Sobre carrascos e vilões

Mesmo distante das comodidades da vida moderna como internet, celular e TV´s de alta definição, consegui acompanhar quase todos os jogos da Copa do Mundo na África do Sul durante um curto período de férias. Os jogos da primeira fase foram ótimos para se tirar aquele cochilo durante à tarde. O que salvou o mundial da África do Sul no quesito futebol ( se é que isso ainda existe) foi a fase final, quando ficam apenas as equipes mais competentes – ou sortudas, isso acontece.

Acompanhei os jogos da seleção brasileira sem esperar grandes coisas do grupo levado pelo técnico Dunga. Não me surpreendi com a eliminação diante da Holanda. A seleção brasileira foi longe demais com um time fraco e que nem de longe honrou a tradição do futebol brasileiro. O novo técnico tem o desafio de retomar aquele futebol técnico que ainda sobrevive, embora na UTI, nos pés de alguns moleques que surgem por aqui, como Neymar e Paulo Henrique Ganso, mas essa é outra história.

O que me deixa chateado de verdade é essa "necessidade" do brasileiro – e com uma bela ajuda de uma parte considerável da imprensa ufanista, mimada e recalcada; se o técnico Dunga deixou algum legado foi que a imprensa esportiva brasileira deve repensar urgentemente o papel que vem desempenhando – em procurar “carrascos” e “vilões” para o fracasso, sobretudo em uma Copa do Mundo.

Quem acompanha futebol e até mesmo quem não acompanha já ouviu nomes como os de Paolo Rossi, Caniggia, Zidane, Henry. Todos jogadores que fizeram gols dos quais eliminaram o Brasil das Copas de 1982, 1990, 1998 e 2006, respectivamente. São chamados de “carrascos do Brasil” e agora mais um jogador entra para este “seleto grupo”: Sneidjer, meia da Holanda.

Qual o “pecado” destes jogadores para serem considerados como “carrascos”? Será que é tão difícil entender que esses jogadores atuam por seleções que também estão disputando um título e para isso é preciso vencer os adversários? São bons jogadores atuando pela seleção do seu país, querem entrar para a história conquistando um título mundial de futebol e se puderem fazer a diferença dentro de campo melhor ainda. Não dá para pensar, então, que um jogador diante do gol aberto ou de uma chance clara de gol pense “Coitado dos brasileiros, não vou fazer esse gol porque não quero desapontar 190 milhões de brasileiros”. Não tem nada de carrasco, algoz ou coisa do tipo: é uma competição, isso é normal.

E o “vilão”? Quando uma seleção brasileira fracassa na Copa logo se procura pelo vilão ou vilões. O goleiro Barbosa, que tomou um gol da seleção uruguaia no Maracanã na final da Copa do Mundo de 1950 – gol que custou o título à seleção brasileira, entrou para a história como vilão, culpado pela derrota e assim ficou marcado pelo resto da vida. Provavelmente o mesmo aconteça ao volante Felipe Melo, considerado “culpado” pela derrota contra a Holanda por contribuir decisivamente para o gol de empate dos holandeses e por ser expulso ao longo do segundo tempo.

O volante, que realmente nunca foi um bom jogador, foi agredido verbalmente no desembarque do vôo da África do Sul e vem sofrendo represálias por parte de alguns torcedores e alguns jornalistas “especializados” em futebol. Estes tentam envolver até mesmo os familiares de Felipe Melo, que nada tem a ver com gol contra ou expulsão do jogador. Será que Gilmar "Dantas" Mendes tinha razão com a história dos diplomas? Pelo menos, até onde se sabe, o jogador não foi ameaçado de morte como o volante nigeriano Kaita. E tudo isso por causa de um jogo de futebol.

Agora imagine o que aconteceria se um jogador da seleção brasileira perdesse o pênalti que poderia dar a vitória ao seu time e classificá-lo para as semifinais? Aconteceu com Cardoso, do Paraguai, em partida contra a forte seleção da Espanha. O que aconteceu o jogador na volta ao seu país? Foi condecorado pelo presidente da República, saudando a seleção paraguaia pela bela campanha no mundial. Certos “jornalistas” brasileiros tem muito o que aprender com os paraguaios e não ridicularizá-los.

A cultura do vencer a todo o custo é tão forte que ninguém se importa que o Brasil venceu um dos jogos desta Copa contando com um gol totalmente irregular – é aquela história do “o juiz não pode roubar contra a gente, só a favor”. Os que falham – e quem nunca falhou?- são agredidos, ameaçados, carregarão a culpa pelo resto da vida. Lidar com o sucesso é bom, é gostoso, mas é necessário aprender a lidar com o fracasso também.

Ao vencedor, as batatas! E aos perdedores, os tomares, ovos, paus, pedras e saliva!

Um vilão de verdade

Saudades dos tempos em que o futebol era notícia por causa dos dribles de Garrincha, os gols de Pelé, as jogadas de Zico, os chutes de Rivelino e Pepe. Infelizmente, hoje os jogadores de futebol ricos, famosos e paparicados se tornam notícia não pelos seus talentos no trato com a bola, mas dividindo as páginas policiais da imprensa.

Agora é a vez do polêmico goleiro (ex?) do Flamengo, Bruno, preso e acusado de participar do assassinato da ex-amante em um crime de contornos bizarros. É apenas (mais) um exemplo de que dinheiro, fama, carros de luxo não representam nada se a pessoa não possui uma boa estrutura emocional e sucumbe ao crime, vícios, más companhias.

