Diários grootescos do sertão – parte 2

Deixando o posto policial para trás, Groo encara mais um trecho da Estrada do Feijão, que deveria chamar-se Estrada do Queijo Suíço. Para percorrer um trecho de 52 km Groo leva 1h e 50min. Cronometrados. É verdade que o governo da Bahia adota a filosofia turística do “sinta-se em casa”, mas uma estrada onde os buracos foram substituídos por crateras só agrada mesmo aos marcianos ou plutonianos, tão acostumados com este tipo de relevo.
Saindo da Estrada do Queijo...do Feijão, Groo toma a estrada que leva ao aprazível munícipio de Mairi, em região conhecida como “Piemonte da Diamantina”. Isso quer dizer que é quase parte da Chapada. Quase. A cidade de Mairi, antigamente, chamava-se “Monte Alegre”. É boa questão saber de onde vem esse nome, Mairi.
A estradinha tem um buraco aqui, outro ali....mas nada demais. Dentre algumas povoações ao longo do caminho, uma delas chama a atenção do Groo: Lasca gato. Isso mesmo: Lasca gato! Um lugarzinho com uma dúzia de casas ( sendo a metade boteco).
Era quinta-feira à tarde, dia 30 de Dezembro. Á beira da estrada, ainda na grande extensão territorial do lasca gato, um boteco absolutamente lotado. Groo até diminui a velocidade só pra sar uma sapeada. Um monte de caras lotando o boteco ( e nenhuma muher – isso Groo reparou!), enchendo a cara de cerveja e ouvindo o arrocha nas alturas. Só cara jovem. Groo fica pensando se a roça não tinha mais trabalho para fazer... Só que, 1km depois de deixar o grande Lasca gato, um tiozinho com uma pá jogava terra nos buracos da estrada e pedia moedas aos que passavam por ali.
Groo fica um tanto confuso...Se der uns trocados pro tiozinho, quem garante que este trocado não será pra uma Casca de Umburana* lá nos botecos do Lasca gato? Será que o tiozinho tem filho? Será que este filho estava no boteco do arrocha e da cerveja? Groo resolve, então, não dar a gorjeta:

- Tem não, meu véio...Feliz ano novo ( Groo, o cara-de-pau!)
- Que Deus te dê boa viagem!
Cara legal...Em Salvador outro diria:
- Vai tomar naquele lugar!

Groo chega ao entrocamento onde deverá tomar outra estrada para chegar ao povoado do Alto Bonito ( é alto, sim, mas bonito é outra história...), onde próximo dali seus pais tem uma fazendinha e passaria a virada do ano em companhia destes e de parentes.
Estrada é modo de dizer. Na verdade é uma trilha. Estradinha de terra. Groo sente-se como um participante do Paris-Dakar. Legal! O problema é só a supsensão, o alinhamento, o cárter, os pneus...
Finalmente Groo chega ao topo...ao Alto Bonito! Graças ao calor, o povoado parecia uma cidade fantasma: Todo mundo em casa. Não se via um’alma na rua. Deixa pra lá. Groo vai direto pra fazendinha ( uns 2 km de distância do povoado) e finalmente recebe os abraços dos pais e um litro de água gelada!

