Sobre seleção, patriotadas e humildade

Dei muita risada com a eliminação da Argentina na Copa América 2011, disputada lá mesmo no país de Borges, Cortazar e Gabriela Sabatini. E dei mais risada ainda com a eliminação da seleção brasileira da forma como aconteceu: os jogadores não conseguiram acertar uma mísera penalidade no gol. Mas dizem que Elano e André Santos acertaram um satélite que transmitia a partida para Assunción e o Fred acertou a cabeça de um repórter paraguaio. Estamos vingados!

Não fique nervoso(a), rir é o melhor remédio e estressar por causa da seleção brasileira não é bom negócio. Por falar em negócio, é isso o que a seleção representa para o sr. Ricardo Teixeira, presidente da CBF: uma mina de ouro. Mas nem é sobre isso que vou falar e se você não entende de futebol fique tranquilo(a) pois não vou analisar atuações individuais, esquema tático e outras peculiaridades dentro das quatro linhas.

Prefiro refletir um pouco sobre as manifestações de muitos torcedores após a disputa de pênaltis que eliminou a seleção brasileira. Manifestações recorrentes que li em comentários e redes sociais pela internet reclamando dos “jogadores arrogantes e sem humildade” e “falta de amor à camisa da seleção brasileira”.

Bastante curioso o torcedor brasileiro falar em “humildade” dos jogadores se o próprio torcedor mantém uma postura pra lá de arrogante no futebol. Sempre que a seleção brasileira perde um torneio acompanhamos teorias conspiratórias e caça às bruxas tentando encontrar um “culpado”. Em 1998 o Brasil perdeu para a França a final da Copa do Mundo e assim surgiu a história de que a Copa já estaria “vendida” para o país de Zidane, Platini e Brigitte Bardot. Ou então a culpa é do jogador "Sicrano" ou "Fulano". Nunca se admite que do outro lado existe um time adversário que deseja vencer a partida e que foi mais competente em alguns fundamentos decisivos dentro de campo.

O atual técnico da seleção brasileira, em entrevista após o jogo contra o Paraguai, colocou a culpa no gramado pelo insucesso na cobrança dos pênaltis. Palavras do próprio Mano Menezes: “no local do pé de apoio, a grama estava alta”. Quer atitude mais arrogante do que esta? Isso é desdenhar do time adversário, mais competente nas penalidades. O brasileiro é o melhor do mundo, claro... jamais erraria. É mais ou menos essa a mentalidade.

Por fim, a “falta de amor à camisa da seleção brasileira”. Sabemos que hoje o futebol é um negócio que movimenta valores financeiros astronômicos. Os patrocínios, as ações de marketing, transferências de jogadores, direitos de transmissão, salários de jogadores e técnicos “de primeira linha” envolvem cifras elevadas. Em 2014 teremos a Copa do Mundo no Brasil e apenas um estádio, em São Paulo, custará R$ 820 milhões – e isso em uma cidade que já possui dois grandes estádios de futebol. Este é apenas um exemplo das cifras no futebol, sem citar os salários de jogadores como Neymar, Ronaldinho Gaúcho e tantos outros.

Dinheiro, claro, mas a chamada “falta de amor à camisa” também está relacionada ao patriotismo. O que temos, na verdade, é uma patriotice, ou seja, um falso patriotismo que se revela em Copa do Mundo e quando a seleção brasileira é derrotada. Ontem no twitter uma tag chegou ao topo do chamado trending topics: #vergonhabrasil. Eram torcedores indignados com a eliminação da seleção. Porém aceitam de forma quase passiva o caos na educação pública, na saúde pública, os escândalos políticos que são esquecidos porque sempre “aparece um novo todos os dias”. Ser patriota e “ter amor à camisa” é também estar informado sobre esses assuntos e ao menos discutir, debater, formar massa crítica ou manifestar o desagrado em várias formas. Se não há essa formação patriota e da consciência de que o problema da educação – vou citar apenas este setor - não é apenas dos professores e sim de toda a população, não esperemos que os jogadores da seleção venham dar lições de “amor à pátria”: eles são o resultado de uma sociedade cujo lema cada vez mais parece ser “cada um por si e Deus por todos” - e principalmente jogadores de futebol no Brasil, em que a ascensão social significa estarem cercados de carros, mulheres, mansões, iates, mulheres...

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, afirmou estar “cagando” para as acusações sobre corrupção na entidade. Galvão Bueno repete o tempo todo sobre “o amor que o brasileiro tem pela seleção brasileira” ao lado de matérias imbecis à la Tino Marcos e bobagens como João Sorrisão na Rede Globo, que detém os direitos de transmissão dos jogos da seleção. Do lado de lá, os espertos se dando bem; do lado de cá, os patos, com a pontaria tão ruim quanto o Pato atacante.

