Os idiotas da aldeia


O escritor italiano Umberto Eco, falecido em 2016, em crítica à internet e principalmente às redes sociais utilizou o termo “idiotas da aldeia” para referir-se ao que ele chamou de “portadores da verdade”, pois estes “têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”.

Há quem pense que o autor de obras como “O nome da Rosa”, "Cemitério em Praga" e “Baudolino” exagerou, pois além de soar como uma crítica elitista, a internet e as redes sociais também deram vozes a muitos excluídos das grandes mídias que têm coisas interessantes para contar - além de quebrar monopólios de grupos que detinham o poder da informação; esse tipo de a crítica de Eco sobre a imbecilidade (que grassa pela internet) pode ser conferida também no bate-papo com Jean-Claude Carrière, publicado sob o título “Não contem com o fim do livro” (2009):

Ser culto não significa necessariamente ser inteligente. Não. Mas hoje todas essas pessoas querem se fazer ouvir e, fatalmente, em certos casos fazem ouvir apenas sua simples burrice. Então digamos que uma burrice de antigamente não se expunha, não se dava a conhecer, ao passo que, em nossos dias, vitupera.”

Ao navegarmos pela internet e redes sociais encontramos perfeitos exemplos do que Eco quis dizer. As caixas de comentários nos portais de notícias estão repletas de pérolas de tamanha imbecilidade que chegam a assustar aos desavisados (ou corajosos) que resolvem ler as “opiniões” sobre determinadas notícias – independentemente dos temas. O criador da Wikipedia, Jimmy Wales, também afirma que estes espaços para comentários são formados “basicamente em idiotas gritando uns com os outros”.

O mais preocupante é que tal imbecilidade é ostentada com orgulho por muita gente que compartilha e ajuda a disseminar tais ideias. Sob a justificativa da “liberdade de expressão” e da “opinião livre”, não é difícil encontrar expressões agressivas que descambam para preconceitos e ofensas publicados todos os dias em diversos ambientes virtuais, promovendo intolerância e incitando a violência. Em 2014 foram recolhidas mais de 86 mil denúncias de racismo e 4,2 mil de homofobia pela internet, segundo a ONG SaferNetBrasil. O chamado "discurso de ódio" é simplista, raso e superficial em análise, o que é bastante atrativo para muita gente. Isso é bastante perigoso, pois estes discursos podem sair da esfera virtual para se transformarem em agressões de fato no "mundo real".  

Isso relaciona-se também com a imensa quantidade de notícias falsas de “autoria desconhecida” circulando pelas redes sociais e aplicativos de mensagens via celular. Não seria tão difícil reconhecer parte considerável dessas informações como falsas: em geral são textos mal escritos que apresentam erros gramaticais gritantes e não possuem fontes consistentes. Sem aprofundamento na leitura, as figuras de linguagem (como a ironia) sequer são percebidas pelo leitor, independente do seu grau de escolaridade. Não à toa que há sites como o e-farsas e o boatos.org que se dedicam a desmascarar as notícias falsas que são rapidamente compartilhadas pelas redes.

Para o jornalista norte-americano Nicholas Carr, autor do livro “A geração superficial – o que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, esse tipo de leitura apressada e superficial é preocupante: “A passagem da leitura para a conferida rápida está ocorrendo muito aceleradamente. (...) Não há nada errado com o navegar e o escanear, ou mesmo com a conferida rápida. (...) O que é diferente, e perturbador, é que ler por alto está se tornando o nosso meio dominante de leitura”. Com base apenas na chamada de uma notícia (sites e blogs sabem disso e assim promovem chamadas polêmicas para atrair mais visitantes) os “idiotas da aldeia” travam verdadeiras guerras verbais onde ofensas, acusações e julgamentos são apenas alguns “aperitivos” para aqueles dispostos a acompanhar certos grupos e comentários – isso quando a coisa não termina em tragédia, como o caso da dona de casa que foi espancada até a morte graças aos boatos espalhados nas redes sociais.

Em 2007 o criador do termo “web 2.0” e defensor do software livre, Tim O´Reilly, teve a ideia de publicar uma espécie de “código de conduta” para os blogueiros – o que causou grande polêmica à época porque tal medida foi vista por muitos como um ataque à liberdade de expressão. O tal “código de conduta” foi proposto por conta da agressividade vista nos blogs e buscava promover alguma civilidade no ambiente virtual. Dois itens daquele código talvez chamassem a atenção hoje: “nunca diga na internet aquilo que você não diria pessoalmente” e “não alimente os trolls”. Isso foi há 10 anos e ainda lidamos com a agressividade no meio virtual em plataformas diferentes porque ao que parece o clichê "pensar diferente não faz de alguém o seu inimigo" ainda não foi assimilado.   

