Sobre o trânsito de Salvador

Sou paulistano e moro em Salvador há quase 10 anos. Tenho dito que o marketing em torno de Salvador é muito maior do que realmente a cidade é e oferece de fato. Mas compreensível, afinal a cidade tem vocação turística e a propaganda é a arma do negócio.

A primeiríssima coisa que notei quando cheguei à capital baiana, pelos idos de 2000, foi a agressividade dos motoristas daqui. Você não leu errado: agressividade é o termo (imprudência é lugar comum para referir-se ao trânsito brasileiro em geral, seja em grandes ou médias cidades). Bastante contraditório ao marketing do “soteropolitano alegre, receptivo e gentil”, não acham?

Quase sempre quando falo do trânsito daqui, sou bombardeado com observações do tipo “ah, em São Paulo é que o trânsito é tranqüilo, né? “ou “isso é coisa desse pessoal do Sul-Maravilha que tem inveja do nosso estilo de vida”. Claro que em SP o trânsito é um porcaria e é claro que um lugar com tantas belezas naturais causa inveja a qualquer mortal, mas uma coisa é ter espírito crítico, outra é ser bairrista exagerado e ufanista sem querer enxergar os próprios defeitos até mesmo para melhorar.

Este editorial do jornal A TARDE traz uma excelente reflexão sobre o que eu penso do comportamento do soteropolitano no trânsito. Assino embaixo. Note: não sou eu, o “do Sul-Maravilha invejoso” ou “preconceituoso” que assina este texto:

GUERRA NO TRÂNSITO
O título acima vai sem aspas mesmo porque a impressão que qualquer observador tem, em relação ao comportamento de motoristas nas ruas de Salvador, é que uma guerra está em pleno andamento em meio aos semáforos e sinais de trânsito.

O tema surgiu como resultado da observação de um motorista de táxi durante uma corrida em dia de trânsito quase parado.Ele estava ainda impressionado com o que lhe acontecera poucos momentos antes. Ao entrar numa rua do bairro da Pituba, teria ultrapassado um veículo, um importado de alto luxo, e tomou um grande susto quando, alguns metros adiante, o mesmo carro o fechou bruscamente e apenas por puro reflexo ele conseguiu evitar a colisão.Sua indignação era maior porque a motorista, uma mulher bem-vestida e de meia-idade, ainda o olhou de lado e, depois de falar algo - que deduziu, pelo gestual, se tratar de palavrões -, deu uma risada irônica antes de acelerar e seguir em frente. O susto o deixou paralisado e com raiva, mas pensou nos seus filhos e preferiu não responder da mesma forma.

O crescente congestionamento que toma conta das ruas da capital baiana, mercê do aumento do número de veículos, mas também da falta de planejamento das autoridades municipais das últimas décadas, apenas tem elevado a sensação de que dirigir passou a ser uma questão de como sobreviver.

E olhe que não falo do comportamento de motoristas que desobedecem à lei seca e insistem em dirigir seus veículos cheios de goró. Refiro-me a pessoas que são equilibradas, sensatas e bem-educadas no seu dia-a-dia... até que se postam atrás do volante (ou seria na frente?) e viram gladiadores modernos, disputando centímetros de asfalto com os demais motoristas e acelerando forte para sair antes dos outros no semáforo ou para passar antes que a luz vermelha acenda.

São aqueles que procuram decorar onde estão os radares móveis nas avenidas e rodovias de modo que possam, entre um equipamento e outro, cometer o crime de acelerar no ritmo de Felipe Massa sem o risco de punição. Que dão "fechadas" nos "adversários" para evitar que eles os ultrapassem ou para se "vingar" de uma ultrapassagem, assumindo o risco de provocar acidentes.

Como esta não é uma situação específica de Salvador, mas de todas as cidades onde o trânsito é mais intenso, sugiro que os candidatos às prefeituras incluam nos seus programas não apenas soluções para facilitar a circulação dos veículos. É fundamental fazer campanhas de educação no trânsito, que possam conscientizar os motoristas da necessidade da boa convivência e de que ceder alguns centímetros de asfalto ou deixar de ganhar alguns segundos pode ser melhor para todos.

