Que tipo de futuro nos espera?

 


Em tempos futuros, se eu chegar até lá, certamente vão me perguntar quais minhas lembranças da época da pandemia de covid-19 no Brasil nos anos de 2020 e 2021, o que foi mais “marcante” neste período histórico. Eu não terei a menor dúvida em responder que a característica mais evidente da pandemia no Brasil foi o escancarado desprezo à vida.

Estou escrevendo este texto no início de abril, 2021. Como os infectologistas e pesquisadores cansaram de alertar em meses anteriores, tivemos realmente o mês de março mais macabro e triste em nossa história recente: passamos a conviver com contagens diárias de mortos pela covid-19 que ultrapassavam duas mil, três mil e chegamos a quase quatro mil mortes por dia.

Em março de 2020 ficamos todos chocados com as 700 mortes diárias na Itália e caminhões do exército transportando corpos na região norte daquele país para outras localidades porque os necrotérios não davam conta de tantas mortes. Em março de 2021, no Brasil, as notícias diárias foram assim:

Brasil bate recorde com 2.841 mortes por covid-19 em 24 horas. (16/03)

Brasil supera recorde e registra 3.650 mortes por covid-19 em 24 horas. (26/03)

Brasil bate novo recorde com 3.950 mortes por covid-19 em 24 horas (31/03)

Praticamente em todos os dias de março o país quebrou recordes fúnebres e aparentemente nos acostumamos com isso. Em abril provavelmente passaremos dos 4 mil óbitos diários. Previsões sombrias dão conta de 500 mil vidas perdidas até a metade do ano. Não vai ter campanha #prayforBrazil nas redes sociais.

Ninguém ou quase ninguém se choca.

Cientistas e infectologistas parecem vozes no deserto pregando para as areias e o vento; enfermeiras, auxiliares de enfermagem, médicos, motoristas de SAMU, estão todos exaustos e há um ano alertam as pessoas sobre os cuidados a serem tomados. Nada parece surtir efeito no país cujo governo adotou como salvação o tratamento precoce através de um "kit covid" cientificamente comprovado como ineficaz para a covid-19 (nem os fabricantes das drogas utilizadas recomendam o uso para esta doença) e as narrativas caóticas recheadas de fake news das redes sociais e whatsapp prevalecem.

A única esperança é a vacina que mesmo aos trancos e barrancos avança graças ao trabalho hercúleo de profissionais do Sistema Único de Saúde e apesar de um presidente "fui treinado para matar" e seus inúmeros cúmplices genocidas tentarem de todas as formas boicotar o programa nacional de imunização e sustentar o caos visando vantagens políticas e demais interesses particulares.



E é neste caos que não levam em consideração a vida das pessoas, meras engrenagens descartáveis que mantém em pé um sistema e modo de vida que está em ruínas e é totalmente insustentável, mas continua servindo muito bem a um punhado da elite financeira e suas castas menores, tão predadoras quanto.

Queremos forçar uma normalidade superficial e ilusória em meio a uma catástrofe humanitária. Como enxergar “normalidade” quando veículos que fazem o transporte escolar de crianças agora carregam caixões para os cemitérios? E mesmo assim há quem insista em reabrir escolas independentemente dos argumentos e apelos de professores e gestores das instituições de ensino.

É de Londres que vem a notícia terrível: depois dos profissionais da área da saúde, são os professores os que mais sofrem com as sequelas da covid-19 no Reino Unido, com o chamado “brain fog”, ou “névoa cerebral” (em tradução direta) que consiste em perda de memória recente, dificuldade de concentração e execução de tarefas habituais e também a lentidão no raciocínio. Você consegue imaginar o quão terrível e assustador é um professor ou professora enfrentando tais problemas? Alguém realmente acha viável pedagogicamente retomar aulas presenciais em um contexto repleto de restrições, medos e ansiedades que se transformam em fobias?

Nem mesmo Deus e Jesus escaparam da insanidade e avidez de certos “líderes religiosos” (na verdade, homens de negócios) que pressionam governos e autoridades para abrirem seus templos e igrejas em meio a uma pandemia sem o menor controle.

“Mas se bares, shoppings e restaurantes estão abertos...”

“E o transporte público lotado, ninguém fala?”

Os argumentos se sucedem como se erros pudessem justificar mais erros e com isso não sairemos tão cedo deste drama. Está tudo errado, nunca tratamos a maior crise sanitária e saúde dos últimos 100 anos com a devida seriedade e todos os setores são prejudicados. Não à toa o brasil foi classificado como o país da pior gestão em relação à pandemia.

A quem interessa tudo isso?

Pelo visto os donos do poder e elite econômica não estão preocupados com pandemia, vírus e mortes, tanto que continuam bancando um presidente genocida e sua trupe governamental porque o país está do jeito que essa turma gosta — os pobres em seu devido lugar de pobreza para que todos eles possam fazer caridade com cestas básicas e posarem de “socialmente engajados” nos quadros que pregam solidariedade na mídia; a boiada passando por cima de tudo quanto é ser vivo e legislação ambiental; militares com suas regalias garantidas, fanáticos conservadores neopentecostais ditando projetos e rumos para a educação, a entidade conhecida como “mercado” muito satisfeita com suas especulações e perspectivas de reformas que visam retirar mais direitos de trabalhadores.

E dentre os direitos mais básicos estão o direito à vida e à saúde. Nem isso é respeitado. Em nome da economia de alguns poucos, o sacrifício de muitos é diário: enquanto 11 novos bilionários brasileiros comemoram sua entrada na lista da Forbes, 19 milhões de brasileiros entraram no mapa da fome. Qual é o plano para essa gente? Um auxílio emergencial de R$ 150,00 no valor mínimo em um país onde o botijão de gás está custando quase R$ 100. Sim, este é o "plano", pois manter o tal “teto de gastos” é mais importante do que salvar vidas.



Não se enganem: tudo isso é projeto. A elite econômica quer o retorno aos “tempos gloriosos” de uma sociedade marcada pela escravidão e autoritarismo e nada melhor do que um presidente fantoche que representa fielmente tais características para levar à frente um processo de higienização social daqueles mais vulneráveis e indesejáveis. Morrer 300 mil, 500 mil, 1 milhão de pessoas dos segmentos mais pobres e desfavorecidos não faz a menor diferença para eles, que serão tratados por determinados setores da grande imprensa como “respeitáveis homens de negócios que geram progresso ao país”.



O que diremos às futuras gerações? O que me assusta, na verdade, é que com tamanho desprezo à vida e indiferença seletiva diante de milhares de mortes diárias por parte de inúmeros atores e cúmplices do genocídio brasileiro, provavelmente formaremos pessoas sem empatia, sem compaixão e completamente egoístas, como aquelas que dizem que precisam ir a bares e festas em nome "da saúde emocional" e de empresários que querem furar a fila de vacinação comprando seus próprios imunizantes utilizando o ministério da Saúde e o SUS como "laranjas" neste processo. Se houver algum resquício de humanidade daqui a alguns anos, não seremos perdodados.

Isso, claro, se existir um brasil no futuro. Atualmente, não consigo pensar que somos um país e muito menos que há algum futuro pela frente senão o da sobrevivência em meio ao caos desta máquina de triturar gente.

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Charges: do autor. 
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