Precisamos somente de tolerância?

Somos testados todos os dias no exercício da tolerância. E ultimamente alguns assuntos têm exigido maior atenção dos brasileiros – assuntos esses que eram ( ou são) desconsiderados : homofobia, união homoafetiva, bullying e preconceitos diversos desde ofensas a nordestinos até chegarmos ao “gente diferenciada”.

Inúmeras são as campanhas e as tentativas de conscientização pelo fim da intolerância. As redes sociais na internet potencializam debates que já deveriam fazer parte do dia a dia em diversos setores e isso é um lado bom; no entanto as mesmas redes difundem alguns preconceitos e ideias perigosas – a democracia permite que todos se manifestem e há pessoas que utilizam tal preceito para extrapolarem em suas opiniões. Quando o diálogo não resolve, resta a denúncia.

O objetivo parece ser claro: colocar um fim em toda e qualquer forma de intolerância. Mas será que isso é mesmo possível? O historiador Theodore Zeldin, no livro “Uma história íntima da humanidade”, também questiona: “As pessoas deixarão de se irritar, de se odiar ou de se engalfinhar quando o espírito de tolerância racial, política e religiosa espalhar-se aos poucos pelo mundo?

O próprio Zeldin adianta-se em jogar um balde de água nas possíveis respostas: “somente quem tiver memória curta acreditará nisso”. E ao longo do capítulo o historiador descreve exemplos e modelos de tolerância ( e intolerância) com uma metáfora interessante: “A tolerância sempre pareceu a estação de verão, seguida pelo frio e pelas tempestades”.

O que fazer, então? Voltaire, que até escreveu uma obra chamada “Tratado sobre a tolerância”, já deixava uma boa dica: “Devemos tolerar-nos mutuamente, porque somos todos fracos, inconseqüentes, sujeitos à mutabilidade, ao erro”. Sem dúvida, um bom conselho, mas o talvez o problema esteja justamente na palavra “tolerar”.

O verbo tolerar, obviamente, pode ser encontrado no dicionário e traz definições como suportar e condescender. Quando alguém diz “sou tolerante aos direitos dos homossexuais” (ou de qualquer outra causa) estabelece uma relação de indiferença em relação ao outro, pois na verdade ele apenas suporta, como se fosse um “favor” que é feito: você é diferente, logo eu o suporto.

Provavelmente não seja a tolerância, portanto, o que tanto procuramos. É algo maior, muito mais difícil de ser alcançado: o acolhimento. Neste sentido, uma das melhores definições que encontramos é do professor Mário Sérgio Cortella, na obra “Nos labirintos da moral” ( em parceria com Yves de La Taille) . Cortella também rebela-se contra a palavra “tolerância”:

Em vez de utilizar a palavra ‘tolerância’, tenho preferido uma outra: ‘acolhimento’. (...) porque acolher significa que eu o recebo na qualidade de alguém como eu. (...) Atualmente está disseminada a noção de que é preciso ter políticas de tolerância, quando, no meu entender, deveria se trabalhar de fato com políticas de acolhimento, em que o ‘outro’ tem o mesmo status que ‘eu’”.

Se alguém argumentar que a tolerância é o primeiro passo para o acolhimento não está de todo errado. O problema é encerrar as chamadas questões polêmicas somente com o argumento “é preciso ser tolerante” quando as exigências são maiores. Como citou o filósofo André Comte-Sponville, “chamamos de tolerância o que, se fôssemos mais lúcidos, mais generosos, mais justos, deveria chamar-se respeito, de fato, ou simpatia, ou amor...”.

Estamos preparados para vôos tão elevados?

13 comentários:

  1. Adoro esse livro do Zeldin, e tudo que li até agora do André Comte-Sponville; também prefiro ACOLHIMENTO; uso essa palavrinha (quem dera) mágica a torto e a direito... Beijos!

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  2. Respeitar as diferenças é muito difícil, e olha que mesmo para alguém que se acha livre de preconceitos...
    Acho que a palavra acolhimento seria mesmo um ideal, algo a ser alcançado, mas minha fé na humanidade não anda lá muito boa, por isso acho que se houvesse, ao menos, tolerância já seria um grande passo.
    Quanto ao comentário lá no blog, adorei as coisas que vc escreveu, porque no fundo a maioria das pessoas é insatisfeita e mesmo depois de encontrar o amor ainda falta alguma coisa, talvez por isso tenha tanta gente sozinha, talvez isso explique que o amor seja uma busca insólita...
    Brigada pelos elogios e espero que, mesmo não gostando, vc se aventure mais na sétima arte...
    Abraço

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  3. Christina, esse livro do Zeldin é tão bom que ao começar a leitura não dá vontade de parar por um minuto sequer! rs E Comte-Sponville é ótimo também!

    Eu também tenho dado preferência à palavra ACOLHIMENTO...acho que fica bem melhor, né?

    Bjs!

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  4. Meu prezado poeta Kawanami, de fato SEMPRE foi assim. Neste livro que eu citei, do historiador Zeldin, fala sobre isso. O duro é que temos quantos anos de humanidade? Sei lá, só de era cristã são 2 mil anos, pros judeus mais de 5 mil, pros hindus e chineses nem se conta...e ainda não aprendemos, né?

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  5. Letícia, sem dúvida o acolhimento seria melhor, pois assim haveria o respeito às diferenças. São coisas que não se separam, ao meu ver. Respeitar a visão do outro é acolhê-lo primeiro como ser humano, independente da cor, credo, orientação sexual, origem. Mas do jeito que a humanidade anda...

    Pois é, não sou exatamente um fã da sétima arte, mas vez em quando dá para se conferir alguma coisa aqui e ali, né? E é verdade: somos eternos insatisfeitos e mais ainda agora, com o consumismo e o descarte na ordem do dia.