E este comportamento civilizado se torna mais importante ainda quando o tráfego piora e os engarrafamentos passam a fazer parte da rotina diária. Afinal, carros não são imprudentes, irresponsáveis ou violentos. As pessoas, sim, podem ser isto tudo. Mas também podem mudar e melhorar.

http://www.atarde.com.br/jornalatarde/opiniao/noticia.jsf?id=946854

E de onde vem esse comportamento tão agressivo, que transforma cidadãos pacatos e tranqüilos no trato social em verdadeiros monstros ao dirigir?

Novamente o livro “Apocalipse Motorizado”, já citado por aqui, dá uma pista:

“O carro é também o falo onde se masturba autonomia, independência, onde se goza ilusioriamente aquilo que se faz ausente, de forma autentica na vida cotidiana. O volante permite isso.
O motor, a combustão, o acelerador...eles por sua vez permitem a ilusão de a potência orgânica do indivíduo se multiplicar por mil. Sendo ele constantemente reduzido, limitado, humilhado, diminuído, constrangido pelas relações de poder, pelas hierarquias e autoridades instituídas ( pai, professor, patrão, polícia, juiz, coronel, deputado, etc) [...] é o motor a combustão e o acelerador – quando não o cano e o gatilho do revólver – que, sob um impulso neurótico, são postos em funcionamento para uma auto-afirmação na tentativa de se sentir o que de fato não se é na sociedade burguesa e hierárquica: um ser humano e não uma coisa. [...]Em última análise, trata-se da busca do orgasmo perdido”.

Apesar de um certo "caráter revolucionário", o texto tem toda a lógica. E não apenas para Salvador, mas para todas as grandes cidades do Brasil, de modo geral, cidades onde o comportamento dos motoristas ao trânsito é animalesco, infelizmente.

10 comentários:

  1. Li o post ontem, mas, só vou comentar hoje.
    Educação no trânsito foi uma coisa que eu aprendi quando era bem pequenina no colégio, será que ainda ensinam isso no fundamental? Eu já perdi a conta de quantas vezes achei que ia morrer em algum ônibus ou que algum carro dirigido por uma pessoa insana iria bater no ônibus.
    As pessoas trocam ofensas de graça, sem motivo e tudo por falta de paciência. Falta muito para que nosso sistema de trânsito melhore e que seja uma coisa melhor. Precisamos de pessoas mais evoluidas mentalmente e espiritualmente, pessoas que respeitem e se coloquem no lugar do outro. O que tá bem difícil por esses tempos em qualquer situação.

    Há uns bons meses atrás, li atrás de um carro, num adesivo: "como estou dirigindo? foda-se, o carro é meu". É essa mania de individualismo e achar que o jeito como você dirige não interfere na vida do outro. É motorista ultrapassando sinal, não parando pra pedestre em sinal que demora séculos pra passar e já tive até impressão diversas vezes que alguns motoristas param pra eu passar e na mesma hora aceleram pra dar aquele susto básico.
    E parei de agradecer a todos os caras que ficam parando pra eu passar, é mais do que obrigação, é direito meu, assim como é direito deles que eu não passe quando o sinal está aberto pra eles. Eles se sentem meio que fazendo um favor, quando não é assim. É o mutualismo, é o 'dar pra receber' que deveria existir nesse tipo de relação.

