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prêmio Nobel de Literatura
Bob Dylan: uma pedra rolando sobre o conservadorismo acadêmico literário.
Foi anunciado o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2016: o compositor, cantor e músico norte-americano Bob Dylan, de 75 anos. As reações da opinião pública foram, claro, controversas: muitos amaram, outros detestaram, uns acharam estranho, outros louvaram a escolha.
No entanto, as melhores reações que eu tenho observado e me
divertido são os chiliques e esperneios de alguns acadêmicos, críticos literários e literatos que consideram tal escolha “uma coisa absurda”, visto
que Bob Dylan "é compositor", “não é escritor com livro publicado” (mas ele tem) e, sendo
assim, não mereceria um prêmio Nobel neste campo sagrado da literatura. O mundinho fechado e solene dos cânones foi profanado
por um compositor popular de folk, rock e country. Onde já se viu tamanha
ofensa?
Parece que o problema reside justamente no fato de ele ser
um músico, um compositor. Ora, um compositor não escreve? De acordo com a secretária da Academia Sueca, “pode parecer uma decisão radical, mas se você
olhar lá para trás, você descobre Homero, Safo, que escreviam poemas para serem
ouvidos, cantados, é a mesma coisa com Bob Dylan. Ainda lemos Homero e Safo.”
Exatamente: relembremos trovadores galego-portugueses e provençais com seus cancioneiros em suas peregrinações pelas cidades e cortes a partir do século
XII – isso para ficar apenas num recorte histórico; ou um exemplo mais próximo,
o dos poetas do cordel no Nordeste brasileiro, cuja tradição remonta aos
cantadores. O que os cantadores faziam e ainda fazem? Cantam, em versos, a
vida: o sertão, os povoados, as pelejas, a religiosidade, os amores, as dores.
O escritor Affonso Romano de Sant´anna já nos lembra que “a
confluência entre música e poesia cada vez mais se acentua desde que poetas
como Vinicius de Moraes voltaram-se para a música popular e que autores como
Caetano e Chico se impregnaram na literatura”. Independente de preferências e
posicionamentos políticos, como negar a poética de um Chico Buarque ou de
Vinicius? Aliás, o próprio poetinha afirmou: “Não separo a poesia que está nos
livros da que está nas canções".
A literatura popular foi, durante muito tempo, desprezada
pela Academia e acadêmicos por ser considerada “simplória”, sem “erudição”. Evidente
que há o que selecionar quanto à qualidade, mas alguém aí se atreve a
questionar a genialidade de um Patativa de Assaré, por exemplo? (lembrando que o poeta e compositor cearense foi
bastante premiado durante sua vida - inclusive Doutor Honoris Causa em várias
universidades)
E por que um compositor do porte de Bob Dylan não pode
ser premiado também? Ok, podemos questionar vários aspectos sobre as premiações
do Nobel, mas não tratemos destes critérios por aqui neste momento. Concentremo-nos na literatura. É
bom sair do mundinho da academia e ouvir/ler/apreciar coisas que não estejam classificadas em
grupinhos seletos. A obra de Dylan está aí desde a década de 1960 e suas influências
literárias são extraordinárias: de
Rimbaud a Tchekhov, passando por Dylan Thomas, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e a literatura
beat, tais influências podem ser notadas em várias de suas letras. Em
“Desolation row”, por exemplo, há referências de T.S Eliot e Ezra Pound. Se a questão é "ser livro", então que se ouça Bob Dylan como uma espécie de audiobook - e preste atenção às letras de "Subterranean homesick blues", "Tanged up in blue", "Visions of Johanna" e a extraordinária "Hurricane", para citar algumas das mais populares do compositor norte-americano.
Dylan sempre foi um artista inquieto e controverso, quebrou várias convenções e era, literalmente, uma pedra rolando. O prêmio Nobel de Literatura está em ótimas e talentosas mãos - os literatos e acadêmicos podem bufar e espernear à vontade em sua santa cruzada pela sacralização da literatura ( um desserviço), mas se Dylan pudesse cantar algo a eles, provavelmente seria "The times they are changing" (Os tempos, eles estão mudando). Youtubers com seus canais de literatura que o digam, mas essa já é outra história.
Dylan sempre foi um artista inquieto e controverso, quebrou várias convenções e era, literalmente, uma pedra rolando. O prêmio Nobel de Literatura está em ótimas e talentosas mãos - os literatos e acadêmicos podem bufar e espernear à vontade em sua santa cruzada pela sacralização da literatura ( um desserviço), mas se Dylan pudesse cantar algo a eles, provavelmente seria "The times they are changing" (Os tempos, eles estão mudando). Youtubers com seus canais de literatura que o digam, mas essa já é outra história.
Pois é, preconceito no meio literário existe sim, e este celeuma em torno de Bob Dylan é a prova. Há muito escritor, acadêmico e os tals que acha sei lá, que literatura é alguma flor intocada e pura que nasce em jardins privilegiados e de difícil acesso e que qualquer coisa fora disso tem menor valor.
ResponderExcluirE tais pessoas tão eruditas deveriam pesquisar antes de criticar, assim saberiam que ele tem livros publicados.
Gostei da reflexão que seu texto proporciona.
Abraços!