    Abs! =)

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  6. Acolhimento na minha opinião é algo impossível na nossa sociedade.
    As pessoas são mesquinhas e a maioria pensa que está certo sobre tudo e que é melhor que os outros.
    Voltaire estava certo.

    Beijos!

    PS1: te mandei o livro por e-mail!
    Ps2: vc é de gêmeos né? vai fazer níver quando?

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  7. Bullying, homofobia, intolerância, racismo... a origem deles está na ignorância, na falta de conhecimento e na cultura da sociedade. As pessoas não nascem intolerantes, mas se tornam porque a família e a sociedade influenciam crianças e adolescentes a se tornarem isso e veem nelas (ou na Bíblia) um aval plausível do "certo e do errado" para justificar seus pensamentos preconceituosos. Não é nada fácil tentar mudar as ideias de um indivíduo quando ele já é adulto.

    O kit anti-homofobia (ou kit-gay, como alguns veículos de comunicação preferem usar num tom de preconceito velado e menosprezo) visava isso. Teoricamente, poderia ser um avanço, embora seja lamentável que a situação esteja tão crítica a ponto de ser introduzido nas escolas um kit para combater um preconceito específico quando, o correto, seria que as crianças aprendessem em casa e que a escola estimulasse o respeito entre as diferenças sexuais, sociais e religiosas. Porém isso é uma utopia.

    Não tive acesso e também não fui atrás do conteúdo do kit, mas fiquei sabendo de uma amiga minha que trabalha em uma escola pública em Guarulhos que em alguns desses conteúdos abordava as relações sexuais entre homossexuais, e outros que reforçavam o estereótipo do homossexual como um indivíduo promíscuo. Nesse caso, acho que a Dilma fez bem em suspender o kit das escolas, pois estimularia ainda mais o preconceito.

    Não duvido que as tais ONGs que defendem os direitos dos LGBTs envolvidas no desenvolvimento do material tenham feito isso. Vê-se claramente nas Paradas Gays o despreparo delas para conscientizar as pessoas leigas sobre a homossexualidade, sempre ligando a homossexualidade ao sexo. Mesma coisa pode-se dizer das ONGs que defendem o preconceito contra os negros. Elas acabam estimulando o racismo e retratando os negros como pessoas superiores aos brancos. O bom senso praticamente inexiste nestas ONGs.

    Enfim, ainda acredito que a educação seja o passo mais importante no combate aos diferentes tipos de discriminação. E como estamos lidando com tabus e preconceitos que passam de geração para geração, é preciso ter tato e cautela, sem ridicularizar o preconceito causado pela falta de conhecimento e sem ridicularizar também a minoria que sofre discriminação para não tornar as coisas piores do que já estão.

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  8. Olá, professor!

    Aqui com os meus botões, penso acolher tem a ver com aceitação e aceitar é primo do concordar. Por isso, o acolhimento é uma ideia muito mais difícil de ser absorvida. A tolerância me parece o caminho mais próximo para a gente (toda a sociedade) chegar num "ideal" de respeito.
    Não sei bem ao certo se precisamos ser mais tolerantes ou mais toleráveis ou se uma coisa puxa a outra. Talvez se fossemos menos individualistas (mesmo quando se trata da "individualidade em conjunto"), já seria um grande avanço.

    bjohnny!

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  9. Oi Jaime!
    Te adicionei no facebook, no meu pessoal mesmo =)
    Lá vc vai ver quem eu sou,rs, e as miniaturas q estou fazendo.
    Beijos!

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  10. Myself, também acho quase impossível, mas ainda procuro manter aquela "esperança", bem pequenininha...nem pra mim, mas talvez para as próximas gerações. Acho que nem se trata de ser otimista, creio que seja algo até natural quando perceberem que certos modelos e práticas não cabem mais.

    Ou talvez eu esteja mesmo muito idealista ultimamente rs

    Bjs! E obrigado, viu? Meu níver é agora, dia 04/06

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  11. Peterson, excelentes as suas colocações! Eu também não tive acesso ao tal "Kit Gay", mas todos vimos a pressão e o "troca lá dá cá" que a bancada evangélica (!) na Câmara fez com a presidente Dilma nesse enrosco todo com o Palófi.

    E eu já tive uma discussão feia com uma ONG em prol dos direitos dos afro-descendentes porque eu me posiciono contra as cotas para o ensino superior - meu argumento não é racial e sim quanto à questão educacional. Foi o que bastou para eu ser chamado de "racista"e até coisas piores. Fui desqualificado por apresentar uma opinião contrária ao grupo. Essa é a indiferença que o prof. Cortella traz com a tese do acolhimento: passei a ser um péssimo ser humano por conta de uma postura.

    Não é assim que vão conseguir convencer as pessoas. E isso vale para algumas entidades GLBT que costumam adotar as mesmas práticas.

    Abs

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  12. Olá, moça cabofriense!

    Pois é, quem pensa somente na questão da tolerância não está errado, não. Para se chegar até esse estágio é uma luta...e para o acolhimento, então, é algo quase transcendental! Poderíamos dizer que é praticamente uma utopia? Talvez, mas eu acredito que os exercícios de tolerância deveriam buscar esse aprendizado para, quem sabe, um dia, deixemos de lado tamanha individualidade e pensemos no coletivo.

    Como anda idealista ultimamente hahaha

    Bjk!

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  13. Putz! Que saudades de ler esse blog! Lia-o bastante quando tinha o meu blog cahier de marie. Sempre com questões interessantes como esta. Depois e ler, percebi que realmente nunca parei para pensar nesse lado. Acho que o assunto merece uma reflexão individual. Vou pensar mais no assunto. Sucesso!

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