Provavelmente os trolls e idiotas da aldeia virtual não passem de indivíduos que descarregam suas mágoas, frustrações (até sexuais), agressividade e tolices na grande rede. De qualquer forma é preciso cuidado até para filtrar as "amizades" em redes sociais e aplicativos. Como hoje somos todos narradores e comentaristas de assuntos que envolvem desde reality show culinário até a crise dos refugiados na Europa, é inevitável que encontremos também uma série de opiniões de todos os tipos – sensatas, inteligentes, idiotas. Não precisamos falar sobre tudo e todos, principalmente daquilo que não conhecemos bem ou tratamos apenas de forma superficial.    

Na era da pós-verdade seria bom se pudéssemos resumir tudo a uma expressão: bom senso, o grande desafio quanto à postura na internet -  e na vida, de modo geral.  

Referências:
Carr, Nicholas. A geração superficial: o que a internet está fazendo com nossos cérebros. Rio de Janeiro: Agir, 2011.
Carrière, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro / Jean Carriére, Umberto Eco, Rio de Janeiro: Record, 2009.
 

7 comentários:

  1. Olá Jaime, muito boa tarde amigo!!
    Excelente texto, muito bem construído, como não poderia deixar de ser...

    Ler seus escritos se constitui em uma dádiva para quem quem escapar dos oportunistas de plantão que pululam pela internet, principalmente nas redes sociais. Já nem digo nos blogs, porque parece que os blogueiros conscientes, estão abandonando essa forma de comunicação.
    Misericórdia amigo!! Quantas bobagens lemos por aí e como as essas besteiras são alimentadas por outros desavisados, que sem pesquisar a fonte, continuam propagando e alimentando fatos inverídicos que podem resultar até em tragédias extremas, como a morte daquela senhora que fora espancada a céu aberto por uma multidão enfurecida!!!!! Que humanos são esses que propagam o ódio dessa maneira?

    Amigo, confesso que ao publicar algo no facebook ou outra rede, fico na expectativa de receber um comentário agressivo. Mas nestes casos, eu simplesmente deleto e não fico prolongando essa situação. Não vale a pena!!
    Melhor investir em amizades que agregam, que nos trazem cultura e bons ensinamentos. Chega de pesos e o que nos faz mal!! Ainda é tempo de tornar a vida mais feliz não é mesmo? :))

    Deixo um grande beijo e desejos de um final de semana maravilhoso!!!
    Feliz 2017!! Uhullllllll

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    1. Oi, Adriana. Todos ficamos apreensivos com algumas publicações, mas você faz bem: deleta um comentário agressivo e segue em frente.

      Muito grato por suas palavras gentis. :)

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  2. Jaimezinho... por essas e outras que minha máxima para este ano tem sido: não leia os comentários! Tá foda lidar com essa multidão. :'(

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    1. Joicy, acho que foi o Bukowski quem afirmou algo do tipo "para onde a multidão segue, tomo o sentido contrário". É bem melhor assim.

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  3. Muito certeira sua análise! Me arrependo muito quando desobedeço ao mantra "não leia os comentários", principalmente em portais de notícias. E mesmo com algumas redes sociais cujos administradores prometeram frear notícias falsas, parece que é uma praga sem controle! Falta muito discernimento, interpretação de texto e noção de ironia para quem sai compartilhando inverdades e para os que comentam sem nem ler direito. Sem falar que um post em um blog ou em redes sociais que ultrapassem um parágrafo resultam em um ou mais comentários do tipo "não li o texto todo,mas acho...". Não leu todo não opina, amiguinho, simples assim. Concordo com a Joicy quando ela diz que tá foda.

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    1. Verdade, Mari, algumas pessoas leem apenas o título e despejam seus "achismos" e "teses" sobre um assunto que mal conhecem ou buscaram informações. Não tá fácil mesmo. :(

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  4. Boa noite Jaime!

    Muito bem escrito seu texto.

    Por essas e outras que não participo de grupos, nem Face , Instagram, e outros similares . Só estou no blog e pinterest.
    Triste fato! Mais nas redes sociais existem dois tipos de pessoas: aquelas que leem e aquelas que não leem um texto por completo. A regra é compartilhar e compartilhar. Não importa se a noticia é falsa ou verdadeira, o lance é levar pra frente. Como citou no seu texto o e-farsas e o boatos.org são site de ajuda muito boa nesse sentido para ajudar a não compartilhar notícias falsas.
    Existem tantos textos mal escritos que apresentam erros gramaticais imperdoáveis, as pessoas leem apenas o título de uma reportagem, veem apenas a foto publicada e já saem espalhando sua opinião sem sequer ter lido o conteúdo da matéria. No whatsapp, principalmente em grupos acontece muito dos contatos compartilharem esse tipo de noticia falso. Eu nem leio, já vou apagando.
    Acontece muito nas postagens de noticias no yahoo. São comentários sem pé sem cabeça. Coisa de loucos para aparecer.

    Tem um texto sobre banho lá no blog!
    Boa semana!
    Beijokas!

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