertas todas as opções. Não jurem fidelidade ´até que a morte os separe´ a nada ou a ninguém. O mundo está cheio de de possibilidades maravilhosas, atraentes, promissoras: seria loucura perdê-las por estar de pés e mãos atados em compromissos irrevogáveis”.

Não raramente as pessoas mais jovens surpreendem-se com os casamentos e relacionamentos duradouros e até mesmo com amizades que prevalecem ao longo de muitos anos. Obviamente que redes sociais como twitter, orkut e facebook não são responsáveis por todas as separações e rupturas que acontecem em tais relacionamentos; no entanto, elas parecem reforçar e até estimular, de certa forma, a fugacidade. Como é fácil colecionar “amigos”e descartá-los a um só clique do mouse!

Se quiser colocar neste rol o banalizado “eu te amo”, fique à vontade. E se você conseguiu chegar até o final da leitura deste texto sem dispersar pelas inúmeras possibilidades que a internet oferece, parabéns: agora, sim, pode descartá-lo tranquilamente.

Se gostou do texto, dá um RT no twitter e curta no facebook: www.twitter.com/jaimeguimaraess

8 comentários:

  1. Thank you, nice job! This was the stuff I had to have.

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  2. Engraçado é ver como a vida de algumas pessoas é voltada fortemente para essas redes sociais.
    Mas olha, através das redes sociais conheci muita gente interessante, como você por exemplo, e pouquíssimas foram as que deletei. Claro, sempre há pessoas que nos identificamos mais, como na vida real, mas a facilidade de exclusão da internet, acho eu, afasta muito as pessoas da vida real.
    O mundo virtual aproxima distâncias e afasta possibilidades...

    Pode deixar Jaime, vou te indicar no twitter e curtir no Facebook, rsrsrs...

    Beijinhos!

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  3. Jaime
    Como bos leitora de Bauman que sou,não posso deixar de comentar o excelente texto que nos trouxe hoje. Acho que vivemos uma era difícil, cheia de jogos de poder, um capitalismo individualizante das relações. Somos o que temos para muita gente, somos o que interessemos a muitas das pessoas que se aproximam. As relações são líquidas, efêmeras, perversas, por que não poderes como dizia Cazuza. Mas em meio a tudo isto, caminhemos com a crítica e resistência ao processo de descarte das pessoas. Parabéns amigo pelo protesto. rsrsrs

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  4. Na minha opinião:

    Twitter= Expressa quem você é realmente e a maneira como pensa e como age ou gostaria de agir. É um lugar pra colocar pra fora aquilo que se sente e pensa. Um amigo meu uma vez disse que é a reinvenção daqueles cadernos de questionários típicos da pré-adolescência.

    Orkut= Expressa a vontade de ser estrela. Eu diria que é o BBB das redes sociais e, como tal, é um show de baixo-nível.

    Facebook= Expressa glamour. :)

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  5. Cara! Esse foi um dos seus textos mais GENIAIS!

    Os tempos de hoje , ah o tempo do descarte! Eles querem nos transformar em eternas crinças!

    Relacionamentos fugazes, mimos, egoismos "eu quero, eu quero" "já enjoei, não mais, quero outro melhor"

    Cara é foda! Estamos sendo adestrados a comprar usar jogar fora......consumir!

    Verdade pura na veia.

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  6. A vantagem de tudo isso é q vc pode mandar esse meu comentário pra lixeira...
    Faz tempo escrevi no blog q adoraria ter um CTRL Z na minha vida. Mas acho interessante obeservar como as pessoas separam suas ações na Internet da "vida real". Escrever aqui não é real? Talvez seja por algumas (muitas?) pessoas usarem a Web como "mundo de aparências".

    bjohnny!

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  7. A internet aguça nossa curiosidade, nos torna perigosos. E tudo isso por que há distancia, ou iludida impunidade.
    Mas focando no seu texto acredito plenamente que é muito fácil e até aliviador poder bloquear pessoas da tua ''vida virtual''. Mas lá fora ou melhor na vida real é muito importante saber lidar com os problemas pessoais cara a cara, sem o auxilio de uma web can, porém as pessoas não estão preparadas para ''aturar'', dialogar. Isso transforma ou forma pessoas em arrogancia pura, preconceito futil, intolerancia zero.

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  8. Ciao! COme stai?;O)Credo che ti piace l´italiano.

    Voltando ao post...falando em itens sem necessidade, que as pessoas compram por mero consumismo por querer algo de última moda que não tem tempo de usar ou ppaciência de ler o manual: o celular. Os meus celulares ficam comigo ate literalmente morrem. E antes de comprar qualquer coisa me pergunto: - Eu realmente preciso disso?

    Outro lance que vi no post que comentei com os colegas de trabalho semana passada foi o descaso com a vida humana citada - referência (índio queimado enquanto dorme na praça, empregada doméstica espancada em ponto de ônibus, manifestações de ódio a nordestinos, homossexuais agredidos de forma tola e gratuita.) É UM ABSURDO!!!

    Gosto mesmo de blogs, conhecer as opiniões e mundos de outras pessoas.

    Achei engraçada a definição do P. Florindo ;O).

    Beijocas e boa semana

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