    ResponderExcluir
  2. Sobre o Barradão;

    Sou totalmente CONTRA. Não vou jogar aqui aquele discurso de que sou Bahia e me recuso a jogar no lixão. Não, isso para mim é total non sense. Mas, fico muito chateada quando vejo que esse tipo de medida foi incetivada de forma excessiva pelo governo estadual que levou junto o governo federal para essa decisão também. Não há motivo para isso, o Bahia pode jogar no Barradão? Tanto faz, só quero que o próprio Bahia pague o valor dessas partidas e não seja financiado por uma estatal. Tudo bem que agora a Petrobras diz que irá investir no Vitória mesmo que o Bahia não queira jogar no Barradão, mas, a proposta do governo estadual era que a estatal bancasse literalmente o valor dos jogos.
    Como assim? O Bahia uma instituição privada, com os diretores, Petrônio, Maracajá e companhia desviando dinheiro de tudo quanto é coisa e ainda vão jogar num estádio privado de graça (!) e arrecadando dinheiro com ingressos. Não precisa ser muito estudado pra ver que esse tipo de coisa é totalmente inaceitável. Minha apatia pelo governador da Bahia depois dessa medida aumentou profundamente e tirou até alguma possibilidade de votar no mesmo candidato no futuro.

    Acabou causando também todo um revanchismo desnecessário. Nossas torcidas são violentas, há morte e eu já tomei tapão quando ia pro jogos de torcedor do Bahia que saia batendo em qualquer ser vivo. Mas, a situação aqui não é tão agravante se comparar com o eixo Rio - São Paulo. A situação depois dessa medida só piorou, porque o Vitória alega que os 4 milhões vão ser investidos na reforma do estádio e os torcedores do Bahia dizem que vão acabar e destruir o lixão - que é uma instituição privada. Ou seja, vão urinar, fazer o diabo a 4. E é claro, que eu me RECUSO a ir a algum jogo que ocorra lá, eu já não vou pra nenhum porque me recuso a dar dinheiro que não vai pro time e sim pro bolso de ladrão, ainda mais agora com essa situação que tá aí.

    O pior disso tudo são os presidentes/dirigentes dos dois times totalmente rivais apertando as mãos e dando risada parecendo que um sempre favoreceu o outro. Hipocrisia tem limite! Ou pelo menos deveria ter... - Quer dizer, esses presidentes pouco se importam mesmo com o time em si, querem mesmo dinheiro que é bom.

    ResponderExcluir
  3. Outro comentário rápido:

    O que mais incomoda nessa decisão da Petrobras não é porque tem Bahia e Vitória no meio, se fosse com qualquer outro time, minha preocupação seria a mesma. Não entra em minha cabeça como o governo federal e estadual deixam uma empresa de tamanha importância nacional e mundial fazer um investimento desse tipo bancando estádio pra uma instituição privada (Bahia), que deveria pagar o Vitória, mas, que será pago pela estatal.

    Sei lá, se fosse uma Ford, uma Nestlé da vida, eu até aceitava, mas, Petrobras é fogo. QUAAAAAATRO MILHÕES DE REAAAAAIS.
    Que uma boa parte diga-se de passagem deve ter sido tirado de petróleo que foi achado em território brasileiro. Nunca concordei com território com petróleo = Petrobras dona. Quem são donos somos nós, ora essa!

    Mesma coisa, andar na BR-324 e ver várias placas com "território pertecente ao Governo Federal" que mané governo meu filho? Isso é de direito do povo desse país.

    ResponderExcluir
  4. Último comentário - juro:

    E isso ainda rende, pessoas em comunidade do orkut agradecendo ao governador da Bahia pelo estádio de Pituaçu ficar pronto em menos de 1 ano! Ele tá priorizando as coisas erradas, só o futebol, construíndo um estádio novo em vez de reformar a Fonte Nova e com capacidade bem menor ainda por cima!
    Esse governador só tá valorizando o esporte de forma errada e achando que esporte se resume a futebol.
    Já tem gente dizendo: Obrigada Wagner, não fez nada pela Bahia, mas, pelo Bahia.

    Já imagino o discurso dele pras próximas eleições: 'obrigado meu povo baiano, principalmente negros e mulheres, conto com o voto de vocês, eu que construí Pituaçu e ajudei muito o Bahia no Brasileirão da série B de 2008.