( sugestão para os jogadores da seleção brasileira: chamem as jogadoras de futebol feminino do Japão. São batedoras de pênaltis eficientes e podem aprender muito com elas)

16 comentários:

  1. Jaime, mais uma vez uma belaaa crítica e adorei o quadrinho! Chorei de rir!
    Realmente, esse falso patriotismo do brasileiro é que é a verdadeira vergonha do país, enquanto o Brasil está acabado, as pessoas só se importam se a seleção ganhou ou não, aí a mobilização é geral.
    Engraçado também, é que se fomos comparar com a seleção feminina, que perdeu a Copa do Mundo, ninguém fez esses comentários ou teve revolta, afinal, o futebol masculino é o que interessa.
    Enquanto isso, os nossos "bons" jogadores estão aí cheios de din din e o presidente 'cagando' para nós!

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  2. Jaime...
    Lúcido e verdadeiro o teu post. Pena que isto esteja presente em um número tão pequeno de brasileiros pensantes. Além do péssimo futebol, da cartolagem que desdenha de todos nós, de da mídia que em sua maioria é maniqueísta, vai doer muito no bolso, na saúde, na dignidade, na educação, o quanto de corrupção esta copa vai alimentar no Brasil, e a maioria dos que "vestem a camisa amarela" não vão nem perceber....É realmente lamentável.

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  3. É o patriotismo de quem é brasileiro com muito orgulho e muito amor somente quando se está vencendo. Sempre tem alguém pra dizer que brasileiro não gosta de esporte, gosta de ganhar. No momento esse alguém adorador dos lugares comuns sou eu. Amamos incondicionalmente com a condição da vitória. Por que a vitória é o prêmio dos fortes, e quem quer ser o fraco, o derrotado da história? Humildade? Ah, ela é pros fracos. O torcedor entende isso muito bem, veja quando o time vence quantos dizem “vencemos”, como tivessem entrado em campo, participado NAQUELE drible, tomado carrinho do zagueiro, contribuído pro gol. Mas quando o time perde. Para um adversário “inferior”. Eles perderam, eles.
    O torcedor, antes de torcer pelo seu time, torce pela vitória, e somente por ela, talvez porque nela esteja sua autoestima.

    A cada 1 milhão de reais investido na Copa ou nas Olimpíadas, o Brasil teria 4 milhões de retorno. Isso é o que dizem os governantes. Resta saber como é que esse retorno vai acontecer...

    bjohnny!

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  4. Pois é caro Jaime, ao menos a 'indignação' não é só minha quanto à patriotice e arrogância desenfreada que vemos aos montes, sobretudo quando a seleção está em campo. É um caso bem complexo, só de começar a escrever, eu já fico nervosa querendo 'falar' um monte de coisas, mas tenho um dia inteiro de trabalho pela frente, então deixo esse falatório para outro dia, quem sabe!?

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  5. Faz muito tempo que não sou de torcer para a Seleção Brasileira masculina de futebol desde o começo da década passada. Motivo: assistir um de seus jogos sempre gerou mais agonia do que prazer. Ano passado, por exemplo, torci para que a Holanda vencesse a Copa do Mundo, eliminando então o Brasil que estava pelo caminho.

    Não tem só isso como também teve a tal arrogância que você destacou: "traz o hexa Brasil", "faltam 3 jogos para o hexa"... Eu também não me recordo dessa mídia imunda elogiar e reconhecer os méritos do time adversário.

    Cansei já dessa falta de foco do brasileiro que dá piti quando sua seleção de futebol perde e que não dá piti para coisas mais importantes que influenciam DIRETAMENTE no bem-estar (ou seria mal-estar?) deles. Por isso, estarei sempre torcendo para que eles quebrem a cara toda vez que forem depositar esperança na ponta da chuteira de alguém. Quase ninguém liga para quem eles depositam confiança no circo que é o nosso congresso nacional, cheio de fanáticos religiosos e de políticos que implicam dor e miséria em quem já tem o mínimo do mínimo em busca de mais e mais poder e riqueza. Ou seja, quanto mais esse tipinho podre de brasileiro que forma a massa da nossa sociedade se f*, melhor.

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  6. Minha cara Experiência Diluída, excelente lembrança da seleção feminina de futebol. Outro dia no twitter li um jornalista dizendo que "lá vem as meninas com a choradeira de falta de apoio e bla bla bla". Ora, se elas não falam, não aproveitam esse curto espaço para isso, quem vai falar? Esse mesmo jornalista não vai falar.

