A Copa do Mundo é nossa.



Após 64 anos, o Brasil novamente é sede de uma Copa do Mundo de futebol. A primeira vez, em 1950, o torneio contou com apenas 13 seleções divididas em 6 cidades sedes:  São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife. Agora, em 2014, teremos 32 seleções em 12 cidades.

A Copa do Mundo no Brasil ainda divide opiniões quanto à organização e os gastos com a construção de novos estádios para atender os critérios exigidos pela FIFA. Muitos brasileiros contestam o fato do país inaugurar uma série de estádios caros e modernos ao passo que a situação em setores como saúde e educação continua precária. Isso também se repetiu em1950: a construção do Estádio do Maracanã foi polêmica e os brasileiros já contestavam que o dinheiro seria melhor aplicado para melhorar a infraestrutura da saúde.

Evidente que as deficiências do país em diversos setores não são culpa da FIFA e muito menos da Copa do Mundo – aliás, triste do país que precisa de um torneio de futebol para resolver problemas básicos de infraestrutura. O grande problema com a Copa não é o evento em si, mas as expectativas criadas em torno do campeonato de futebol. De 2007, ano em que o Brasil foi anunciado como país sede, até agora, duas expressões foram muito difundidas através de governos, empresários e imprensa: “legado da Copa” e “vetor de oportunidades”. Acreditava-se que com a Copa do Mundo teríamos uma espécie de “Jardim do Éden” no país: cidades resolvendo problemas de mobilidade urbana e infraestrutura, brasileiros falando inglês e espanhol com muita naturalidade em cada esquina, hotéis e pousadas lotadas de turistas que chegariam do exterior em aeroportos modernos e eficientes. Sete anos depois o cenário de pujança idealizado não chega nem perto do que tentaram vender à população – daí a frustração e a disposição para protestos e manifestações como as que tivemos em Junho de 2013.

(Um adendo sobre manifestações e protestos: a Copa do Mundo é um evento que atrai atenções do mundo inteiro. Então é natural que os manifestantes aproveitem este acontecimento para obterem maior visibilidade para suas causas e reivindicações – “sou visto, logo existo”, é o lema da contemporaneidade. É claro que há oportunistas de todos os tipos, mas também há categorias de trabalhadores e movimentos populares que sempre manifestaram suas insatisfações em relação às políticas públicas e reivindicam melhores condições de trabalho e de vida independentemente de grandes eventos esportivos.) 

Quem tem boa memória lembra que essa história de “legado” foi repetida à exaustão quando os Jogos Pan Americanos foram sediados no Rio de Janeiro em 2007. Anos depois o tal legado para a cidade não se concretizou e muito pelo contrário: vários equipamentos esportivos (apenas para citar a parte do esporte) foram abandonados ou mesmo destruídos – e é bom lembrar que o Rio de Janeiro vai receber os Jogos Olímpicos em 2016 daqui a dois anos. E a maioria dos gastos para organizar o Pan do Rio saiu dos cofres públicos – e o “legado” daquele evento foi um fiasco. O histórico das políticas públicas do Brasil, planejamento e obras (além da corrupção endêmica) não é animador.

Fãs de futebol do mundo inteiro e os brasileiros vão acompanhar e torcer, é claro, por suas seleções e todos querem conferir as jogadas de grandes craques como Messi, Cristiano Ronaldo, Robben, Neymar, além de equipes candidatas ao título como Espanha e Alemanha – dentro de campo a Copa tem tudo para ser bem sucedida. Mas é preciso manter o espírito crítico: se o país é capaz de realizar um grande esforço para que novos estádios sejam construídos (a custos elevadíssimos) a fim de atender exigências da instituição que dirige e controla o futebol no mundo, por que novas escolas modernas e confortáveis não são construídas ao invés de simplesmente “reformarem” os prédios escolares caindo aos pedaços, ultrapassados e nada estimulantes para os alunos e professores? Tão bonito quanto um gol de Pelé ou uma jogada de Neymar é uma educação digna para todos – mas aí a torcida precisa deixar as arquibancadas e entrar em campo.

Enfim, vai ter Copa e vai ter postura crítica também – o que é salutar. Torcer pela seleção brasileira não configura “alienação” e criticar o evento também não significa ser “vira lata”, em alusão ao “complexo de vira latas” a que Nelson Rodrigues se referiu. O que esperamos é que possamos um dia dizer “vai ter boa Educação”, “vai ter boa Saúde”, “vai ter respeito pelo meio ambiente” e muito mais. Essa é a torcida que vai unir a todos.   

10 comentários:

  1. De fato, diversão e responsabilidade não se excluem. Com ou sem Copa, estamos muito distantes de uma sociedade justa. A Copa não retira recursos de setores mais importantes; a Copa demonstra que somos capazes de encaminharmos esforços, sem muita dificuldade, quando desejarmos aquilo que nos parece ser o mais importante. Precisamos mais do que pão e circo, mas não é possível viver sem eles também.

