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J´accuse! Eu acuso!
Em janeiro de 1898 o escritor Émile Zola causou enorme discussão e polêmica em toda a França graças a um artigo de jornal sob o título “J´accuse..!” (“Eu acuso...!”, em português). A peça literária apresenta como temática o famoso “caso Dreyfus”, quando o então capitão de artilharia Alfred Dreyfus foi acusado de traição pelo próprio exército francês com base em documentos falsos, provas manipuladas e no antissemitismo crescente na França — o capitão era judeu e foi condenado à prisão perpétua.
O artigo de Zola entrou para a história por acusar nominalmente vários militares do alto escalão pela vergonhosa manipulação comprovada para incriminar o oficial. A farsa foi desmontada e Dreyfus reabilitado em 1906.
Março, 2021. No dia 16 deste mês o brasil chegou à assombrosa marca de 2.842 óbitos em 24 horas pela Covid-19. Mais de 280 mil pessoas perderam a vida na pandemia que não recua no país, muito pelo contrário. Já seria um grande desafio controlar a transmissão do vírus e o avanço da doença em condições “normais”, porém torna-se impossível com um governo negacionista, autoritário e que boicota deliberadamente todas as medidas de prevenção à Covid-19.
O que acontece no brasil é claramente um genocídio que tem método e protagonistas. O genocídio, de acordo com o dicionário Aurélio, tem a seguinte definição:
Crime contra a humanidade, que consiste em, com o intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: matar membros seus; causar-lhes grave lesão à integridade física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de destruir fisicamente, no todo ou em parte.
Em Janeiro de 2021 um grupo de 352 pessoas composto por juristas, economistas e intelectuais assinou e protocolou documento em que acusa o presidente jair bolsonaro como fomentador de sabotagens no processo de compra de vacinas, induzir a população a duvidar da eficácia do imunizante e insistir em medicamento ineficaz para a covid-19 — a cloroquina, cuja produção e distribuição foi bancada com recursos públicos. Os indígenas brasileiros também acusaram na ONU (Organização das Nações Unidas) o governo brasileiro por genocídio.
Além destes grupos, o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e a ONG Conectas Direitos Humanos divulgou pesquisa em que esmiúça todos os atos do governo federal diante da pandemia e conclui que não houve negligência, e sim “estratégia institucional de propagação do vírus”. O documento, com uma linha do tempo demonstrando os atos normativos, obstruções, propaganda e discursos ideológicos e negacionistas que promoveram o caos contra as medidas sanitárias pode ser acessado AQUI.
Como esquecer, por exemplo, da incitação feita por bolsonaro aos seus apoiadores para invadirem hospitais e gravarem vídeos para “mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não”, nas palavras do próprio presidente? E quando o presidente comemorou a suspensão momentânea dos testes com a vacina CoronaVac entre declarações de que a pandemia “está indo embora” e “chegando ao fim”? Além de induzir a população de que a vacina produzida pelo laboratório chinês SinoVac em parceria com o Instituto Butantã causaria “morte, invalidez, anomalia”, tentou passar a sensação de “normalidade” para que sua grande bandeira continuasse tremulando: a salvação da economia.
A economia é uma atividade humana. Para que essa atividade seja desempenhada, é preciso duas condições óbvias: seres humanos vivos e saudáveis. Não há economia que se sustente em um cenário de pandemia descontrolada como o que temos no brasil. Reabrir escolas, sob pressão de empresários do setor, é algo desumano e criminoso para com a comunidade escolar. O que existe é uma tentativa absurda de impor uma “normalidade forçada” com reaberturas e estímulos a aglomerações em um país dizimado por uma doença e em crise econômica desde antes da pandemia — e que vai piorar sem o auxílio emergencial significativo e um ministério da economia que vive de devaneios e sem ações efetivas sobretudo para os pequenos empresários e comerciantes.
O Brasil é conhecido como o "país do jeitinho" e não é com tal conduta que nos livraremos da pandemia. É preciso ter planejamento, controle da transmissão do vírus (mesmo que para isso sejam necessárias medidas duras como lockdown de verdade por alguns dias), política pública para distribuição de renda e auxílio aos trabalhadores e pequenos empresários, testagem e rastreio em massa, protocolos atualizados, comunicação direta e afinada com as normas sanitárias e epidemiológicas e, claro, a compra de vacinas e aceleração do programa de imunização.
Quantas vidas a mais serão sacrificadas em nome de uma ilusória “retomada da economia” e de uma “normalidade” doentia?
É preciso ser justo: bolsonaro não está sozinho nesta tragédia humanitária. Há inúmeros cúmplices que ajudaram e continuam a ajudar o presidente sob o argumento da economia e outras justificativa anticientíficas, ideológicas e conspiracionistas. Nessa lista, que não é pequena, constam diversos oficiais do exército brasileiro, políticos da base bolsonarista e simpáticos ao presidente, vários empresários, líderes religiosos, jornalistas e parte da imprensa que abre espaço e microfones para negacionistas, apresentadores de TV, influenciadores digitais e, claro, os apoiadores fanáticos e violentos, que contribuem com o caos e com o gabinete do ódio compartilhando fake news e discursos que dividem e deseducam as pessoas, promovendo inclusive o linchamento social e virtual de personalidades contrários ao bolsonarismo.
Como escreveu Zola há 123 anos e sem querer me comparar ao notável autor de “Germinal”, tomo emprestado o título de seu artigo: eu acuso todos os cúmplices do bolsonarismo por genocídio! A partir do momento em que a pandemia desembarcou no país e sobretudo a essa altura dos acontecimentos, qualquer pessoa ou instituição que defenda o presidente é cúmplice. J´accuse!
Esse maldito jeitinho é o que mais me incomoda no país. Tudo é resolvido dessa forma, das políticas públicas até a obra do seu Zé, tudo é feito de maneira provisória que se torna permanente e por baixo dos panos. Como que a gente pode ter um futuro com uma cultura dessas? É desesperador.
ResponderExcluirMinha mãe riu quando eu falei sobre os cuidados hoje de manhã depois que ela conversou com a vizinha. Perguntei se elas estavam distantes, se foi no portão. Ela riu, mas eu reforcei a preocupação com a situação em que estamos vivendo. Não é hora pra conversar com ninguém no portão! Agora é hora pra salvar vidas, mas se nem o presidente se importa com isso, como que o povão vai entender?
Tempos muito sombrios, meu amigo...