Jogadores de futebol envolvidos com traficantes, drogas, assassinatos, promovendo bebidas alcoólicas. E ídolos de milhares de pessoas. E continuarão: basta não falhar dentro de campo. Assim tudo o mais será perdoado, amém.

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6 comentários:

  1. Desde que um jogador da Holanda disse antes da partida que os sul americanos não sabiam perder eu fiquei matutando aquilo. Ele , na verdade estava se referindo aos brasileiros e especialmente à imprensa, se entendi bem. E tem toda razão. Fomos habituados historicamente e depender de heróis, a sermos subservientes, uma espécie de "coitadinhos" auto-denominados e não elevamos a nossa auto estima como nação. Ufanamos em forma de flagelo. Mas eu ainda estou ruminando uma tese de que somos uma país jovem e temos muito que aprender. Deus queira! Quanto ao goleiro acusado, é vilão e vítima. Vítima da mesma estrutura de fabricar sucessos efêmeros e fortunas rápidas sem nenhuma retaguarda psico-social. alimentada também pela mesma mídia que condena agora ao inferno. Perdemos todos com o episódio. Muito bem vindo de volta, meu grande! Abração. paz e bem.

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  2. Excelente, Cacá! E dependemos de heróis que não eram tão "heroícos" assim! Abs e obrigado! =)

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  3. Ótimo texto Jaime! Muito bom mesmo!

    O que acontece é isso mesmo, o Brasil não sabe perder no futebol! Tem sempre que ter um vilão, um carrasco. Ganhar é ótimo, mas perder faz parte. Para se ter um vencedor tem que haver perdedores.
    O que me deixou realmente chateada, mesmo já esperando pela derrota, foi a falta de garra e desespero perante a derrota eminente. O time era fraco, mas passou de todas as minhas expectativas da fraqueza e desespero humano. A equipe mostrou-se completamente desequilibrada. O grande exemplo que nos temos são los hermanos argentinos, perderam de quatro(rsrsrsrs), e mesmo assim Maradona beijou um a um os jogadores perdedores.
    Mas enfim a vida continua...
    Beijinhos!

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  4. Você sabe que não gosto de futebol. Mas, não tinha como não ouvir comentários e participar de alguns deles.
    Vou ser sincera, me irritou profundamente essa implicância com o Dunga. Ouvi coisas como burro, ditador, cabeça dura e teimoso.
    Até parece que um técnico iria escalar uma seleção com base na opinião pública. Então não seria preciso um técnico, seria preciso um plebiscito.
    O sujeito tem as características dele e, quem o colocou lá sabia disso. Não se muda estilo assim, de uma hora pra outra. E, vamos combinar, se o cara fosse tão burro assim, não estaria ganhando milhares e milhares de dólares, não teria o cargo que muita gente deseja e não teria ganhado uma copa como capitão de um time.
    Ele pode, certamente, não ser o melhor (e eu duvido que seja mesmo), mas duvido também que seja pior que 90% das pessoas que o criticaram.
    Falar é fácil, fazer...

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  5. Olá, professor!

    Acho q para a maioria das pessoas é difícil uma vida sem vilões, com eles é mais fácil encarar certas coisas: é só direcionar toda a culpa para eles e fingir q não existem outros fatores responsáveis. Além do mais, a falta do vilão acabaria com a esperança do herói, aquele q surgirá e resolverá todos os problemas, no futebol ou na vida.
    No esporte, brasileiro não sabe torcer. Não, não sabe. Sei q todos dizem o contrário, mas gostamos da vitória, do destaque e não de torcer. O patriotismo se acaba na desclassificação e o esforço (em algumas modalidades esportivas, heróico) dos atletas é chamado de fiasco, vexame, etc. Se vencer passa a ser "o orgulho da nação" (pelo menos até a próxima competição).
    E vencer passa a ser tão mais importante, q outras coisas podem ir para baixo do tapete, como no caso do Bruno (que desde o início da sua carreira no Flamengo assume descaradamente q homem bater em mulher é normal e muita gente fingiu não ouvir, até q um belo dia uma moça com o olho roxo foi à delegacia. mas só quem deu alguma importância pra isso foi a torcida do Bostafogo, os outros deixaram passar, afinal ele é - ou era, "um dos melhores goleiros do Brasil"...). Tem tbm o caso dos "meninos da vila", q se recusaram a visitar uma instituição filantrópica espírita pq espiritísmo é coisa do demo e ninguém liga se eles tem ou não "boa índole". São bons jogadores, o futebol arte é o q importa, vamos no programa do Jô, pedimos desculpas, dizemos q aprendemos a lição e todo mundo esquece num passe de letra.
    Já diria Edmundo, ídolo das torcidas do Vasco e do Palmeiras, carinhosamente conhecido como "O Animal", qndo vc percebe q a torcida está prestes a ficar contra vc, é só fazer o q eles querem e fica tudo bem.
    E q venha 2014! Estamos no país do futebol.

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  6. O brasileiro adora se preocupar com o fútil, com o desnecessário, com o secundário.

    Nesta Copa não torci a favor do Brasil justamente por essa atitude arrogante da imprensa que trata o Brasil como "imbatível" e que é ridículo perder para qualquer seleção, por mais forte que seja.

    Enfim... Espero que dê Holanda amanhã para aliviar os brasileiros "pelo menos, perdemos para os campeões do mundo, não para o 3º lugar". (Piadinha xenofóbica da Skol feelings mode on)

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