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  2. Agora é contagem regressiva, que tudo bom venha a transcorrer!

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  3. Muito bom! Seu blog é bastante original, parabéns.
    Lembrei do jornalzinho de Umbuzeiro que você ilustrava.

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  4. Olá, Jaime.
    Muito lúcido, reflexivo e necessário o teu texto; como boa parte dos brasileiros, gosto de futebol e de torcer por meu time e pela seleção (seja ela qual for), mas em nenhum momento permito que isso me deixe alheio ao que se passa neste nosso país tão mal tratado por seus governantes.
    Não acredito que o pressuposto e suspeito "legado" da Copa seja algo realmente verdadeiro, me parece que ele nada mais é do que uma desculpa para os gastos exorbitantes que ocorreram na criação e manutenção do evento.
    Um filme que me veio a mente agora foi o uruguaio "O Banheiro do Papa", que relata um fato ocorrido em uma cidadezinha onde o Papa fez um breve discurso e a população local se prepara para o evento comprando e preparando quilos e quilos de comida para vender aos visitantes, só que aparece pouca gente e todo mundo fica no prejuízo.
    A Copa vai passar, mas o país não, e ele é responsabilidade nossa e de mais ninguém.
    Abraço, Jaime.

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  5. Que visão crítica linda nesse texto,Jaime!Um texto escrito de forma responsável e elegante.Bem sensato,você!
    Bem,para mim,essa Copa é uma vergonha,uma pagação de mico nunca antes vista na estória desse país;sim,porque esse país parece-me uma fábula,onde somos os 'burrinhos de carga'.Essa Copa é para uma determinada classe,que pensa ser elite,mas no fundo,também não passa de uma 'burrinha de carga'.
    O povo brasileiro e FIFA não combinam,não se misturam,não se identificam.
    Eu não vi o Brasil,meu Brasil brasileiro,ontem naquela abertura da Copa.
    Como já disse,o único legado da Copa será os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres,cada vez mais manipulados(ainda mais se o Brasil ganhar,o que será fato consumado).

    Beijão,querido!Dani.

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  6. Adoro suas ilustrações e sua doce ironia!
    Saudade de te ler. Estou sem Facebook, mas por aqui...
    Abraços

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  7. Jaime, Jaime... teus textos são sempre inteligentes e tu explora o assunto por diversos ângulos. Fico encantada lendo e até encontro dificuldade para comentar, afinal, pra mim, tu meio que já disse tudo aqui, hehehe! Continue escrevendo sempre, rapaz! Um abraço!

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  8. Meu querido amigo, depois de tanto tempo resolvi visitar aos velhos amigos e me deparei com esse texto. Você conseguiu tocar na ferida. Foi fundo e disse tudo. Parabéns, por não ter desistido como a maioria (como eu)!Vamos torcer pela seleção e pelo dia em que poderemos viver numa sociedade melhor. Um grande abraço!

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  9. Jaiminho,
    como cheguei tarde... vou colocar minhas considerações finais. (que eu já havia colocado no faceb.), se me permite, deixo aqui.
    Beijos!

    Foram muitos dias de torcida em família, regada a bom acompanhamento de salgados e doces para fortalecer os gritos. Houve choro e mais torcida, em especial depois do jogo do Brasil com Chile. Não sei torcer sem gritar. E valeu também algumas pequenas simpatias: unhas pintadas de amarelo e um echarpe azul que usei em todos jogos, e foi divertido. Não levo a sério isso, mas quis brincar de Copa e foi legal. Assisti a minha filha cantar o hino brasileiro lendo as legendas pela primeira vez, e essa foi a melhor parte. E chorei pelo hino em capela, todas às vezes, nessa hora esqueci de CBF e blá blá blás... É o hino do Brasil, e só! E todos cantando juntos, isso nunca será ruim. O personagem da Copa para mim foi o Suárez da seleção uruguaia, por bem ou por mal, levou minha audiência Duas seleções me encheram os olhos: Argélia e Costa Rica (aliás se eu pudesse ter escolhido uma final em que não estivesse o Brasil, teria sido essa, mas...). E aqui em Porto Alegre, inevitavelmente, o mar laranja da torcida holandesa marcou história e estará para sempre na retina de nós gaúchos. Nós que recebemos 3 seleções finalistas: Argentina, Alemanha e Holanda. E o Brasil repetiu estádios lá para cima e aqui nada... De uma forma muito estranha, isso não fez tanta falta. Sobre o 7 x 1 e o 3x0, é problema da CBF, equipe, técnico e comissão técnica do Brasil - fizemos nossa parte como torcedores.Penso que venceu a seleção mais competente.
    Bons dias de Copa. Amo futebol! E esse campeonato mundial sempre me envolveu desde bem criança.
    Assim acontece no jogo mais popular do planeta: onde é possível se fazer poesia com uma coisa chamada bola!

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