    ;***

    ResponderExcluir
  5. O texto do apocalipse motorizado complementa muito bem o artigo anterior, do Jornal da Tarde. Dentro de um carro, há pessoas que por comandarem uma máquina deperta-lhe a vangloria de comadar o mundo de um modo autorítário e destrutivo, nos melhores moldes dos recalcados. Tem-se a impressão que estão treinando para os concursos das polícias brasileiras, onde há a prova de direção ofensina, mas com o "a mais" de ser agressivo. E ainda culpam somente os dois chopes pelos acidentes no trânsito.

    ResponderExcluir
  6. Comigo é o oposto.
    Sou soteropolina e moro em São Paulo há quase dez anos.
    risos

    E, olha, como eu sofro com o trânsito daqui.
    Os motoboys... os motoboys... nem dá pra falar nada além disso.
    Haja paciência com tanta buzina, com tanta gente cortando, com tanto carro. Um oceano deles.
    E eu no meio, espremida entre carros grandes, ônibus gigantes, motos, motos e muitas muitas motos.
    Saudade do trânsito de Salvador. Que apesar de ser bagunçado, pelo menos, anda. E tem o mar, né?
    O mar compensa até a "barberagem" do pessoal daí.
    ;)

    Beijos, viu?

    ResponderExcluir
  7. Você acha o trânsito de Salvador ruim?

    Isso porque você não conhece o trânsito aqui em Campinas. Eu não conheço motorista mais mal-educado que o motorista campineiro.

    Sem contar a péssima infra-estrutura de trânsito. Aqui é um carro para cada dois habitantes. Já viu, né?

    ResponderExcluir
  8. O motorista baiano, com algumas exceções, acha que todo mundo tem que dar passagem para ele. Acho que foi por isso que você achou o trânsito agressivo. Tudo pode ser resumido apenas em uma frase: falta de educação familiar.

    ResponderExcluir
  9. Já visitei outras capitais no Nordeste e hoje tenho certeza que Salvador tem o motorista mais mal-educado e imprudente. Acho que 1% deles sabem o que é dar sinal pra virar à esquerda ou direita e não respeitam pedrestes nem faixas.
    Sem falar nos carros de som que ensurdecem ruas e bairros inteiros tocando barulhos estranhos.

    O problema de Salvador é crônico e cultural e não vai mudar nunca.

    ResponderExcluir
  10. Acho que falar do comportamento do condutor de veículos automotores (automóveis, onibus, camionetas, caminhonetes, motocicletas, etc )de Salvador é fazer um "recorte", para não dizer "rotulagem".
    O problema de falta de educação no trânsito é geral, em todo o país.
    Acredito mesmo que talvez estejamos falando de algo que não falta a ninguem - EDUCAÇÃO, pois todos se consideram EDUCADOS e todos os pais, BONS EDUCADORES. Isto é, não conheço ninguem que se autodenomine MAL EDUCADO. Portanto, talvez devessemos falar de algo que estudiosos e autores de livros famosos como Daniel Golleman (autor de INTELIGENCIA EMOCIONAL) e Dr. Antonio Pedreira (Baiano, autor de COMPETENCIA EMOCIONAL. Ambos afirmam que todo ser humano é dotado de emoções; e destacam as 05 principais: MEDO, RAIVA, TRISTEZA, ALEGRIA e AFETO.
    Talvez seja isso o que realmente está faltando em cada condutor; COMPETENCIA OU INTELIGENCIA (como queiram chamar) EMOCIONAL para se comportarem no transito, pois, EDUCADO, BACANA, MODERNO E CIVILIZADO todo mundo se julga. Ah!, tambem BOM MOTORISTA.

    ResponderExcluir

Agradeço sua visita e o seu comentário! É sempre bom receber o retorno dos leitores.

Todas as opiniões são livres, porém não serão aceitos comentários anônimos e tampouco comentários ofensivos, discriminatórios de quaisquer natureza que não prezam pelos princípios da boa convivência e desrespeitam Direitos Humanos - o autor do blog reserva a si o direito de excluir comentários com tais temas e não se responsabiliza por interpretações deturpadas dos textos e ilustrações.

Volte sempre! =)

Tecnologia do Blogger.