    Usei o termo "patriotadas", mas na verdade deveria ter utilizado "patriotices", pois isso é o "falso patriotismo".

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  7. Prezado Anônimo, obrigado pelo comentário. Uma pena que realmente os chamados "formadores de opinião" aí na grande mídia não leva tais questões em consideração. Essa Copa do Mundo no Brasil eu considero uma insanidade. De verdade. Quando um médico me diz quanto o SUS paga por uma consulta, quando um colega professor fala do seu contracheque... bom, deixa pra lá, não quero me estressar hoje rsrs Abs e volte sempre!

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  8. Olá, moça cabofriense!

    Ah, perfeita essa menção "Sou brasileiro com muito orgulho" quando está ganhando ou numa boa fase. Quando perde, é #vergonhabrasil. Há algum tempo escrevi nesse mesmo brog sobre as olimpíadas. Atletas que se viram SOZINHOS em busca de patrocínio, condições de treinamento ideais, falta de visibilidade nas mídias...quando um desses atletas chega à final de um esporte, por exemplo, o judô, entra em cena o "orgulho do Brasil". Até o momento que ele é derrotado: "Esses brasileiros precisam de um psicólogo, eles amarelam no final, tremem, não conseguem ganhar, que vergonha".

    Interessantíssimo esse comportamento. Merece mais linhas a respeito.

    Eu tenho perguntando a algumas pessoas que moram no RJ qual foi o legado que os Jogos Pan-Americanos em 2007 deixou para a população. Por esse evento "menor" podemos ver como será a "Copa das oportunidades" ( empreiteiros vão fazer a festa, é grana garantida até a 3.a geração! Futuro garantido para filhos, netos, bisnetos...)

    Bjks!

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  9. Laiane, eu também fico impressionado com essas coisas. Ao que damos importância, realmente? É curioso analisar certos comportamentos...eu, com toda a pretensão, tento ao menos observar com um olhar diferenciado rs :)

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  10. Peterson, é realmente por aí: há um tempão que eu não torço pela seleção brasileira porque ela não representa algo significativo hoje. Adoro futebol, acompanho sempre que posso os jogos do meu time mas essa "revoltinha" e "desespero" a cada derrota da seleção é muito boba diante de outras revoltas que deveríamos sustentar com maior ênfase.

    Muito bom seu comentário, como sempre! Obrigado!

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  11. Desisti de assitir futebol faz muuuito tempo, porque me revolto!
    No campo tem um bando de ignorantes jogando uma pelada (porque se fosse futebol de verdade, teria resultados melhores) e ganhando milhões por isso, e eu vou sofrer e assistir, enqto ralei minha vida toda muito mais que eles e pra ganhar uma mixaria?
    Não!!!
    Como você disse... patriotismo vai além de torcer pro seu país no futebol... a gente tem que correr atrás de melhorias em tudo o que precisamos em nosso país, cidade, bairro, o que for!!!

    Ui, me revoltei já,rs!!

    Beijos, e tenha um bom restinho de semana!!!!

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  12. É, meu amigo, tem hora que o povo precisa é disso mesmo (muito bem feito nesse texto): um chacoalhão, um choque de realidade pra perceber que tem coisa muito mais importante pra se indignar.

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  13. Não gosto quando o Brasil perde um campeonato; e gosto muito quando perde desta maneira. Uma montagem artificial, nesta promoção midiática. O Chico Buarque já diz há muito tempo que o Brasil, no futebol é uma das seleções do mundo. E que o mundo também gosta de futebol.

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  14. Myself, é revoltante mesmo...e o diacho é que o jogo vicia, nem dá pra deixar de acompanhar! rsrs

    Mas eu sou um torcedor bem moderado, quase alheio. Nem sempre foi assim, eu era exaltado, ficava nervoso. Hoje tô nem aí...se meu time ganha, comemoro. Se perde, dane-se, tem outro jogo depois rs Não vale a pena o estresse, ainda mais pela seleção.

    Bj

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  15. Mari, obrigado. Nem tem nada de errado em ser fanático por futebol - alemães e ingleses são doidos por futebol -, o problema é depositar no esporte e nos jogadores toda a esperança de "dias melhores" ou demonstrações patrióticas.

    Há tempo e espaço para tudo. :)

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  16. Sábio Chico, nobre Quintella. E neste domingo que passou assisti ao tal Esporte Espetacular. Impressionante, continua o ufanismo, a arrogância, o apocalipse anunciado do tipo "e-se-o-Brasil-não-ganhar-2014".

    Eu não gostaria de estar na pele de NENHUM jogador da seleção brasileira em 2014. ( mas se ganhar, guenta!)

    :P

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