***
Noite de 31 de Dezembro, 22 h. A casa tá cheia. Parentes e amigos resolvem passar o ano novo na fazendinha, mas logo depois os mais jovens se mandam pro povoado, onde no clube local haverá uma festa( um homem. um teclado. Júlio Nascimento! O cantor das multidões!). Uma cervejinha aqui, um salgado ali, um dominó acolá...e a conversa dos sertanejos.Uns 6 caras de meia idade reunidos. O esporte preferido da região é falar da vida dos outros. Groo fica só ouvindo a extraordinária história onde o destino mete seu dedão:
- Rapaiz, tu soube da fia de Nenê de Bieca?
- Aquela que trabaia na casa di dotô Pedro ni Salvadô?
-É, essa memo!
- Oxe, qui qui tem?
-Vai imbora.
- Pra Sum Paulo?
- Não. Prus Istadusunido!
- É memo? ( dois sertanejos de uma vez, bem enfáticos)
- É,sim, vê como é as coisa...
- Rapaiz, e vai assim, na doida?
- Oxe, e ela num tem o irmão qui mora i trabaia lá?
- Tuninho?
- É! E o home tá é bem pur lá!
- Tá rico?
- Oxe, o home é dono di restaurante lá praqueles lado!
- É memo? ( desta vez três sertanejos de uma vez, bem enfáticos)
- Oxe, o cara arrumou uma mulé gringa lá ( não diga!) e se deu bem!
- Rapaz, eu mi lembro do tempo qui Tuninho vinha tirá lama da cacimba**!
- Oxe, e ele que saía lá da Tiririca*** e vinha buscar lenha cá perto das Caraíba?****
- É...agora você vê, né, rapaiz, o que é o distino! O qui tem qui sê do home ninguém tira ou si num é pra sê, num é! Vê só Nelso di Abilo. O home foi pra Sum Paulo, inricou, abriu sei quantas loja lá...
- ...morava numa casona...
- Oxe, era uma só? Ele tinha era um bando! E vinha aqui e comprava terra...rapaiz, essas terra tudo ali da Bizerra***** até Dotô Arnaldo era dele! E hoje, o cara tem o que?
- Tá na miséria!
- Oxe, ele vendeu tudo quanto foi terra, parece qui separô da mulé, foi um processo milhonário, faliu com suas loja...
- O home gastava muito...
- Pois é, mais num é só isso não, rapaiz: É o DEDO DO DISTINO que às veiz aponta pra pessoa errada! Eu é que me mato trabaiando aqui esperando que esse dedo mi aponte alguma sorte mais até agora nada!

Groo, que estava calado ( e seria melhor se permanecesse), intervém:

-É, tio...mas o único dedo que o senhor vai sentir é dedo do médico quando fizer o exame de próstata! Tá na hora, hein, véinho?

Grootesco. Só podia ser o Groo, mesmo...
***

Coisa estranha era a TV ligada comemorando o Ano Novo em SP e RJ e na Bahia ainda pouco mais que 11 da noite...
- Mais cuméqui pode, tá errado! Tem qui fazê as coisa no horário de Deus!, exclamou uma tia do Groo.
Finalmente, a virada no “horário de Deus”, o horário certo. O de praxe: Adeus ano-véio, filiz ano-novo,discursos, abraços, blá-blá-blá e tal, champagne, cidra, cerveja, uísque, peru, molecada cansada caindo de sono pelos cantos... Enfim, tudo normal.

Quando deu umas 2 horas da madruga Groo resolve levar alguns tios e primos e primas até o povoado. Depois de “descarregar” alguns em suas casas, volta para o clube para conferir o homem. o teclado. o cantor das multidões. Júlio Nascimento!
Só esqueceram de avisar à população que o “um-homem-um-teclado” era o “cantor das multidões”: umas 50 pessoas presentes no clube para conferir a perfomance do “um-homem-um-teclado”.

Este foi o ano novo do Groo: Ao lado de gente simples do interior, as quais ainda podemos cumprimentar e,certamente, receberemos um cumprimento de volta ( e não o rosnado característico da “capitar”); Lugares pequenos tem a desvantagem de todo mundo obervar “minuciosamente” o que se veste, o que se calça,o que se faz. Mas ainda conserva um ar de despreendimento quanto a certas bobagens típicas de cidade grande, como stress, por exemplo ( apesar que a TV, presente em todos os rincões do Brasil, vai acabando com esse ar ingênuo e fomentando cada vez mais o “ter”.)

Ainda que passado algum tempo, Feliz ano novo a todos os amigos!

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